O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) vem trabalhando para rearticular o pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo de investigar o “orçamento secreto” liberado pelo governo Bolsonaro para, supostamente, comprar apoio de parlamentares. Seria a "CPI do Bolsolão". Até o momento, 60 deputados assinaram o pedido de abertura de investigação.
A prática, apelidada de “Bolsolão”, voltou a ser alvo de discussão após a primeira votação da PEC dos Precatórios (PEC 23/2021), na Câmara, na última semana. A proposta foi aprovada após o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), liberar bilhões em emendas deste orçamento secreto para, supostamente, comprar o apoio de deputados ao projeto de interesse do governo.
“Orçamento secreto” é o nome com o qual vem se chamando as emendas de relator para o Orçamento da União. Essas emendas seguem um rito diferente de outras, que transitam por um rito rígido, atendendo a critérios específicos, para que haja um equilíbrio e uma equivalência entre todos os parlamentares que compõem a Câmara. A prática nada mais é do que um acordo informal que permite ao governo, por meio da direção da Casa, liberar recursos bilionários para que deputados passem a apoiar as propostas encaminhadas pelo Executivo ao Legislativo.
Deputados relataram que, além de encampar manobras regimentais, Lira chegou a oferecer liberações de R$ 15 milhões para quem decidisse votar a favor da PEC de última hora. A PEC foi aprovada com um margem bastante apertada, com apenas 4 votos além do necessário. Segundo o Estadão, o montante oferecido por Lira apenas nessa votação chega a R$ 1,2 bilhão.
Essa liberação de recursos para a aprovação da PEC dos Precatórios é base para uma ação do PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF). Na sexta-feira (5), a ministra Rosa Weber suspendeu a execução dessas emendas. Lira tenta reverter a liminar, que ainda será objeto de análise do plenário virtual do Supremo nesta terça-feira (9).
Escândalo é questionado desde maio
Ivan Valente havia apresentado requerimento para abertura da CPI do Bolsolão em maio deste ano, isto é, antes de se vir à tona que Lira estava utilizando o "orçamento secreto" para aprovar a PEC dos Precatórios. À época, o jornal Estadão fez a primeira denúncia de como funciona o esquema.
O periódico trouxe à tona que Jair Bolsonaro montou, no final de 2020, um orçamento secreto e paralelo no valor de R$ 3 bilhões em emendas para comparar congressistas. Boa parte do dinheiro era destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima da referência. Um conjunto de 101 ofícios foi encaminhado, por deputados e senadores, ao Ministério do Desenvolvimento Regional para apontar como eles preferiam utilizar os recursos comprova a farra com dinheiro público.
Os ofícios, obtidos pelo Estadão, indicavam que o esquema passa por cima das leis orçamentárias, pois é atribuição dos ministros definir onde e como aplicar os recursos. Além disso, prejudica o controle do Tribunal de Contas da União (TCU).
"O Ministério do Desenvolvimento Regional deveria executar seus recursos buscando corrigir as disparidades regionais e priorizar os municípios em pior situação socioeconômica. Ao executar seus recursos em benefício daqueles que votam a favor do Governo, a pasta subverte essa lógica, prejudicando a população, desviando-se de sua finalidade e convertendo-se em um verdadeiro balcão de negócios, situação que viola dezenas de dispositivos que são de observância obrigatório para qualquer gestor público", escreveu Valente ao apresentar o requerimento de abertura da CPI.
Nova articulação pela CPI
Agora, com essas emendas sendo utilizadas para aprovar a PEC dos Precatórios, o deputado decidiu fazer uma nova ofensiva de coleta de assinaturas. Até o momento, o pedido de abertura da CPI conta com o apoio de 60 deputados - segundo o que revelou o psolista à Fórum. Para abrir uma CPI, são necessárias 171 assinaturas.
À reportagem, Ivan Valente informou que vai tentar coletar mais assinaturas entre esta segunda-feira (8) e os próximos dias, e que o assunto está na pauta de reunião entre deputados do bloco da Minoria.
"Vamos para cima [para coletar assinaturas] de outros parlamentares (...) Essas emendas de relator são uma excrescência. Isso aí tem nome: é 'toma lá, dá cá', é corrupção. É fidelização de uma base parlamentar para impedir o impeachment ou para votar em toda a agenda governamental em troca de dinheiro", atesta o congressista. "Isso é compra de votos, é escandaloso", completa.
Com a palavra, Rosa Weber: "Perplexidade"
Ao atender ação do PSOL e suspender o repasse das emendas de relator, a ministra Rosa Weber, do STF, afirmou que a prática "causa perplexidade.
“Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas, para que tais congressistas utilizem recursos públicos conforme seus interesses pessoais, sem a observância de critérios objetivos destinados à concretização das políticas públicas a que deveriam servir as despesas, bastando, para isso, a indicação direta dos beneficiários pelos próprios parlamentares, sem qualquer justificação fundada em critérios técnicos ou jurídicos, realizada por vias informais e obscuras, sem que os dados dessas operações sequer sejam registrados para efeito de controle por parte das autoridades competentes ou da população lesada”, escreveu a magistrada.