Na noite desta quarta-feira (3), o presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento à Polícia Federal no âmbito do inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suposta interferência política na corporação. Segundo especialista ouvido pela Fórum, as falas do próprio Bolsonaro neste depoimento sinalizam que, de fato, houve interferência.
A investigação foi aberta, em abril de 2020, a partir de denúncias do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, e foi prorrogada inúmeras vezes. Moro acusou o presidente de ter trocado o comando da PF para conseguir acesso a investigações do órgão de modo a proteger familiares e aliados políticos de investigações. A gota d’água foi a demissão do delegado Maurício Valeixo, que tinha sido escolhido por Moro para a direção-geral da instituição.
Durante o depoimento desta quarta-feira, o presidente afirmou, entre outros pontos, que a sua declaração sobre a “troca de segurança” no Rio de Janeiro, feita no ano passado, estaria relacionada ao filho Carlos Bolsonaro - praticamente assumindo que tentou interferir na corporação para atender aos seus interesses pessoais.
Além disso, de acordo com Bolsonaro, o ex-ministro Sergio Moro teria concordado que a indicação de Valeixo só ocorreria após a recomendação do ex-juiz a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o advogado criminalista Thiago Turbay, o depoimento do presidente "carrega descrição de fatos que narram uma intensa negociação para que a Polícia Federal se mantivesse sujeitada ao Planalto".
"Nesse sentido, violações à probidade da administração e delitos inerentes à Responsabilidade do Presidente exigirão processamento judicial e processo de impeachment, se suficientemente comprovados", atestou em comentário enviado à Fórum.
Turbay ainda lista outros supostos crimes que poderiam ter sido cometidos por Bolsonaro. "Os fatos sugerem tentativa de controle e interferência em investigações em curso, o que configura o delito de obstrução. Noutro lado, se confirmada a hipótese de negociação que vincule nomeações em troca de indicação ao Supremo Tribunal Federal, poderá haver crime de advocacia administrativa, violação de sigilo funcional e condescendência criminosa", disse ainda.
"Qualquer que seja a classificação da conduta em termos penais sobressalta a hipótese de mercancia", completa o criminalista.
Confira a íntegra do depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal aqui.
Inquérito pode estar perto do fim
Segundo a advogada criminalista Jessica Boldi, o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal é um indicativo de que a investigação pode estar próxima a ser concluída.
“O interrogatório, quando não se há outra prova a ser produzida, é último ato a ser praticado antes de serem encerradas as investigações", disse à Fórum em entrevista concedida em outubro, quando o depoimento do presidente estava sendo marcado.
“Isso significa dizer que a autoridade pode estar prestes a concluir as investigações do inquérito para verificar se há indícios de autoria e prova da materialidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha interferido politicamente na Polícia Federal e cometido uma série de outros crimes comuns, como falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da justiça e corrupção passiva privilegiada, todos indicados pela PGR”, prosseguiu a advogada.
Afastamento
De acordo com a criminalista, caso o inquérito do STF confirme que Bolsonaro, de fato, interferiu politicamente na Polícia Federal, a PGR poderá apresentar denúncia contra o mandatário, que deverá ser autorizada pela Câmara dos Deputados para o avanço das acusações.
“Se a Câmara autorizar, o STF irá decidir pelo recebimento ou não da denúncia. Assim, aceita a denúncia, o presidente será afastado por 180 dias e passará a responder por processo criminal, onde pode ser condenado pelos crimes eventualmente imputados”, atestou.
Ao todo, Jair Bolsonaro é alvo de quatro inquéritos no STF e de 8 ações que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).