A Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira (29), durante uma sessão do Congresso Nacional, o Projeto de Resolução que normatiza o orçamento secreto e suas famigeradas emendas do relator, uma prática escusa que permite a liberação de dinheiro público para parlamentares não identificados (diferentemente das emendas parlamentares convencionais) e que acabou servindo como uma ferramenta espúria para a compra de votos por parte do governo Bolsonaro no Legislativo. Para passar a valer, o texto precisa ser aprovado ainda no Senado.
Os nomes dos parlamentares que "conquistaram" R$ 3,3 bilhões às vésperas da aprovação da PEC dos Precatórios seguirão ocultos, conforme o texto aprovado nesta sessão, em contrariedade com a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que sejam divulgados esses dados.
A mudança mais expressiva na prática suspeita e sem transparência é o estabelecimento de um limite no valor total das verbas que compõem o orçamento secreto, que não poderá exceder a somatória das emendas individuais e emendas de bancada, que este ano correspondem a R$ 16,9 bilhões.
Em 2020, as emendas do relator somaram mais de R$ 30 bilhões, enquanto em 2021 a previsão inicial era de R$ 29 bilhões, valor que foi reajustado e diminuído após reuniões de congressistas com a equipe econômica do governo.
Técnicos do Câmara e do Senado, que já haviam se pronunciado de forma contrária a esses valores imensos, afirmam que tal mudança colocará na legalidade um esquema que põe muito poder na mão de um deputado só: o relator-geral do Orçamento.
O que dizem os parlamentares
“Ele (o projeto) não ataca em nada o problema, continua com o mesmo problema de não saber de quem indica, como indica e para que vai. A gente continua com o mesmo problema de ter balcão de negócios obscuro aqui dentro. Na nossa visão, o projeto de resolução não ataca esses problemas, nem de transparência, nem de mostrar para que serve, nem de estar vinculado a alguma política pública, nem de tratar todo cidadão de forma igual. E tem mais um problema constitucional, que é a questão da isonomia dos parlamentares. Não tem cabimento um indicar 100 e outro indicar nada””, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara, afirmou que o projeto não traz transparência alguma e que seu uso para esquemas obscuros seguirá com o texto aprovado hoje.
“É razoável permitir que R$ 17 bilhões sejam liberados sem qualquer critério público? O dinheiro público não pode ser destinado aos parlamentares de acordo com sua proximidade ou distância do governo. O dinheiro público tem que ter uma finalidade que atenda o interesse público, a critérios técnicos, objetivos, impessoais, isonômicos. O que essa proposta faz é o oposto disso, é colocar nas mãos do Centrão o controle sobre quem receberá essas emendas ou não, do presidente desta Casa, a Câmara dos Deputados, e do presidente do Senado”, questionou Molon.
Já o deputado Aluísio Mendes (PSC-MA), vice-líder do governo Bolsonaro no Congresso, quem vem utilizando o orçamento secreto e as emendas do relator para fazer negociatas em nome dos interesses do Planalto, defendeu a proposta aprovada na casa.
"O que se fez no RP-9 (código das emendas de relator) foi trazer luz a essa execução. E aqui quero parabenizar o senador Marcelo Castro, porque, com essa resolução, mais transparência é trazida. Quero dizer aqui que nós temos que parar com esse discurso de falta de transparência, de orçamento secreto", afirmou.
O que é o orçamento secreto e por que ele é considerado corrupção
Parlamentares atendem a suas bases eleitorais por meio de emendas, que são fatias do orçamento destinadas a algum tipo de obra, projeto ou ação, nas áreas de educação e saúde sobretudo, nos estados e municípios. Para conseguir a liberação desse dinheiro há uma série de burocracias e a obrigatoriedade de se comprovar a real necessidade desses recursos, que são liberados pelo Legislativo.
Essas chamadas emendas podem ser reivindicadas por um só deputado, por uma bancada de um determinado partido ou segmento, ou ainda por comissões de deputados. O processo para liberação do recurso é rígido e para os órgãos de transparência é possível monitorar quem é o parlamentar, ou a bancada, que pleiteou os valores, além de saber qual é o destino do dinheiro.
No entanto, uma nova “espécie” de emenda parlamentar foi criada a partir de 2019, chamada de “emenda do relator”. Tal procedimento é considerado uma aberração em termos de transparência, já que só é possível identificar quem receberá o dinheiro e qual será a aplicação dele, sem revelar quem foi o deputado que o “conquistou”. A emenda vem no nome do relator do orçamento, uma figura genérica que muda de ano para ano na Câmara dos Deputados.
Como o nome do parlamentar que foi “agraciado” com milhões de reais não é revelado, os cientistas políticos e integrantes de órgãos de transparência classificam o controverso instrumento como um verdadeiro esquema de compra de integrantes do Legislativo (parlamentares) por parte do poder Executivo (governo), que passa a distribuir bilhões de reais para deputados que não têm rosto, nem nome, e que em troca votam favoravelmente aos interesses do Palácio do Planalto.
O dinheiro utilizado no pagamento dessas obscuras emendas de relator sai de um montante denominado “orçamento secreto”, que na prática acaba servindo como um fundo (ou um caixa) de onde saem bilhões de reais que “mimam” aqueles deputados que, por acaso, possam dar seus votos aos interesses do presidente da República e de seu governo.