Sanitarista considera “imoralidade” pessoas com dinheiro terem acesso à vacina antes das outras

Declaração ocorreu após anúncio de que a iniciativa privada negocia compra de cinco milhões de doses de uma vacina contra a Covid-19 com laboratório indiano

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O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, 67, professor de saúde pública da USP, afirmou em entrevista à Folha, nesta quarta-feira (6), considerar uma “imoralidade”, numa sociedade tão desigual quanto à brasileira, as pessoas com dinheiro possam ter acesso à vacina contra a Covid-19 nas clínicas privadas, antes dos usuários do SUS.

A declaração ocorreu em função do anúncio de que a iniciativa privada, através da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), negocia a compra de cinco milhões de doses de uma vacina contra a Covid-19 com o laboratório indiano Bharat Biotech, que fabrica a vacina Covaxin.

Para Gonzalo, uma parceria ética seria que o setor privado atuasse dentro das mesmas regras organizadas por uma política pública, priorizando os mesmos grupos mais vulneráveis.

“Mas não é essa a proposta que está aí. A proposta é pegar gente que, do meu ponto de vista, estaria na posição número 30 [no grupo de prioridades para a vacina] e colocar na posição número 1. Isso não é parceria. Isso é inominável".

O sanitarista afirma ainda que “do ponto de vista comercial, numa economia liberal, tudo bem. Mas, no meio de uma pandemia, é eticamente insustentável. A sociedade vai ter capacidade de fazer a sua crítica a essa fila não ética. A gente tem que buscar formas de diminuir o nível de desigualdade na nossa sociedade”.

Ao ser perguntado como seria ética a aplicação das vacinas pelas clínicas particulares, Gonzalo diz que a maneira de se fazer a parceria seria “você (a iniciativa privada) aplicar as vacinas que vou dar para você aplicar, com as mesmas regras que eu vou usar. Você só vai aumentar a velocidade”.

“Por exemplo, posso pegar todas as farmácias do Brasil e distribuir vacina para que elas apliquem em quem estiver na ordem para tomar aquela vacina, naquele momento. Isso pode ser feito”, afirma.

Ao final, o sanitarista adverte que “a falta de política pública é um crime público, um crime contra o ordenamento jurídico. [Saúde] é dever do Estado e direito do cidadão executado através de políticas públicas”.

“Está lá no artigo 196 da Constituição, depois da vírgula do direito e do dever. Precisa existir essa manifestação do Ministério Público. É preciso exigir que o Estado cumpra seu papel ou que se troque o Estado”, encerra.

Leia a entrevista completa na Folha