Transparência Brasil aponta que CPI pode ser uma boa ferramenta para investigar compras do Executivo

Em entrevista à Fórum, a gerente de projetos da ONG, Marina Atoji, ainda condenou a reação de Bolsonaro contra a imprensa: "completamente inadequada"

Foto: Isac Nóbrega/PR
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Diante da polêmica envolvendo o carrinho de compras do Executivo Federal, diversos questionamentos têm surgido sobre os contratos firmados pelo governo, as empresas e possíveis irregularidades.

Segundo levantamento do (M)Dados feito com base nos contratos de compra do Executivo Federal, o carrinho de compras do governo e seus órgãos ficou em R$ 1,8 bilhão em 2020.

Entre os itens que mais chamaram a atenção estão os R$ 15,5 milhões em leite condensado, R$ 16,5 milhões em batata frita embalada, R$ 13,4 milhões em barras de cereais, R$ 21,4 milhões em iogurte natural, R$ 8 milhões em bombons e R$ 2 milhões em chicletes.

Em meio às articulações para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o carrinho de compras do governo e a reação agressiva de Bolsonaro, que mandou a imprensa para a "puta que pariu”, a Fórum entrevistou a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji.

Para a jornalista integrante da equipe executiva da organização não-governamental (ONG), os valores são naturalmente altos por se tratar da soma das compras de todos os órgãos do Executivo, mas "é preciso verificar se alguns desses itens, como os bombons, são realmente necessários, especialmente neste momento em que as contas públicas estão apertadas".

Atoji acredita que "o ideal seria fiscalizar os contratos de forma mais concentrada", ao invés de focar no números totais, e afirmou que a Transparência Brasil está avaliando a possibilidade de fazer um estudo com base nas compras do governo.

A possibilidade de abertura de uma CPI é bem vista pela Transparência Brasil. "Ações de controle com o objetivo de identificar irregularidades são bem-vindas. A fiscalização é uma das mais importantes funções do Legislativo. Se eficiente e focada em, além de apontar os problemas também apresente soluções para problemas estruturais que causam irregularidades, a CPI pode ser uma boa ferramenta", afirmou.

Sobre a reação de Bolsonaro contra a imprensa, Atoji classificou como "completamente inadequada". "O presidente tem o dever de prestar contas das ações de seu governo à sociedade e de não agredir a imprensa", apontou.

Confira a entrevista:

Fórum: Ganhou grande repercussão a notícia de que o Executivo Federal gastou R$ 1,8 bilhão em supermercado no ano de 2020, em especial o valor despendido a itens como bombom e leite condensado. Como a Transparência Brasil enxerga essa situação?

Marina Atoji: O valor é naturalmente alto - afinal, estamos falando da soma de compras realizadas por todos os órgãos do governo federal. Mas é preciso verificar se alguns desses itens, como os bombons, são realmente necessários, especialmente neste momento em que as contas públicas estão apertadas.

Além do valor total, os números apontam um aumento de 20% nos gastos nas compras do Executivo Federal mesmo diante da pandemia do novo coronavírus. Haveria alguma explicação para isso?

Deve haver mais de uma explicação, que só são possíveis de obter com uma análise detalhada. Mas uma delas é um fator que nós mesmos temos sentido ao ir às compras: a inflação. Assim como chega aos cidadãos, o aumento de preços de alimentos, combustíveis e outros itens também chega ao poder público. A questão é ver se o aumento é proporcional a esse fator, se destoa muito da tendência dos últimos anos.

A Transparência Brasil pretende se debruçar sobre esse números?

Estamos avaliando a possibilidade.

Nas redes sociais, surgiram especulações de possíveis superfaturamentos em razão do valor de alguns itens. Acredita que pode haver uma situação desse tipo?

Pode haver; infelizmente, é sempre uma possibilidade em compras públicas. Só é improvável que haja superfaturamento em todas elas. Também pode haver casos de preenchimento incorreto de dados sobre as compras no sistema - algo mais frequente do que deveria e que acaba comprometendo o controle social dos gastos públicos.

O mais prudente, então, seria a fiscalização de contratos mais específicos?

Sim, o ideal seria fiscalizar os contratos de forma mais concentrada. É melhor para identificar as irregularidades ou problemas de início, e evitar perdas de recursos.

Parlamentares têm se articulado com o objetivo de instaurar uma CPI para investigar o carrinho de comprar do governo. Acredita que essa articulação é benéfica?

Ações de controle com o objetivo de identificar irregularidades são bem-vindas. A fiscalização é uma das mais importantes funções do Legislativo. Se eficiente e focada em, além de apontar os problemas também apresente soluções para problemas estruturais que causam irregularidades, a CPI pode ser uma boa ferramenta.

O presidente Jair Bolsonaro reagiu aos questionamentos sobre as compras mandando a imprensa para a "pqp". Como a Transparência Brasil enxerga essa declaração?

Uma resposta desse tipo é completamente inadequada. O presidente tem o dever de prestar contas das ações de seu governo à sociedade e de não agredir a imprensa.