Ricardo Coutinho: “O Brasil precisa olhar mais para o que está acontecendo no Nordeste”

Em entrevista, ex-governador da Paraíba fala sobre o consórcio Nordeste, o impacto da derrota das oligarquias na Paraíba, lança um olhar sobre os desafios do governo Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte e diz porque decidiu não concorrer a um mandato eletivo após oito anos como gestor

Ricardo Coutinho (Foto: Arquivo/EBC)
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Por Rafael Duarte, na Agência Saiba Mais  O ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho (PSB) encerrou oito anos de gestão, em dezembro de 2018, com recorde de 84% de aprovação. Os dados são do Centro Integrado de Pesquisa e Comunicação, instituto sediado em Recife (PE). O efeito de tamanha popularidade foi constatado nas urnas: o engenheiro civil João Azevêdo (PSB), aliado de Coutinho, foi eleito ainda no 1º turno pelos paraibanos, com 58,18% dos votos. A eleição de Coutinho, em 2010, encerrou um ciclo oligárquico comandado pela família Cunha Lima. Durante o período, o Produto Interno Bruto da Paraíba ultrapassou o PIB do Rio Grande do Norte e se desenvolveu, a olhos vistos, muito mais do que o estado potiguar. A agência Saiba Mais conversou com Ricardo Coutinho durante o IV Encontro Nacional de Comunicação realizado pelo Instituto Barão de Itararé, em São Paulo. Ele foi um dos convidados a falar sobre a conjuntura política nacional. Após dois mandatos consecutivos, o ex-governador paraibano preside a Fundação João Mangabeira, entidade sem fins lucrativos criada em 1990 pelo PSB e que tem como finalidades a formação política socialista e a elaboração de políticas públicas. Nesta entrevista, Ricardo Coutinho fala sobre o consórcio Nordeste, o impacto da derrota das oligarquias na Paraíba, lança um olhar sobre os desafios do governo Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte e diz porque decidiu não concorrer a um mandato eletivo após oito anos como gestor: Saiba Mais: O Consórcio Nordeste muda o patamar da região ? Ricardo Coutinho: Totalmente. É um grande passo. A gente tinha uma discussão acumulada sobre a necessidade disso desde 2011 e 2012. A eclosão do processo que levou ao golpe (contra a ex-presidenta Dilma Rousseff) fez com que os governos todos meio que se retraíssem acerca desse tema. Mas o Consórcio é um instrumento fundamental para a gestão de uma região que tem uma mesma condição geográfica, uma mesma condição política… porque o Nordeste tem uma identidade, né ? Isso ficou provado nas eleições. E, ao mesmo tempo, ajuda a solucionar determinados problemas que são comuns a todos nós. Por exemplo… Por exemplo, porque é que nós temos que esperar pela Força Nacional para resolver ou para fazer frente a alguns problemas na área de Segurança Pública ? Algumas irrupções de problemas em presídios. Porque não, dentro da própria região, um Estado ajudar o outro ? É perfeitamente possível e o Consórcio facilita isso. A questão do Mais Médicos, o governo federal acabou com o atendimento na saúde primária em grande parte das cidades do Nordeste, que ficaram sem médico. E os médicos que haviam eram com experiência, sensibilidade, com formação generalista, que eram os médicos cubanos. Então o Consórcio vai poder repactuar com a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) esse convênio para que médicos cubanos voltem a bem atender a população. Compras de material de educação didático e pedagógico… imagine a queda de preço que se dá quando se junta nove estados. Enfim, políticas de turismo. Porque o Nordeste é meio que um e dentro desse um você tem várias especificidades. Eu tenho muito interesse nesse Consórcio, acho que é um passo adiante e defendo para o Nordeste o aprofundamento dessa identidade. Aliás, o Brasil precisa olhar mais para o que está acontecendo no Nordeste. Pegando o gancho nessa questão da identidade da região, como você avaliou a declaração do Bolsonaro, que se referiu aos nordestinos como “paraíbas” e ainda atacou o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB) ? Eu acho que isso é compatível com o grau intelectual dele. O presidente, infelizmente, não consegue ter uma compreensão de civilidade, de sociedade, à altura do cargo de um presidente. Então ele desconhece Raquel de Queiroz, desconhece Patativa do Assaré, desconhece Câmara Cascudo. Ele não sabe de onde veio Augusto dos Anjos, ele não tem ideia de quem seja José Lins do Rêgo. Talvez nunca tenha ouvido uma música do Caetano Veloso, Djavan, Zé Ramalho, Chico César. Então é um cidadão que não tem sensibilidade, nem sabe o que é cultura. É um ser aculturado pela violência, pelo ódio, pelo desprezo. Então ele prefere essas palavras que, claro, isso não nos atinge. Até porque se tirar o Nordeste do Brasil o país perderia sua grande fábrica cultural. E um povo sem cultura não é povo. Então Bolsonaro não sabe o que diz. Infelizmente, fica soltando coisas absurdas a cada dia e ao mesmo tempo o país sendo destruído, perdendo soberania, perdendo patrimônio nacional, perdendo direitos humanos, abrindo tudo para o estrangeiro… e ele brinca de discriminar o próximo. Mas a resposta do Nordeste foi dada, está sendo dada e será dada numa proporção cada vez maior.

“É um ser aculturado pela violência, pelo ódio, pelo desprezo”

Você foi o responsável por tirar do poder a oligarquia Cunha Lima na Paraíba. No Rio Grande do Norte, a eleição da Fátima Bezerra em 2018 também encerra um ciclo oligárquico. Qual o impacto disso para esses estados e como você tem visto o que tem acontecido no RN ? Vejo com uma expectativa muito grande porque nós somos meio que uma capitania, né ? Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, o chamado Nordeste setentrional. Para você ter uma ideia, em 2010, o Produto Interno Bruto do Rio Grande do Norte era 11% acima do da Paraíba. Hoje o PIB da Paraíba está acima do RN 4 a 5%, ou seja, e o PIB não é um indicador tão fácil de ser modificado. Então isso quer dizer que coisas diferentes aconteceram nesses dois estados. E eu sinto que a governadora Fátima tem uma compreensão da missão dela. Eu estive em dezembro em Natal para participar de um evento na FIERN, debatendo com empresários e com a própria governadora eleita Fátima, e teve uma coisa que eu disse ela e era mais ou menos o seguinte: “Não queira agradar todo mundo. Agradar todo mundo é uma farsa porque a sociedade tem interesses diferentes. Mas seja fiel à sua caminhada. Construa mesmo tendo que pegar dois anos de desgaste, mas construa o caminho para que o Estado fique equilibrado e volte a investir, principalmente nas relações que atingem diretamente a população mais sofrida, mais pobre”. E tenho certeza que a história de Fátima corresponde a isso. Sei que está havendo diálogos importantes, sei que o governo saiu da paralisia e eu espero que, para o bem do Brasil e do Nordeste, o Rio Grande do Norte recupere os seus melhores momentos. Confira a entrevista completa na Agência Saiba Mais