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Por Rafael Duarte, da Agência Saiba Mais
O debate sobre Segurança Pública mais aguardado do I Congresso Nacional dos Policiais Antifascismo terminou em confusão generalizada entre o ex-candidato à presidência da República Ciro Gomes (PDT), a deputada federal Maria do Rosário (PT) e simpatizantes do ex-presidente Lula.
O evento foi realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Além de Ciro e de Maria do Rosário, a mesa principal contou ainda com a presença do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), do presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco Áureo Cisneiro, e do delegado e coordenador do movimento nacional dos policiais Antifascismo, Orlando Zacconi. O Congresso termina nesta terça-feira (28). A agência Saiba Mais está cobrindo o evento.
O auditório estava dividido entre jovens simpatizantes do PDT, PT e PSOL, além de estudantes da própria UFPE e policiais do movimento Antifascismo. Um telão foi instalado fora do auditório para os que não conseguiram entrar.
Foi o primeiro encontro público de representantes de centro-esquerda após as eleições de 2018. Era o momento de lamber as feridas da derrota eleitoral. Em fevereiro deste ano, Ciro já havia sido vaiado na Bienal da União Nacional dos Estudantes após criticar o ex-presidente Lula, mas em Recife a mesa era bastante representativa. Estavam ali representantes do PDT (Ciro Gomes), PT (Maria do Rosário) e PSOL (Marcelo Freixo). A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) foi convidada, mas não pôde comparecer. De surpresa, o metalúrgico e ex-candidato à presidência da República pelo PSTU, Zé Maria, também apareceu e fez uma saudação ao público que prestigiou o Congresso.
Chato da noite
Último a falar, Ciro Gomes avisou desde o início que faria provocações e não mentiu. Ele disse que seria o chato da noite e não falou nada que já não vinha dizendo desde que as eleições terminaram. Só quem não acompanha a trajetória e as estratégias eleitorais do ex-governador do Ceará não imaginaria o que iria acontecer durante o debate.
O quadro de tensão já começou a se desenhar nos discursos de Marcelo Freixo e Maria do Rosário, que defenderam a unidade do campo progressista na luta contra o fascismo. Era um recado claro ao debatedor que estava na ponta direita da mesa.
Ciro olhava, esboçava um sorriso e escutava.
Quando pegou o microfone, o líder do PDT fez elogios aos colegas, especialmente a Marcelo Freixo, a quem reconheceu como um dos melhores quadros da política nacional. Mas repetiu que estava ali para provocar o debate. A estratégia de Ciro Gomes é simples: de olho em 2022, ele avança sobre os votos do PT apostando no desgaste da inviabilidade eleitoral do ex-presidente Lula, preso há mais de um ano em Curitiba após a condenação em 2ª instância no polêmico processo do tríplex do Guarujá.
O pedetista iniciou o discurso lembrando que houve um salto na população carcerária durante os governos do PT, saindo de 250 mil para 750 mil. E fechou a análise destacando que a gestão petista não fez nada pela segurança pública do país.
"Vocês sabem o que mudou na Segurança Pública do país entre 2002 e 2016? Nada! E se mudou, foi para pior”, disse.
Sobre a “unidade” sugerida pelos debatedores que o antecederam, foi curto e grosso.
“Unidade para quê, cara-pálida? Para fazer o mesmo? Não conte comigo, não. Dessa unidade estou fora para sempre”, afirmou já subindo o tom e dividindo o público.
A primeira reação negativa mais incisiva sobre a fala de Gomes partiu da deputada Maria Rosário quando o representante do PDT disse que não via diferença entre os projetos de Segurança Pública dos governos Lula e Bolsonaro.
Com as queixas de Rosário, Ciro passou o microfone para a deputada que fez uma defesa do governo petista. Na réplica, disse que não falara mal do ex-presidente e passou a comentar a condição de preso condenado de Lula.
A cada menção ao nome do ex-presidente, Maria do Rosário interrompia e Ciro lhe passava o microfone em tom de deboche.
“Sabe por que eu falo? É porque o presidente Lula não está aqui para se defender”, retrucou a parlamentar do Rio Grande do Sul, aplaudida pelos petistas da plateia.
Feridas eleitorais
Àquela altura, o relógio chegava perto das 23h e o debate sobre Segurança Pública já havia descambado para as feridas eleitorais ainda não cicatrizadas de 2018 e as autocríticas que parte da esquerda cobra do PT.
Era uma autêntica lavagem de roupa suja com transmissão ao vivo pelo coletivo Mídia Ninja. As provocações de Ciro Gomes então incitaram a plateia, que passou a provocar o ex-presidenciável.
"Se juntasse seus votos e os do Haddad o Brasil não estava nessa situação”, gritou um estudante.
Ciro então passou a criticar a escolha de Haddad como candidato em substituição a Lula e incendiou o debate quando disse que para isolá-lo da disputa presidencial, o PT sacrificou a candidatura ao governo de Pernambuco de Marília Arraes, que liderava as pesquisas de intenção de voto (durante a pré-campanha eleitoral, o PDT vinha costurando uma aliança com o PSB, mas um acordo nos bastidores do PT com os socialistas, chancelado por Lula, garantiu apoio à candidatura de Haddad sacrificando várias candidaturas estaduais onde o PSB tinha chance de vencer a disputa).
Os ânimos se exaltaram e Ciro subiu o tom ainda mais quando Maria do Rosário disse que ele ainda estava magoado com o resultado eleitoral de 2018.
“Você está magoado e a mágoa não é boa conselheira”, afirmou para logo em seguida ouvir a resposta de Gomes: “Pode dizer que estou magoado. Satanize a o carteiro, mas agora leia a carta. O PT sacrificou Marília Arraes aqui em Pernambuco. Bolsonaro se elegeu por erro nosso! Não vou mudar discurso porque quem não vê a realidade é louco”, disse com parte do auditório já de pé.
O tempo fechou de vez quando um policial de Alagoas pediu para Ciro “parar de chorar” e voltar para o debate sobre Segurança Pública. O ex-candidato do PDT rebateu a provocação pedindo para o público esquecer a paixão por Lula e pensar com a cabeça.
“É a realidade. Unidade é o cacete, eu conheço vocês!”, gritou.
O ex-comandante da polícia militar de Alagoas, um coronel da reserva, entendeu a frase como um desrespeito à Maria do Rosário e os dois começaram bater boca.
Ciro Gomes ainda tentou explicar que cacete, no Ceará, era um pedaço de pau e perdeu completamente a razão quando passou a ofender o policial que, da plateia, falava com o dedo apontado para o líder do PDT.
"Coloque esse dedo no bolso, seu bosta! Coloque esse dedo no bolso, seu merda! Então venha aqui, agora!”, gritava Ciro Gomes, ao microfone, chamando o policial para a briga.
Já passava das 23h, a plateia estava de pé, um tumulto foi formado em frente à mesa dos debatedores e o mediador tentava controlar os ânimos. Da plateia, o antropólogo Luiz Eduardo Soares pediu a palavra como homem mais velho do evento e em tom pacificador explicou que o inimigo de todos ali é outro e, exaltando as trajetórias dos componentes da mesa, afirmou que aquele era um momento importante de exercício da democracia.
Quando tudo parecia levar para o encerramento do evento, a organização do Congresso decidiu voltar abrindo o debate para falas de cinco policiais do movimento antifascismo e as considerações finais dos palestrantes.
Com todos mais calmos, os policiais que se revezaram ao microfone destacaram a importância daquele momento para a construção do movimento e a necessidade dos partidos de esquerda se abrirem para as pautas de Segurança Pública e Direitos Humanos. A maioria se queixou da invisibilidade do movimento dentro do próprio campo de esquerda.
Nas considerações finais, Ciro Gomes, Maria do Rosário e Marcelo Freixo exaltaram a importância dos policiais antifascismo.
Principal provocador da noite, o representante do PDT disse que o papel dele era suscitar os debates.
"Não faço mais discurso de sobremesa, meu papel é suscitar debates. Não vim falar para corações, mas para mentes. Se isso fere alguém, isso é paixão. Quem me convidou sabe que eu vim para dizer o que eu penso, e não o que os outros querem ouvir”, disse.
Maria do Rosário lembrou o que é o fascismo e o desafio que o campo progressista tem pela frente:
"Se vocês são os movimentos antifascismo é bom lembrar que o fascismo é o da direita e quer a eliminação do outro. Diferente de nós”, comentou.
O deputado federal Marcelo Freixo admitiu que ficou em pânico quando o clima esquentou.
"Estou trabalhando muito para a unidade. E não é uma unidade eleitoral, mas de luta. Fiquei em pânico. Pensei comigo: 'não é possível que isso vai acabar assim'. Era uma mesa de risco desde o início. E não encarar (nossas divergências) não é dar trato a elas. Somos minoria, temos um problema social a tratar. Na maioria das polícias somos estranhos. O desafio do movimento dos policias antifascismo é construir uma alternativa”, encerrou.
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