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Por André Lobão*
O debate sobre financiamento eleitoral e a influência das chamadas Think Tanks, organizações que formulam políticas públicas e atores políticos, no processo político do Brasil começa a chamar atenção com o surgimento de novos fenômenos eleitorais e também pela “renovação” de quadros. O entre aspas se justifica pelo fato dessa renovação ter, como atores principais, representantes de famílias com histórico de atuação no campo político, ou seja, são integrantes de clãs oligárquicos da política brasileira.
Exemplos disso não faltam, como o filho do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, João Campos (PSB/PE), eleito deputado federal, em 2018; o filho do ex-senador Cássio Cunha Lima, Pedro Cunha Lima, também eleito para Câmara Federal pelo PSDB/PB; Priscila Krause, deputada estadual, eleita também em 2018, e filha do ex-governador de Pernambuco, Gustavo Krause, entre outros. Esses citados constam como “lideranças” formadas pela RAPS?—?Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, uma organização com seis anos de existência e que tem como um dos principais parceiros destacados a Fundação Lemann, de propriedade do empresário João Paulo Lemann, dono da Ambev.
A mesma RAPS tem em seu “casting” nomes de peso do campo da esquerda como o deputado federal Alessandro Molon (PSB/RJ); Monica da Bancada Ativista (PSOL/SP), deputada estadual; e lideranças não muito recentes como o senador Radolfe Rodrigues (Rede/AP) e o atual governador do estado do Espírito Santo, Renato Casagrande, este filiado ao PSB.
Da nova geração de políticos, formados pela RAPS, a novidade fica por conta de Tabata Amaral, eleita pelo PDT/SP à deputada federal com 264 mil votos. A jovem de 25 anos, que virou a queridinha da grande mídia após criticar o ex-ministro da Educação, Ricardo Velez Rodríguez, na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, demitido recentemente por Jair Bolsonaro, concluiu seus estudos em Harvard, onde se formou em Ciências Políticas e Astrofísica, tudo bancado pela Fundação Estudar.
Esses candidatos eleitos atuam nos campos políticos da direita, centro e esquerda, mas em comum carregam o DNA de organizações como a RAPS, que tem como parceiro destacado, por exemplo, o empresário João Paulo Lemann, um conhecido formador de lideranças neoliberais, e um dos articuladores empresariais da queda de Dilma Rousseff.
Convescote em Haward
Aliás, o empresário, através de suas fundações, a Fundação Lemann e Fundação Estudar, foi um dos principais patrocinadores do Brazil Conference 2019, com “Z” mesmo, evento anual sempre realizado no mês de abril, organizado pela comunidade brasileira de estudantes na região de Boston, desde 2015. O convescote é realizado na “Harvard Kennedy School”, e já foi chamado pela imprensa de “Davos Brasileira”, conforme texto de divulgação do evento.
Para termos uma ideia do interesse de Lemann no encontro, que além das suas fundações tem outras empresas de sua propriedade patrocinando o Brazil Conference, como a B2W (Lojas Americanas, Submarino e Shoptime) e Ambev.
O evento foi realizado entre os dias 5 e 7 de abril, o cardápio de conferencistas era bem variado e contou com a presença de figuras como o vice-presidente Hamilton Mourão, Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Dias Toffoli, Geraldo Alckmin, Gustavo Franco, Tabata Amaral, indo até o desconhecido e mais votado deputado federal pelo Rio de Janeiro, Hélio Fernando Barbosa Lopes (Bolsonaro), conhecido também como o “filho mudo” do presidente Bolsonaro, entre outros.
O polêmico MBL e os irmãos Koch
Em julho de 2017, o jornal inglês “The Guardian” publicava: “O Movimento do Brasil Livre começou a partir de uma ansiedade para criar uma linguagem simples e espalhar e transformar o liberalismo econômico e político em uma força política relevante no Brasil”, dizia Kim Kataguiri, um de seus destacados jovens líderes, que concorreu ao Congresso nas eleições de 2018, sendo eleito pelo Estado de São Paulo com 465.310 votos.
Na reportagem, Kim afirmava que alguns coordenadores do MBL receberam treinamento da “Students for Liberty”, uma rede que advoga o livre mercado e faz parte da “Atlas Network”, organização americana sem fins lucrativos que difunde esses ideais.
A “Students for Liberty” e a “Atlas Network” receberam financiamento de Charles Koch, que com seu irmão David controla a “Koch Industries”?—?a gigante de energia, combustíveis fósseis e petroquímicos dos EUA, sendo ambos bastante conhecidos por uma militância ultraconservadora naquele país, não reconhecendo os efeitos danosos das mudanças climáticas.
“Open Society” no Brasil
Com US$ 18 bi doados pelo megaespeculador húngaro, George Soros, a “Open Society Foundation” afirma carregar a bandeira da democracia e direitos humanos pelo mundo. A bolada é um dos maiores repasses de um doador privado a uma única instituição e foi responsável por transformar a “Open Society” na segunda maior organização filantrópica dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da Fundação do criador da Microsoft, Bill e Melinda Gates. A Fundação “Open Society” banca projetos em mais de 100 países e 37 escritórios regionais, sofrendo críticas por apoiar na maioria projetos ligados a movimentos sociais.
No Brasil, recentemente, a Open Society anunciou uma parceria com a Fundação Ford e Instituto Ibirapitanga, “que estão se unindo para criar uma iniciativa em homenagem a Marielle Franco, destinada a incentivar o protagonismo político de mulheres negras no Brasil”.
Com uma doação de US$ 3 mi ao Fundo Baobá, instituição dedicada à luta pela equidade racial no Brasil, a iniciativa se inspira no trabalho da vereadora de ampliar a voz de mulheres negras e o seu acesso a instâncias de poder no Brasil.
A falência dos partidos na formação política
O fato é que atualmente, de forma global, não só no Brasil, os partidos políticos perderam a capacidade de formar atores políticos e até formular políticas públicas. É óbvio que quando grandes grupos econômicos e empresários criam suas fundações têm por objetivos, mesmo que indiretamente, defender seus interesses. A frase “ninguém paga almoço à toa” representa bem isso no atual contexto.
A história recente no Brasil mostra bem isso a partir dos desdobramentos da Operação Lava Jato, apesar da sua seletividade, e questionamentos sobre seu envolvimento com interesses do capital internacional e manipulação política, que desbaratou o esquema das empreiteiras e com o chamado “caixa 2” na Petrobras para bancar partidos políticos da situação e até oposição como PT, MDB, PSDB, PP, entre outros.
Neste quadro, o surgimento de organizações financiadas por grandes conglomerados praticamente terceirizou a formação e praticamente congelou o surgimento de novos quadros no cenário político, pois mais oligarquias se formam e consolidam, como os casos das famílias Campos em Pernambuco e Picciani, Cabral e Bolsonaro no Rio de Janeiro.
Outro ponto importante deste debate passa pelo enfraquecimento da esquerda, que não consegue mais formar quadros políticos a partir de bases mais populares, perdendo, assim, espaço para congregações religiosas de cunho evangélico, que também acabam atuando na formação de uma emergente classe média baixa neoliberal que despreza as lutas sociais. Também no contexto do Rio de Janeiro não podemos ignorar o papel das milícias, já que elas elegem diversos candidatos e têm relações próximas até com a família do presidente da República.
Hoje, formação política progressista se restringe a poucos sindicatos que encontram grande dificuldade em promover renovação até nos seus quadros de diretivos.
Assim, o capital cria parcerias formais e informais fora das estruturas partidárias para depois ocupá-las junto com o Estado a partir de seus candidatos eleitos, seja qualquer o espectro de atuação política.
*André Lobão é jornalista*