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[caption id="attachment_172031" align="alignleft" width="200"] Protesto em apoio aos povos indígenas (APIB)[/caption]
Um retrocesso de mais de 40 anos que retoma a política integracionista indígena que levou à tragédia do extermínio em massa dos povos originais do Brasil e à impunidade de seus autores. É dessa forma que é vista a política indígena do governo Jair Bolsonaro (PSL) na nota técnica produzida pelo sub-procurador da República, Antonio Carlos Alpino Bigonha, que analisou aspectos jurídicos da Medida Provisória 870, do dia 1º de Janeiro de 2019, e a sua repercussão sobre os direitos dos povos indígenas.
Na peça, Bigonha realiza um levantamento histórico da política indigenista e revela que foram os próprios militares que criaram em 1967 a Fundação Nacional do Índio (Funai) em substituição ao antigo Serviço de Proteção Indígena (SPI) que, vinculado à pasta da Agricultura, promoveu o extermínio de povos indígenas com a impunidade dos autores, conforme descrito no chamado "Relatório Figueiredo", produzido à época por uma Comissão de Inquérito constituída pelo Ministro do Interior, repercutido em jornais de todo o mundo.
"Pelo exame do material infere-se que o Serviço de Proteção aos Índios foi antro de corrupção inominável durante muitos anos. O índio, razão de ser do SPI, tornou-se vítima de verdadeiros celerados, que lhe impuseram um regime de escravidão e lhe negaram um mínimo de condições de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. É espantoso que existe na estrutura administrativa do País repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos, em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça", diz o relatório citado pelo sub-procurador.
Para Bigonha, a MP de Bolsonaro "ao transferir a demarcação das terras indígenas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a supervisão da Funai para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos operou a repristinação da velha política integracionista do direito antigo e obrigou os índios e suas comunidades a um falso tratamento isonômico em relação aos demais atores da sociedade brasileira, tratamento este que desconsidera e viola, a um só tempo, suas peculiaridades culturais e seus direitos constitucionais".
A repercussão entre os representantes dos povos indígenas fez com que houvesse uma grande mobilização internacional já nos primeiros dias do governo Bolsonaro. Para Sonia Guajajara, candidata a vice-presidente na chapa de Guilherme Boulos (PSol) e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho pelos Direitos dos Povos Indígenas, não há no governo Bolsonaro uma política para seu povo.
"O governo Bolsonaro promove tudo que há de mais catastrófico, parece um pesadelo cada declaração que ele anuncia, hoje foi a afirmação que vai rever as demarcações de terras indígenas e entregar a Amazônia para os EUA, como se não bastasse a afirmação que não haverá nenhum centímetro de terra indígena. Não temos dúvida que é o governo que deixará sua marca pautada no genocídio de nossos povos."
Veja 10 medidas de Bolsonaro de desmonte da política indigenista no Brasil
1) Transferência da Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Em seu parecer técnico, o subprocurador da República afirma que a subordinação da Funai ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos "infirma a diversidade preconizada pelo Constituinte e faz letra morta a Norma Maior, pois parte do pressuposto de que os valores dessas comunidades compõem um mero subsistema da ordem social geral e não um sistema próprio, indígena, tal como previsto na Carta Política". Segundo ele, essa subordinação, já repelida pelo Superior Tribunal de Justiça, "parte do equívoco de considerar que o conceito de família indígena está contido no conceito de família em geral, que a cultura em geral contém a cultura indígena.
2) Entrega das pastas da Demarcação e licenciamento ambiental para o ruralistas (MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)
Segundo Bigonha, o MAPA voltou a ter a competência que ostentara desde os primórdios da República até o ano de 1967, quando esteve sob sua supervisão o SPI, incumbindo-lhe novamente, passados mais de 40 anos, as atividades de identificação, delimitação, demarcação e registro de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Para ele, ao retirar da Funai a competência para realizar os estudos para demarcação de terras indígenas, transferindo a matéria para o Ministério da Agricultura, Bolsonaro inviabilizou a promoção de uma política ambiental que respeite a convergência entre o usufruto exclusivo das terras indígenas e a preservação do meio ambiente nesses territórios, o que implica retrocesso repudiado pelo sistema da Constituição. ""A experiência extraída do assassinato indígena e da impunidade administrativa é um alerta contra o retrocesso ao período do horror e da barbárie", diz em sua nota técnica.
3) Extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC)
Em sua breve passagem pelo Ministério da Educação, Ricardo Vélez-Rodriguez colecionou entre seus desmontes a decretação do fim da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, criada em 2004 com o objetivo de fortalecer a atenção especial a grupos que historicamente são excluídos da escolarização. Responsável por ações de diversidade, como direitos humanos e relações étnico-raciais, a secretaria tinha importância fundamental na educação dos povos indígenas.
4) Extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional)
A extinção do Consea impactou principalmente os Povos indígenas e as comunidades tradicionais. Por muitos anos o conselho vem travando um processo de monitoramento e acompanhamento da situação de Insegurança Alimentar junto a essas populações específicas.
O fim do Conselho travou a execução do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que levantou os aspectos técnicos ligados a urgência da demarcação de Terras Indígenas, pois o acesso ao Território é fundamental para que a alimentação seja cada vez mais próxima da Cultura Indígena.
O plano mencionava, ainda, que uma das metas a serem alcançadas pelo Ministério da Justiça (MJ), na época através da Fundação Nacional do Índio (Funai), seria: “constituir 6 reservas indígenas para atender os casos de maior vulnerabilidade de povos indígenas confinados territorialmente ou desprovidos de terras”. Caberia a estes órgãos, delimitar 25 Terras Indígenas, apoiar a elaboração e revisar os 20 Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA’s) e a implementação de ações integradas em 40 Terras Indígenas.
5) Aumento dos conflitos territoriais devido ao discurso que afirma "não haverá um centímetro de terra demarcada"
O discurso de Bolsonaro contra a demarcação de terras indígenas causou reflexo imediato em grupos de posseiros e ruralistas, que passaram a ameaçar e invadir áreas em vias de demarcação ou já demarcadas. Pelo menos 14 comunidades homologadas foram invadidas ou ameaçadas até o início de fevereiro - com pouco mais de um mês de governo.
“As invasões vão piorar”, diz Adriano Karipuna, liderança que tem enfrentado ameaças de madeireiros dentro de seu território, ao Repórter Brasil. “Bolsonaro prega que índio não precisa de terra, que não trabalha, que é como animal num zoológico. Quem já tinha maldade para fazer isso está agora recebendo apoio”.
6) Negociação e entrega da Amazônia a interesses e corporações nacionais e internacionais
Em entrevista à Rádio Jovem Pan nesta segunda-feira (8), Bolsonaro prometeu rever demarcações indígenas. Além disso, denunciou o que chamou de “indústria das demarcações” e avisou que quer “explorar a região amazônica com os Estados Unidos”.
7) Facilitação de posse de arma e incentivando o uso no campo
O decreto que facilita a posse de arma e o incentivo à manutenção de armas em propriedades rurais afeta diretamente os povos indígenas, que são constantemente ameaçados ou sofrem invasão de suas terras por ruralistas.
8) Determinação de municipalizar a saúde indígena, acabando com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)
Após voltar momentaneamente atrás da decisão de extinguir a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ainda estuda o fim do serviço, que administra os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) que existem no país, e que cuidam do oferecimento de serviços de saúde a essa população.
A possível extinção da Sesai provocou protestos em São Paulo, Brasília, Manaus e Porto Velho. Criada em 2010, a secretaria respondia a uma antiga demanda do movimento indígena: a de que as ações relativas à saúde dessas populações fossem tratadas em âmbito federal. Desde o surgimento da Sesai, o volume de recursos destinados para a saúde indígena aumentou.
9) Exploração e empreendimentos que impactam diretamente as terras indígenas com consequências irreversíveis para o meio ambiente, a cultura e modo de vida dos povos indígenas
No segundo mês de governo, Bolsonaro anunciou que a construção da hidrelétrica no Rio Trombetas (Oriximiná- Pará) é parte do plano para integrar a região norte ao “aparato produtivo nacional”. A região ao longo do Rio Trombetas é uma área de floresta ainda muito preservada na Amazônia, onde estão localizadas quatro Terras Indígenas, oito Terras Quilombolas e cinco Unidades de Conservação.
O governo já anunciou que não deve deve levar em consideração as ressalvas das comunidades indígenas em projetos que, em sua ótica, são imprescindíveis ao País. A medida fere a Convenção nº. 169/OIT que dispõe, em seu artigo 6º, “1.a” e “2”, que governos deverão consultar os povos indígenas cada vez que forem previstas medidas administrativas ou legislativas suscetíveis de afetá-los diretamente, de boa-fé, mediante procedimentos apropriados, e através de suas próprias instituições representativas, o que constitui o direito à consulta prévia, livre e informada.
A Convenção prevê ainda que os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de decidir suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento e de controlar o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural.
10) Estabelecimento de novo marco legal
Através de medidas administrativas, jurídicas e legislativas que afrontam ou suprimem o direito originário dos povos indígenas, o direito de ocupação tradicional, de posse e usufruto exclusivo das nossas terras, territórios e bens naturais.
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