100 dias, 10 medidas e a destruição do desenvolvimento social do Brasil

Nos 100 dias do governo Jair Bolsonaro, Fórum lista 100 medidas que mostram o desmonte promovido no Estado brasileiro; confira os retrocessos no âmbito do desenvolvimento social

Bolsonaro e Paulo Guedes (Foto: Alan Santos/PR)
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Enquanto Jair Bolsonaro distrai a opinião pública com frases polêmicas, tuítes provocativos e chama a atenção por sua inabilidade política, o ministro ultraliberal da economia, Paulo Guedes, junto aos grandes empresários, mercado financeiro e lobbies que comandam os ministérios promovem, em apenas 100 dias de governo, um verdadeiro desmonte em políticas que afetam diretamente o desenvolvimento social brasileiro. O governo já começou demonstrando não estar mesmo disposto a dar muita atenção para a área. Como uma das primeiras medidas, o Ministério do Desenvolvimento Social foi extinto através de uma fusão com as pastas de Esporte e Cultura que deu origem ao Ministério da Cidadania. Desde janeiro, propostas que são aventadas pelo presidente e seus ministros, extinção de secretarias e mudanças em conselhos já projetam um futuro que, segundo especialistas, será de aumento das desigualdades sociais. "O governo Bolsonaro está destruindo todos os instrumentos para o desenvolvimento do país e redução das desigualdades. O Brasil é o nono pais mais desigual do mundo e, com essas medidas, estamos caminhando para liderar a lista", disse, à Fórum, o economista Eduardo Fagnani. Critico ferrenho da proposta da reforma da Previdência e estudioso da área de desenvolvimento social, Fagnani, pelo o que pode observar nos primeiros 100 dias do novo governo, tem uma visã pessimista. "O Brasil, com a Constituição de 1988, tentou criar mecanismos de proteção social inspirados na social democracia europeia e esses instrumentos estão sendo destruidos. Caminhamos para um modelo de proteção social semelhante a paises como México ou Colômbia". Confira, abaixo, dez medidas do governo Bolsonaro que podem representar retrocessos na área de desenvolvimento social. 1) "Redução" do Salário Mínimo e fim da valorização  Logo após sua posse, em 1º de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto estabelecendo o reajuste do Salário Mínimo para um valor menor que o pré-estabelecido. De R$ 954 passou a ser R$998, abaixo do valor aprovado pelo Congresso e que constava no orçamento da União, de R$1006. A primeira medida do governo já seria um prenúncio do que viria pela frente. Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu que o Salário Mínimo seja reajustado, anualmente, apenas de acordo com a inflação, o que significa, na prática, o fim da política de valorização real estabelecida pelo ex-presidente Lula em 2007. Se o novo modelo for aplicado, o poder de compra dos trabalhadores deve ser reduzido drasticamente. De acordo com o IBGE, cerca de 40% dos brasileiros vivem apenas com um Salário Mínimo. 2) Fim do ministério do Desenvolvimento Social Cumprindo uma promessa de campanha, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Social através de uma fusão com as pastas de Cultura e Esporte, criando o Ministério da Cidadania. A medida sinaliza que o capitão da reserva não considera nenhuma das áreas uma prioridade a ponto de terem tamanho e orçamento de ministério. O Ministério do Desenvolvimento Social, em específico, foi criado no primeiro mandato do ex-presidente Lula e, até 2015, tinha papel de protagonismo ao ser o motor de programas sociais bem sucedidos como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Em entrevista ao jornal Valor em dezembro do ano passado, o assessor de políticas e incidência da Oxfam Brasil, Gustavo Ferroni, demonstrou preocupação com a fusão dos ministérios e disse que isso pode levar a menos canais de diálogo entre o Estado e a população mais vulnerável como trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas.
3) Extinção das secretarias da Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário
Os agricultores familiares do Brasil, que representam boa parte da produtividade no ramo da agricultura, estão ameaçados com a extinção das secretarias da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. O temor é que o setor seja engolido pelos empresários do agronegócio que, através do lobby, comandam o Ministério da Agricultura que agora, cuida, inclusive, da demarcação de terras indígenas.
O governo Bolsonaro extinguiu, também, a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, outro mecanismo importante para as políticas de desenvolvimento social.
4) Extinção do Consea
Ainda no primeiro mês de governo, através da Medida Provisória (MP) Nº 870, o governo de Jair Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Criado em 1993, ainda no governo de Itamar Franco, o órgão se tornou a principal referência na elaboração de políticas de combate à fome no Brasil.
“A segurança alimentar e nutricional não é resolvida, não é garantida por uma política simplesmente. É preciso uma articulação de programas, de medidas, de diferentes setores do governo para que ela tenha um impacto suficiente sobre as condições de vida da população", disse, em entrevista à época da MP de Bolsonaro, a última presidente do Conselho, Elisabetta Recine.
5) Retirada da Caixa do conselho curador do FGTS
Através do decreto nº 9.737/19 baixado pelo governo Bolsonaro no final de março, a Caixa Econômica Federal foi retirada do Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o número de representantes de entidades sindicais dos trabalhadores e empregados no conselho foi reduzido pela metade. A mudança é interpretada por especialistas e sindicalistas como um risco à finalidade do fundo, criado para proteger os trabalhadores.
Com a redução da participação da Caixa a perspectiva é que FGTS passe a ser gerido por bancos privados, o que desvirtua a lógica de proteção do fundo.
"(A medida) indica, obviamente, a intenção do governo de, no futuro próximo, tirar da Caixa a gestão do FGTS, partilhando com os bancos privados que só querem esses recursos, que nós estamos falando em torno de R$ 540 bilhões, para atuar na especulação financeira e ganhar mais dinheiro", disse a coordenadora do Comitê Nacional de Defesa das Empresas Públicas, Rita Serrrano, em entrevista à TVT.
6) Novo Pacto Federativo: fim da vinculação de recursos da União 
Em março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em entrevista que prepara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) a ser enviada para o Senado com o intuito de acabar com a vinculação obrigatória do orçamento da União.
Chamada por ele de "PEC do Pacto Federativo", a ideia da medida é desvincular as receitas da União, estados e municípios e retirar as obrigações constitucionais de investimento mínimo em previdência, saúde e educação.
Atualmente, a Constituição Federal obriga os estados a investirem no mínimo 12% do orçamento na área da saúde, enquanto os municípios devem investir 15%. Em educação, os estados e municípios devem aplicar 25% do orçamento.  Já o governo federal, até 2017, era obrigado investir 17% na área.
Caso a proposta de Guedes seja aprovada, ficaria a cargo do Congresso Nacional decidir, a cada ano, qual a quantidade de recursos que seria destinada a cada área. Especialistas pontam que isso seria o fim da educação, da saúde e da previdência públicas.
7) Preconceito contra o Bolsa Família  Jair Bolsonaro sempre se colocou contra o Bolsa Família. Para ganhar a eleição, entretanto, esbarrando na popularidade do programa, prometeu que o manteria, e assim o fez. Logo no primeiro mês, no entanto, cortou centenas de milhares de beneficiários sob o argumento de que estaria combatendo fraudes. Recentemente, vem afirmando que vai, inclusive, instituir o 13º salário no programa, mas seu discurso demonstra que a medida pode não passar de mero populismo e que seus planos para o Bolsa Família não ser lá dos mais amigáveis. Há duas semanas, em mais uma demonstração de aversão ao programa de transferência de renda criado por Lula, disse que o governo fez uma "pesquisa" que apontou que 80% dos "filhos do Bolsa Família" têm capacidade intelectual menor que o restante da população.
8) Minha Casa Minha Vida em risco 
Com as obras de infraestrutura praticamente paradas em todo o país, o governo de Jair Bolsonaro pode agravar ainda mais a crise na construção civil, onde milhares de trabalhadores já foram demitidos. Caso não sejam efetuados os repasses atrasados, no total de R$ 450 milhões, para as construtoras que atuam no programa Minha Casa Minha Vida, os empresários do setor afirmam que vão demitir até 50 mil trabalhadores nos próximos dez dias.
Para a ex-presidenta Dilma Rousseff, o descaso do governo Bolsonaro pode acabar com o programa que, em pouco mais de uma década de existência, já beneficiou mais de 5,5 milhões de famílias. "O governo Bolsonaro põe em risco a própria existência do MCMV por descaso e falta de compromisso com as famílias brasileiras que mais precisam da casa própria para criar seus filhos e filhas em segurança. Não precisam de armas de fogo, mas da proteção de um lar", escreveu em nota publicada na semana passada.
9) Reforma da Previdência: fim do modelo de sociedade pactuado em 1988
O projeto de reforma da Previdência da equipe de Jair Bolsonaro que está em tramitação no Congresso Nacional, além de prejudicar os mais pobres, conforme apontado por inúmeros especialistas, põe fim ao modelo social pactuado com a Constituição de 1988 ao propor a migração do atual regime de previdência para o sistema de capitalização.
"O que está projetado é o fim da previdência pública, o INSS, que é um sistema baseado na solidariedade, e a introdução de um regime baseado em um contrato individual", afirmou à Fórum o economista Eduardo Fagnani.
As expectativas apontadas por especialistas é que, com o regime de capitalização, a maioria dos trabalhadores pobres sequer conseguirão se aposentar.
10) Carteira de trabalho verde e amarela: menos direitos ainda 
As perspectivas para o desenvolvimento social no Brasil já são baixas se levadas em consideração a reforma trabalhista de Temer, que aumentou a informalidade e deixou os trabalhadores mais vulneráveis, e a reforma da Previdência de Bolsonaro, que pode ser aprovada no Congresso ainda no primeiro semestre. Para além das duas medidas, no entanto, o atual governo tem ainda outro projeto que, se implantado, deve aumentar a retirada de direitos. Desta vez, porém, chancelada pelo registro em carteira.
Trata-se da ideia, prometida em campanha, da carteira de trabalho verde e amarela. Pouco explicada mas ainda defendida pelo ministro Paulo Guedes, a carteira de trabalho com as cores do brasil contemplaria novas regras para regimes de trabalho mais "flexibilizados" e já introduziria jovens no primeiro emprego ao regime de capitalização contido na reforma da Previdência. Em resumo, seria mais um incentivo ao trabalho informal.