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Por Clemente Ganz Lúcio* e Clóvis Scherer**
Para defender a reforma da Previdência, três argumentos têm sido muito utilizados: o déficit é insustentável e precisa ser corrigido pelo corte de despesas; serão abolidos privilégios que beneficiam os mais ricos; não há justificativa para ausência de idade mínima para a aposentadoria. Esses três pressupostos precisam ser analisados de forma crítica.
Quando se considera o conjunto de fontes de custeio da Seguridade Social, que junta o Regime Geral de Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde, a arrecadação superou as despesas até 2015 - dados da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal). A partir de então, a adoção de uma estratégia recessiva e de austeridade fiscal aprofundou e prolongou a crise econômica, agravando o desemprego, a queda da massa salarial e do faturamento e as consequentes perdas de arrecadação. Como as despesas respondem por fatores mais estruturais, o desequilíbrio se estabeleceu. Por isso, a questão primordial para reequilibrar a Seguridade Social é uma economia que cresça e gere emprego e renda.
Os defensores da reforma, dialogando com o legítimo anseio da sociedade por igualdade, enfatizam o dever do combate aos privilégios e miram principalmente os servidores públicos. Acontece que, desde 2003, as regras previdenciárias do setor público são praticamente iguais às do privado. O foco nos privilégios pode desviar a atenção das medidas que afetarão a massa de trabalhadores e vão gerar o resultado fiscal pretendido pelo governo. Entre elas, estão elevação da idade de aposentadoria e do tempo de contribuição, redução do valor de aposentadorias e pensões, desvinculação entre o piso de benefícios e o salário mínimo. Somam-se a isso regras de transição aplicáveis a uma parcela muito pequena dos atuais segurados, frustrando a maioria, que contribui para a previdência com a expectativa de se aposentar nas normas em vigor.
A injustiça da reforma é impor aos trabalhadores e à classe média sacrifícios, a fim de equilibrar as contas públicas, sem exigir a cota de contribuição dos 10% e do 1% mais ricos. É por isso que deve haver uma análise dos impactos sociais da reforma e que ela deve vir acompanhada de uma tributação progressiva da renda e da riqueza.
A idade mínima para a aposentadoria já existe para a maioria do setor privado e dos servidores públicos. Entre os contemplados pela aposentadoria por tempo de serviço, que não exige idade mínima, estão muitos trabalhadores que realizam atividades penosas e cedo perdem a capacidade de trabalhar. Eles seriam prejudicados com a imposição de idade para a aposentadoria. Uma alternativa seria combinar idade e tempo de contribuição, como é feito na fórmula 85/95.
Para as mulheres, que ainda são as principais responsáveis pelos cuidados de familiares e da casa, a idade mínima pode significar desproteção, já que, em faixas etárias mais elevadas, as dificuldades para encontrar ocupação são maiores. Por isso, a regra de idade deve ser avaliada considerando a diversidade de situações.
No emaranhado de regras previdenciárias em discussão, os argumentos para a reforma devem ser examinados com cuidado para não comprometer a capacidade de a Previdência cumprir os objetivos de proteção universal definidos na Constituição e esperados pela sociedade.
*Clemente Ganz Lúcio é diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)
** Clóvis Scherer é economista do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)