Investigado por acusado de matar Marielle após desavença com Flávio Bolsonaro, professor vai deixar o Rio

"Estou saindo do estado, tomando algumas providências junto à Polícia Civil, porque a situação inspira alguns cuidados, exatamente porque estou numa área totalmente de milícia. Eu dirijo numa área de milícia", disse Pedro, que foi pré-candidato a deputado estadual pelo PSol, à Fórum, com o pedido de não ter seu endereço divulgado

Pedro Mara (Reprodução/Facebook)
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Professor de sociologia, doutorando na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e diretor do CIEP 210, escola localizada na periferia de Belford Roxo, na região metropolitana da capital fluminense, Pedro Mara está neste sábado (16) arrumando as malas e se preparando para deixar o que mais ama: a sala de aula. A decisão de deixar o Rio de Janeiro por um tempo foi tomada após Pedro ter conhecimento de que seu nome consta no relatório de investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro por ter tido sua vida pesquisada e monitorada pelo sargento reformado da PM, Ronnie Lessa, preso sob acusação de ter efetuado os disparos que mataram a vereadora Marielle Franco (PSol) e o motorista Anderson Gomes. "Eu amo o que eu faço. Amo estar em sala de aula e hoje estou afastado por uma questão de segurança. Estou saindo do estado, tomando algumas providências junto à Polícia Civil, porque a situação inspira alguns cuidados, exatamente porque estou numa área totalmente de milícia. Eu dirijo numa área de milícia", disse Pedro, que foi pré-candidato a deputado estadual pelo PSol, à Fórum, com o pedido de não ter seu endereço divulgado. Esta é a segunda vez que o professor deixa o Estado. A primeira ocorreu em julho de 2017, quando foi perseguido pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), que havia pedido investigação na Secretaria de Educação e no Ministério Público para expulsar Pedro da direção do Ciep por suposta apologia à maconha. Foi justamente nessa época que Ronnie Lessa investigou sua vida - e que consta no relatório anexo à investigação sobre a morte de Marielle. "Sempre foi uma grande viagem do hoje senador. Nós derrotamos a família Bolsonaro. Foi um momento muito difícil da minha vida, pois recebi diversas ameaças de bolsominions. O senador não só mentiu, como colocou minha vida em risco", conta Pedro, que teve, à época, informações pessoais divulgadas entre a "horda de fanáticos" que seguem o clã Bolsonaro nas redes sociais. As duas investigações - tanto da secretaria, quanto do MP - foram arquivadas, segundo Pedro, por falta de consistência. Leia também: Acusado de matar Marielle pesquisou sobre desafeto de Flávio Bolsonaro "É lógico que fazer apologia às drogas é crime e eu tenho concordância com isso. Mas nossa linha sempre foi de argumentação de que: falar sobre qualquer assunto não é apologia. Eu sempre evitei tratar do assunto de maconha dentro da sala de aula. Sempre que algum aluno pergunta, eu dou minha opinião, e já saio pela tangente. Sempre evito falar sobre isso, pois sei que estou lidando com adolescentes, mas não posso deixar de falar de um modelo de segurança que é falido, de uma discussão que nunca aconteceu", afirma. Escola sem partido Pedro diz ter conhecido Flávio Bolsonaro em maio de 2017 durante uma audiência pública na Câmara de Niterói para discutir o projeto Escola sem Partido. Lá, Pedro, que é militante do Fórum dos Diretores de Escola Pública do Rio de Janeiro, se colocou contra o projeto e, fazendo uso da palavra, criticou o clã Bolsonaro. "Disse que a família Bolsonaro não teria o direito de falar em escola pública, pois acredito que nenhum deles já estudou em escola pública", conta. Alguns meses depois, como demonstra até os tempos atuais, as palavras de Pedro não foram esquecidas pelo filho de Jair Bolsonaro. "Em julho de 2017 recebi ligação dizendo que o Flávio Bolsonaro ia representar contra minha gestão na escola, pois estava dizendo que eu fazia apologia à maconha". Na última quarta-feira (13), quando deixava a escola em Belford Roxo foi avisado de que seu nome constava na investigação sobre o acusado de matar Marielle. "Recebi a notícia com total surpresa. Nunca incomodei a milícia. Fiquei surpreso, triste, em saber que um profissional do crime investigou minha vida, minha rotina". No início da semana, Pedro conta que havia presenciado, próximo à escola, um assassinato cometido por milicianos. "Tivemos que fechar a escola mais cedo, pois chegou a informação que o Comando Vermelho viria fazer a repressão". A decisão de deixar a sala de aula na região dominada por milicianos fez com que o medo voltasse a superar seu amor pela educação. "Eu tenho medo, principalmente depois que a notícia esfriar. Medo do que pode acontecer em Belford Roxo, que é uma área muito perigosa", diz ele, sobre uma possível retaliação quando seu nome não estiver mais no noticiário. Como sociólogo, ao analisar a situação atual do país com os mesmos olhos de quem transita em meio ao horror levado pelos gurpos paramilitares ao subúrbio do Rio, uma coisa fica "muito evidente". "Hoje temos um país onde a democracia está ameaçada, que leva candidatos a deixarem o país por segurança e pode me levanr a deixar a escola. É preciso explicar essas relações. Como, por exemplo, o Escritório do crime tinha funcionário no gabinete do senador Flávio Bolsonaro? Porque a recusa em explicar? A gente olha para o cenário atual e vê o crescimento das milícias - elas estão perdendo a vergonha de ser quem são - e o envolvimento cada vez mais direto da família do presidente com tudo isso. Isso causa pra gente um certo horror". Nossa sucursal em Brasília já está em ação. A Fórum é o primeiro veículo a contratar jornalistas a partir de financiamento coletivo. E para continuar o trabalho precisamos do seu apoio. Saiba mais.