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O novo presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Marco Vinícius Pereira de Carvalho, alegou, em audiência com familiares, na última segunda-feira, que é possível que haja redução de 90% dos custos da análise com a transferência do material e dos trabalhos para o Instituto de DNA da Polícia Civil do Distrito Federal.
O que Carvalho propõe em nome da União é que as ossadas migrem do CAAF, em São Paulo, para o Instituto de Pesquisas de DNA Forense da Polícia Civil, em Brasília, e que a análise genética seja feita ali mesmo, e não mais no ICMP.
De acordo com familiares, a transferência iria provocar novos atrasos na identificação dos restos mortais, além de perda de tempo com trocas na equipe, treinamento de pessoal, remoção de material ou adoção de novos protocolos.
A pró-reitora de extensão e cultura da Unifesp, Raiane Assunção, se disse chocada por ter recebido aquela proposta de Brasília por e-mail somente no último dia útil anterior à audiência — a quinta-feira 14, véspera de feriado — junto com um pedido de assinatura, sem qualquer abertura anterior para participar da elaboração. Raiane lembrou que a Unifesp está envolvida há cinco anos no trabalho com as ossadas e aportou recursos próprios. "Não é o caso de simplesmente vir e substituir, como se não houvesse um vínculo, uma parceria, um histórico de construção conjunta", disse.
Bolsonarista reclama dos custos
Filiado ao PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro até a última terça-feira, Carvalho assumiu a presidência da CEMDP em 1º de agosto e, no dia seguinte, deu entrevista ao jornal Gazeta do Povo reclamando justamente do valor gasto até o momento em análises de DNA, primeiro na Bósnia e mais recentemente na Holanda.
Segundo ele, o montante já ultrapassou US$ 522 mil desde 2016, e deve bater US$ 700 mil somando-se as despesas previstas para o próximo ano. Carvalho considera esse um gasto desnecessário quando há, aqui mesmo no Brasil, uma instituição apta a fazer a mesma coisa, dentro da estrutura da Polícia Civil. "É um prédio novo, totalmente equipado, com segurança 24 horas e capacidade para dar continuidade aos trabalhos sem ônus para a União", corroborou Samuel Ferreira, coordenador científico da CEMDP e diretor do Instituto de DNA Forense. "Nossos cálculos apontam para uma economia de até 90% com essa migração".
Damares quer assunto esquecido
Em maio, a ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao qual a CEMDP é vinculada, já havia se manifestado contra o que considera uma insistência da Comissão em investigar as ossadas de Perus. "Queremos otimizar essa Comissão de Mortos e Desaparecidos para que ela busque desaparecidos, mas desaparecidos de hoje", afirmou. Em outubro, a ministra voltou a se manifestar sobre o trabalho de análise das ossadas em audiência na Câmara dos Deputados, quando afirmou não haver recursos disponíveis para bancar os trabalhos.
Proposta inaceitável
Rogério Sottili, hoje diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, considera a proposta inaceitável. "Ela não me surpreende, porque tem tudo a ver com um governo que não tem qualquer compromisso com a memória e a verdade e com justiça de transição", diz. "Em 2014, chegamos a visitar as instalações da Polícia Civil de São Paulo utilizadas para análises desse tipo, mas a proposta de direcionar os trabalhos para a polícia foi rechaçada pelos familiares. Foi a partir daí que partimos para a construção de uma alternativa que fosse insuspeita, e que culminou na fundação do CAAF na Unifesp". Sottili diz que não cabe nenhuma transferência para lugar algum sem o aval dos familiares. "Seja ou não desaparecido político, você não pode transferir restos mortais para um equipamento da polícia em outro Estado, onde você não vai conseguir sequer acompanhar os trabalhos, sem anuência dos familiares", afirma.
Ao final da audiência, o juiz Eurico Zecchin Maiolino determinou que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos deverá entregar até o dia 2 de dezembro um estudo detalhado com os valores a serem economizados e que, segundo a tese defendida na última audiência, compensariam as mudanças propostas. Uma nova audiência de conciliação ficou agendada para 9 de dezembro a fim de discutir tais números e firmar o novo acordo que deverá orientar o trabalho nas ossadas no próximo ano. Em nota publicada na terça-feira, o CAAF afirmou não ter garantia da viabilidade e da necessidade dessa mudança. "O CAAF manifesta seu temor quanto a possíveis prejuízos no andamento dos trabalhos", diz o texto. "Nos últimos cinco anos, o GTP acumulou saberes, protocolos, expertise forense, produziu dados e informações, criou institucionalidades, formando profissionais na área de antropologia forense e direitos humanos", anotou, referindo-se ao Grupo de Trabalho Perus, responsável pelos trabalhos de identificação.
Leia mais detalhes no texto de Camilo Vannuchi no UOL