Clara Ant: Bolsonaro "é o símbolo da degradação das relações humanas e do desrespeito"

Filha de judeus poloneses, Clara diz que há uma mobilização crescente das mulheres no mundo contra pessoas que, como Bolsonaro, colocam em risco "a democracia e os direitos humanos de todos"

(Reprodução/Facebook)
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Na foto que ilustra seu perfil no Whatsapp - em que aparece ao lado do ex-presidente Lula, ambos ainda de cabelos negros, em meados dos anos 80 -, Clara Levin Ant, 70 anos, revela a importância que dá ao passado. Filha de judeus poloneses que chegaram à Bolívia no fim da Segunda Guerra, a arquiteta, que se mudou com a família aos 10 anos para a rua José Paulino, em São Paulo, diz que o movimento #EleNão reflete um "cansaço, de nós mulheres, com o machismo" e que vê no candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, "um símbolo da degradação das relações humanas e do desrespeito entre as pessoas". [caption id="attachment_141117" align="aligncenter" width="800"] Clara e Lula, nos anos 80, na foto de perfil do whatsapp. (Reprodução)[/caption] Entretanto, Clara, que ocupou uma sala a 50 metros do gabinete presidencial nos anos em que Lula esteve no Palácio do Planalto - e atualmente é conselheira do Instituto Lula -, olha para o futuro com a esperança que sempre nutriu ao lado do ex-presidente. Um futuro mais democrático, com mais igualdade de gênero. Mais feminista. Para que isto aconteça, Clara diz que há uma mobilização crescente das mulheres no mundo contra pessoas que, como Bolsonaro, colocam em risco "a democracia e os direitos humanos de todos". E é com a coragem de quem coleciona alegrias e também muitas feridas - ainda doloridas, como a escalada fascista tanto no passado como nos dias atuais -, que Clara aposta que Haddad é o único capaz de pacificar o País. "É uma missão difícil e delicada. E de uma coisa tenho certeza: se o Haddad não conseguir, nenhum dos outros candidatos conseguirá". Leia abaixo a entrevista exclusiva de Clara Ant à Fórum: Fórum - Como você vê o movimento #EleNão, que está agregando a força feminina contra a candidatura de Jair Bolsonaro? Clara Ant: Esse movimento reflete um cansaço de nós, mulheres, com o machismo e vê no comportamento e nas ideias desse candidato uma espécie de símbolo da degradação das relações humanas e do desrespeito entre as pessoas. Nós, mulheres, estamos ampliando a nossa mobilização e organização em defesa da democracia, da igualdade de gênero e de nossas bandeiras em geral. Um movimento que vem crescendo em muitos países e que aqui não poderia ficar indiferente à ameaça que significa nosso país ter alguém com esse perfil no cargo mais importante da nação. Claro que os homens também poderiam ou deveriam organizar um movimento como esse. Afinal essa pessoa coloca em perigo a democracia e os direitos humanos de todos. Mas é natural que as mulheres sejam mais sensíveis às atitudes e às ofensas dirigidas a elas sempre buscando nos humilhar e tratar todas como pessoas de segunda categoria. Fórum - Como filha de judeus poloneses, sobreviventes da II Guerra Mundial, qual a sua visão sobre a escalada do conservadorismo e até mesmo de comportamentos fascistas no Brasil? Clara Ant: Esse tema é muito dolorido para mim. Na primeira infância não conheci contos de fadas e tenho gravados na memória alguns relatos da vida dos meus pais que vejo reproduzidos em filmes e documentários sobre a Segunda Guerra Mundial. O incêndio de sinagogas com pessoas vivas dentro, tal qual o cenário da morte dos meus avós paternos é uma dessas cenas. A outra é a retirada de dezenas de pessoas de dentro de suas casas, homens enfileirados cavando uma vala comum para em seguida serem fuzilados e soterrados nessa mesma vala, tal qual minha mãe assistiu com 14 anos de idade. Diante de qualquer ameaça de fascismo entre nós, me obrigo a lembrar que o nazismo não começou nessas cenas trágicas. Ele começou na maciota, com bandeiras aparentemente boas e popularmente aceitas, com apoio de uma parcela importante do povo, dos empresários. Mas, simultaneamente, o nazismo fez da demonização dos judeus, comunistas, sindicalistas, ciganos, negros e pessoas com deficiência um fio condutor da preparação da barbárie. Fórum - Acredita que Haddad, se eleito, possa pacificar esse movimento conservador no Brasil? Clara Ant: É uma missão difícil e delicada. E de uma coisa tenho certeza: se o Haddad não conseguir, nenhum dos outros candidatos conseguirá. A democracia é parte integrante do DNA do PT, tanto na dinâmica interna como na luta pela democratização das instituições. A imagem que nossos adversários pretendem criar do Lula e do PT como extremos, como causadores do caos e promotores de transtornos na economia e na sociedade, não coaduna com a realidade dos governos liderados pelo PT. É nítida a intenção de demonizar o PT, mas é só observar os fatos e a conclusão é óbvia, até nas pesquisas: o PT comparado com todos os outros partidos, é o que tem a maior preferência. Todos os outros partidos somados não alcançam a preferência do PT. Durante os governos do PT, o Brasil e os brasileiros viveram seus melhores momentos com destaque para a qualidade de vida das camadas mais pobres e a plenitude democrática. E vale a pena registrar que, foi nesses anos – de 2003 a 2012 – que um dos mais importantes gargalos do país – a educação – começou a ser superado. Praticamente todos os ministros e ministras dos governos do PT tiveram importantes contribuições, mas Haddad recebeu a missão mais carregada de futuro, mais marcante para as futuras gerações. E realizou. Fórum - Como mulher, o que acredita ser a principal medida a ser tomada por Haddad na Presidência, caso ele seja eleito? Clara Ant: O programa de governo de Lula/Haddad já anunciou as prioridades que eu acredito podem ser sintetizadas em alguns blocos, todos de igual importância: recriar o Ministério das Mulheres, retomar o combate à violência, garantir a titularidade da mulher e avançar rumo à isonomia salarial entre mulheres e homens. 1º) Recriar o Ministério das Mulheres, ponto de apoio para que o governo como um todo leve em conta e atenda as reivindicações das mulheres nas diferentes áreas. Assim, a transversalidade permitirá ao conjunto do governo ter referências iguais e dar a mesma importância aos interesses da mulher em todos os ministérios. 2º) Retomar fortemente o combate à violência contra as mulheres em todos os seus aspectos com equipamentos que garantam os mecanismos de denúncia das agressões e o acolhimento das mulheres ameaçadas. Combater com intransigência a cultura do estupro e o feminicídio. 3º) Garantir que a mãe seja titular do cartão Bolsa Família, de sua própria casa, de sua propriedade agrícola. 4º) implementar mecanismos que estimulem a isonomia salarial tanto nas instituições públicas como nas privadas.