Anti-intelectualismo explica declarações de Bolsonaro, diz historiador

Uma mistura explosiva de anti-intelectualismo, crise econômica e desigualdade ocorrida nos últimos 10 anos ajuda a explicar a ascensão de políticos como Marine le Pen, Rodrigo Duterte, Donald Trump e de Jair Bolsonaro, seu congênere brasileiro

Foto: Fabio Rodrigues/ Agencia Brasil
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Na segunda-feira (30), o deputado federal e presidenciável do PSL Jair Bolsonaro foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura. Na última das sabatinas com os candidatos ao Planalto, Bolsonaro desfilou obviedades, sandices, sensos comuns e preconceitos. Na mais grave dessas frases, Bolsonaro negou a existência de uma ditadura no Brasil nos anos 1960 e 1970. Uma mistura explosiva de anti-intelectualismo, crise econômica e desigualdade ocorrida nos últimos 10 anos ajuda a explicar a ascensão de políticos como a francesa Marine le Pen, do filipino Rodrigo Duterte, do norte-americano Donald Trump e de Jair Bolsonaro, seu congênere brasileiro. Para entender esse fenômeno e buscar alternativas para enfrentar tantas mentiras e desinformação, a #fórumweek conversou com um ex-combatente da ditadura e com um pesquisador sobre o tema. Fernando Horta, pesquisador da UnB e associado da Denver University, diz que políticos como Jair Bolsonaro são um fenômeno global, surgidos após a quebradeira das seguradoras norte-americanas na crise do subprime de 2008: “Quando o Lehmann Brothers quebrou e derrubou o setor imobiliário norte-americano como pedras de dominó, 25% do PIB mundial simplesmente evaporou. Muita gente na esquerda falava em fim do capitalismo e o recrudescimento desse discurso anti-intelectual foi uma reação a esse movimento de questionamento do capitalismo”. Horta traça um paralelo entre o momento atual e os anos 1950. Na ocasião, assustados com a ascensão tecnológica soviética, muitos políticos da direita norte-americana usaram a Guerra Fria para desqualificar intelectuais e o pensamento qualificado. O maior expoente desses políticos foi o senador norte-americano Joseph McCarthy. O sobrenome do político virou sinônimo de perseguição a esquerdistas e intelectuais progressistas nas terras do Tio Sam. “Em 40 anos, a URSS saiu de um estado feudal para se tornar o primeiro país capaz de levar um satélite artificial ao espaço. Uma das maneiras de barrar a adesão das pessoas ao comunismo era desqualificar o conhecimento e os intelectuais. À época dizia-se que quem tinha doutorado era mais propenso a ser ‘seduzido’ pelas ideias socialistas”, explica Horta. De acordo com o pesquisador da UnB, os dias atuais possuem outro agravante em relação aos anos 1950, no que se refere à crítica ao intelectualismo e aos ideais de esquerda. “Antes, para obter conhecimento, uma pessoa precisava abrir um livro, estudar e amadurecer essas ideias. Isso levava tempo. Hoje, com a tecnologia abundante, uma rápida pesquisa no Google e qualquer pessoa obtém a definição sobre um termo em questão de décimos de segundo.” Portanto, há um nivelamento, onde estudos aprofundados tem o mesmo valor de face de notícias e informações. O volume de informações dá a impressão de que somos mais inteligentes, quando estamos simplesmente mais informados. De acordo com Horta, “quem é medianamente informado é mais suscetível a ser enganado por boatos do que uma pessoa ignorante sobre um tema”. Tal fenômeno é explicado por um efeito psicológico batizado de Dunning-Krugger. David Dunning, psicólogo da Universidade de Cornell, e Justin Krugger, da Universidade de Nova York, resolveram estudar quais os empecilhos para que uma pessoa reconheça que é ignorante sobre um tema. No estudo, a dupla aplicava um teste sobre algum tema e pedia que os voluntários avaliassem seu desempenho. Quanto menor o conhecimento de uma pessoa sobre um tema, maior a diferença entre a nota obtida por ela e a nota que ela supunha ter obtido. Segundo o historiador da UnB, há outro fator, desta vez doméstico, para explicar a desqualificação do conhecimento produzido pelas ciências humanas. Num esforço para desqualificar os opositores, a ditadura militar brasileira se esforçou para esvaziar as pós-graduações de História e Sociologia no período 1964-1985. “Como resultado, 30 anos depois, temos pseudo-historiadores vendendo livros para falsear os acontecimentos daquele período. E como esses livros vendem, as pessoas tendem a ver esses escritores como competentes - afinal, no capitalismo, competência se confunde com sucesso monetário”, analisa Horta. Para Horta, o cenário de destruição do Ministério da Educação e do Ministério de Ciência e Tecnologia promovido pelo governo Michel Temer isola os intelectuais brasileiros assim como McCarthy havia isolado os progressistas norte-americanos 70 anos atrás. É nesse cenário que ele percebe a ascensão da figura de Jair Bolsonaro. “É preciso depreciar o conhecimento pois o fascismo só prospera baseado numa visão mágica de mundo. É assim que Bolsonaro pode falsear a História e dizer que não houve ditadura militar no Brasil”. Para o historiador, quando um político assume posições desse naipe, não pode mais voltar atrás - Bolsonaro está preso aos 15% dos eleitores que o apoiam e caso queira mudar de ideia e rever algumas de suas posições, ele será descartado por esses mesmos que hoje o tratam como “mito”, finaliza Horta. Sobrevivi para contar “Fui  militante de um movimento revolucionário em 1969 e estava clandestino em Salvador. Fui delatado e acabei preso pela ditadura. Levado ao quartel do Barbalho, na capital baiana, mergulharam minha cabeça no poço de água, me colocaram no pau de arara e levei incontáveis choques elétricos. Quem passa pelo que passei terminava morto. Sobrevivi para contar.” É com essa descrição crua que o jornalista e ex-parlamentar baiano Emiliano José Silva Filho, 72 anos, descreve sua relação com a ditadura militar. “Não tenho postura de vítima. Apenas faço questão de contar o que vivi”, acrescenta Emiliano. Hoje professor de jornalismo na UFBA, ele diz que se existiu terrorismo, foi o de Estado. “Nem a própria ditadura negou o regime. ‘É preciso matar mais’, disse o general Ernesto Geisel, ao assumir o poder”, relembra o ex-militante de esquerda. “Bolsonaro e aqueles que dizem que a ditadura não existiu tentam ignorar um regime que prendeu, torturou, matou e esquartejou seus inimigos”, resume o ex-deputado federal pelo PT. Outro argumento levantado por Emiliano para rebater Bolsonaro é a recente condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela morte do jornalista Valdimir Herzog após ser torturado no DOI-CODI em 25 de outubro de 1975. “O Brasil tem uma história violenta. Massacram-se as classes populares até hoje. Mais efetivo do que enfrentar a figura de Jair Bolsonaro, é enfrentar o pensamento violento que permeia a cabeça de boa parte da elite brasileira”, diz ele. “Um pensamento contraditório, pois nega a ditadura de 1964 e, ao mesmo tempo, pede a volta dela”, acrescenta o professor da UFBA. De acordo com Emiliano, Bolsonaro só se sente à vontade para dizer as frases que diz “porque vivemos num estado de exceção desde o impeachment de Dilma Rousseff”. Para o docente de jornalismo da universidade baiana, a direita ainda não achou seu candidato: “A direita brasileira ainda procura alguém mais palatável, Bolsonaro é sabidamente tosco e funciona como estepe enquanto esse candidato não se consolida”. Emiliano diz que há somente duas armas para lutar contra quem pretende falsear a História: “Investimento sério em educação, passando pela formação de professores e diálogo com mais segmentos da juventude (faixa etária onde está o cerne do eleitorado de Bolsonaro). Parafraseando Gramsci, só venceremos o combate com as armas da verdade”, diz o professor.

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