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Rafael Moreira*
As aspas neste título não são por acaso. Afinal, nada mais velho na política brasileira como se auto intitular sendo algo novo quando não se é. Apesar disso, o partido Novo, fundado em 2015, parece ter conseguido certa penetração eleitoral naquela parcela do eleitorado que se auto-localiza mais à direita do espectro político-ideológico, sobretudo nos extratos de mais alta renda da região Centro-Sul Essa penetração nessa camada da população não é por acaso, e se expressa nos posicionamentos de seu candidato à Presidência da República nessas eleições, o banqueiro João Amoêdo.
Dono do maior patrimônio declarado entre todos os presidenciáveis, Amoêdo declara em seu site pessoal ser “bancário”, e não “banqueiro”, mas obviamente há uma grande diferença patrimonial entre um Executivo que fez parte do conselho de Administração do Itaú-BBA e uma pessoa que passou sua vida atrás do balcão de um caixa. O fato de ser proprietário de uma empresa off-shore nas Bahamas, exposta por meio do “Bahamas Leaks”, talvez seja a maior evidência nesse sentido[1]. Colocando-se de maneira aberta como um “liberal na economia” e um “conservador nos costumes”[2], uma roupagem que outros candidatos desse mesmo campo tentaram construir para si (Flávio Rocha, que quase se tornou um candidato à Presidente nas eleições deste ano, talvez seja o exemplo mais claro[3]), Amoêdo e seu partido investem num pesado trabalho de marketing desde a fundação do partido, apostando também na curta memória de uma parcela do eleitorado. Afinal, não custa nada lembrar que nas últimas eleições também tivemos um candidato à Presidência que se auto-posicionava da mesma maneira, o Pastor Everaldo (PSC)[4], mas que com uma roupagem “velha” amargou meros 0,75% nas eleições presidenciais de 2014.
Alegando que não haveria qualquer partido que defendesse as pautas do Novo na arena política, Amoêdo e o grupo político que funda, financia e controla o partido é formado por grandes empresários dos mais variados setores, que até poucos anos atrás financiavam campanhas de grandes partidos (e grandes políticos). Na lista de fundadores da sigla, apesar do partido alegar que tenha sido fundado e seja formado sobretudo por profissionais liberais “abnegados”[5], encontram-se empresários das áreas de educação e previdência privada, entre outras, um ex-presidente do Banco Central durante o governo FHC[6], e sobretudo banqueiros, assim como seu candidato à Presidência[7].
Esse grupo político, como dito anteriormente, investe alto num pesado trabalho de marketing para divulgar o partido, sobretudo por meio das redes sociais, e que tem maior alcance na parcela mais privilegiada economicamente da população. Sua atuação nessa esfera, porém, mais uma vez nada traz de novo para a política partidária brasileira. O partido desde o período de pré-campanha tem feito uso de bots (ou “robôs”) nas redes sociais,[8] estratégia que foi mantida no atual período de campanha[9], para disseminar o discurso do partido para que aparente ter um apoio maior do que de fato têm.
Por sua vez, em se tratando das pautas que o Novo e seu presidenciável defendem, também há pouco de novo no campo ideológico em que se localizam. De maneira geral, o partido se coloca contra as chamadas políticas afirmativas, que visam a inclusão de minorias sociológicas dentro dos espaços de poder e a favor de amplas privatizações em empresas públicas[10]. A título de exemplo, na pauta de gênero, o partido e suas mulheres parecem se colocar contra a política de quotas[11], que apesar das limitações tem avançado na redução da desigualdade nesse aspecto nas nossas esferas legislativas[12]. Ainda sobre o mesmo tema, em relação à histórica desigualdade salarial entre mulheres e homens[13] o seu candidato acredita que “se as empresas estão pagando salários diferentes, não cabe ao Estado interferir nisso”[14]. O presidenciável parece assim desconhecer que há dois projetos em tramitação no Congresso elaborados para interferir justamente nesta questão, prevendo a aplicação de multas para empresas em que se verifique uma diferenciação salarial entre homens e mulheres na mesma função (trata-se do Projeto de Lei do Senado n° 59, de 2017, e do Projeto de Lei da Câmara n° 130, de 2011[15]). Nesse sentido, talvez não seja à toa que entre todos os partidos políticos registrados no país o Novo seja aquele com a menor proporção de mulheres entre os seus filiados e filiadas[16], e que seja a única agremiação que em sua candidatura presidencial nem ao menos menciona o tema “mulheres”[17].
Na pauta segurança pública, assim como outros candidatos do mesmo campo ideológico (e talvez o candidato Jair Bolsonaro – PSL - seja aquele que mais se aproxime de suas pautas), Amoêdo e o partido apostam num afrouxamento das leis para porte de armas e também no desconhecimento por parte da população sobre o tema, sobretudo quando afirma que “não está se cumprindo o Estatuto do desarmamento”[18] (que tratava sobre o comércio de armamento, e não o porte). Para não nos estendermos muito aqui, cabe ainda apontar que em se tratando de outras pautas em que se esperaria um comportamento “liberal” coerente com aquilo que o partido se propõe a ser, o presidenciável opta por se esquivar do tema em questão ou adotar uma estratégia conservadora, que se expressa na forma como trata questões sobre a legalização de algumas drogas, ou sobre a descriminalização do aborto[19].
Dito isto, o que há de novidade por trás do Novo então? Talvez o aspecto que mais chame a atenção do eleitorado e diferencie o partido das demais siglas é a decisão de não usar recursos provenientes do chamado “Fundo Partidário”. A estratégia, porém, explica-se pelos financiadores que estão por trás da sigla, e constitui uma estratégia de marketing bastante sofisticada para driblar a atual legislação eleitoral que proíbe financiamento de empresas aos partidos.
Amparando-se no discurso senso comum, infelizmente muito disseminado no Brasil, que acredita que o financiamento dos partidos políticos via recursos públicos representa um mecanismo de “desvio” de uma parte do orçamento que deveria ser aplicada em outras áreas, o partido é financiado pelos mesmos empresários citados no início deste artigo, integrantes do topo da nossa pirâmide econômica. Como dito anteriormente, estes mesmos empresários até poucos anos atrás constituíam parte dos financiadores das campanhas dos grandes partidos e apenas para mencionar dados das eleições de 2014, as últimas eleições antes da criação do Novo, o próprio Itaú-Unibanco do qual provém o presidenciável João Amoêdo doou mais de 13 milhões de reais para cinco dos maiores partidos brasileiros[20].
Nesse sentido, a criação do partido no ano seguinte não se deu por acaso. Conforme a Operação Lava Jato avançava sobre esses mesmos partidos que a futura cúpula do Novo fazia suas doações, o STF também sinalizava que em breve seriam aprovadas mudanças nas regras de financiamento de campanhas políticas no país, com a provável proibição de doações por parte de pessoas jurídicas. Assim, esse mesmo grupo de lobbystas, que sempre teve relações próximas com a classe política brasileira, decide que serão eles próprios aqueles que estarão na linha de frente da política nacional, atuando por meio da criação de um partido financiado também por eles próprios. O passo seguinte foi determinar que os filiados ao Novo obrigatoriamente devessem pagar uma mensalidade para manterem sua filiação[21] (outra estratégia sofisticada de arrecadação, que evita que tenham que eles próprios ficarem financiando o partido indefinidamente), e ao mesmo tempo se colocar contra a utilização do Fundo Partidário. A estratégia, que tem obtido resultado, carrega também um perverso mecanismo elitista. Afinal, num país historicamente desigual como o nosso, e numa conjuntura econômica na qual uma parcela significativa da população se encontra desempregada, chega a ser fácil imaginar qual o perfil daqueles que podem se dar ao luxo de contribuir financeiramente para um partido político e ainda defender que todos os partidos sejam assim.
Enfim, se num primeiro momento o partido Novo preferia usar uma retórica de indefinição quanto ao fato de ser de esquerda ou de direita[22], conforme o tempo e a sua prática política avançaram, o partido passou a se colocar à direita do espectro político-ideológico. Porém, nesse campo político, não há nada de novo em ser um partido formado majoritariamente por homens e ricos, que se declaram liberais na economia mas conservadores nos costumes. Trata-se apenas de um “bolsonarismo” mais gourmet, por parte de um Novo que já nasce Velho.
*Doutorando e Mestre em Ciência Política pela USP
[1] https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/09/27/bahamas-leaks-expoe-brasileiros-com-offshore-em-paraiso-fiscal-no-caribe/ . O próprio candidato declara ser mesmo o dono da empresa (https://twitter.com/joaoamoedonovo/status/950764715516538880), o que não é ilegal, mas que levanta sérios questionamentos sobre a sua conduta, considerando que empresas off-shore historicamente tem sido estratégia usada por grandes empresários brasileiros para burlar o fisco e lavar dinheiro (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/04/03/O-que-%C3%A9-uma-offshore-e-para-que-ela-serve)
[2] https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,joao-amoedo-se-diz-liberal-na-economia-mas-conservador-nos-costumes,70002318886
[3] https://www.valor.com.br/politica/5270125/flavio-rocha-por-um-liberal-na-economia-e-conservador-nos-costumes
[4] https://www.revistaamalgama.com.br/09/2014/por-que-votar-em-pastor-everaldo/ ; https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,pastor-everaldo-defende-privatizacoes-e-programas-sociais,1546923 ; http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/08/pastor-everaldo-promete-privatizar-petrobras-se-eleito.html
[5] https://istoe.com.br/um-novo-jeito-de-fazer-politica/
[6] https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/idealizador-do-plano-real-vira-garoto-propaganda-do-presidenciavel-da-nova-direita-19e4lqwbbg4t7zkcrm27zzxvb
[7] https://www.valor.com.br/politica/4727663/maiores-financiadores-tem-origem-no-itau-unibanco
[8] http://www.internetlab.org.br/pt/informacao-e-politica/bot-ou-nao-quem-segue-os-candidatos-presidente/
[9] http://www.manchetometro.com.br/index.php/publicacoes/serie-m/2018/08/26/do-facebook-a-campanha-real-os-dilemas-da-eleicao-de-2018/
[10] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43931263
[11] https://novo.org.br/por-que-sou-contra-a-cota-para-mulheres-na-politica/ mesma posição tomada em relação a outras políticas afirmativas, para a inclusão social de minorias sociológicas, como as cotas nas Universidades - http://www.redetv.uol.com.br/jornalismo/enoticia/videos/todos-os-videos/joao-dionisio-amoedo-presidente-do-partido-novo
[12] Agradeço às cientistas políticas Hannah Maruci, Marina Merlo, e Beatriz Sanchez por sempre fomentarem esse debate na minha timeline.
[13] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/04/11/desigualdade-salarial-homem-mulher-ibge.htm
[14] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/18/politica/1524083244_846563.html
[15] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128342 e https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/103844 ; agradeço ao advogado Fernando Moreira pelo levantamento das leis.
[16] https://www.nexojornal.com.br/grafico/2018/04/02/Os-filiados-aos-partidos-brasileiros-g%C3%AAnero-idade-e-distribui%C3%A7%C3%A3o
[17] https://www.buzzfeed.com/julianakataoka/estas-sao-as-propostas-de-governo-de-cada-um-dos?utm_term=.atBryDq0m#.kb3nQ2vNK
[18] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/18/politica/1524083244_846563.html
[19] https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,joao-amoedo-se-diz-liberal-na-economia-mas-conservador-nos-costumes,70002318886
[20] http://www.asclaras.org.br/arvores/cinco_bancos.html e http://www.asclaras.org.br/arvores/partidos.html
[21] https://novo.org.br/filie-se/
[22] https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/joao-amoedo-partido-novo-defende-o-individuo-contra-o-estado-paternalista-na-bandnews/