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POLÍTICA
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[caption id="attachment_139041" align="alignnone" width="700"] Foto: Ricardo Stuckert[/caption]
Por Daniel Trevisan Samways*
“Sopram ventos malignos no planeta azul. Nossas vidas titubeiam no turbilhão de múltiplas crises. Uma crise econômica que se prolonga em precariedade de trabalho e em salários de pobreza. Um terrorismo fanático que fratura a convivência humana, alimenta o medo cotidiano e dá amparo à restrição da liberdade em nome da segurança. Uma marcha aparentemente inelutável rumo à inabilidade de nosso único lar, a Terra”. CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. p. 7.
Se tivéssemos que utilizar uma única palavra para caracterizar o atual cenário eleitoral brasileiro, poderíamos utilizar “incerteza”. Pela primeira vez na história do Brasil recente, temos uma eleição na qual não temos nenhuma certeza de quem vai ao segundo turno e quem pode ganhá-la. O primeiro candidato nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, está preso em Curitiba e sua candidatura está em suspenso, com a possibilidade real de ser impugnada. Não sabemos, contudo, quando isso acontecerá. Órgãos internacionais já se manifestaram, denunciando todos os arbítrios sofridos pelo ex-presidente e solicitando a sua participação na campanha.
Difícil acreditar que a justiça brasileira irá acatar as determinações do Comitê de Direitos Humanos da ONU e permitir que Lula participe plenamente do processo. O golpe de 2016 não foi dado para entregar o governo de bandeja ao PT, com a possibilidade de que todas as draconianas reformas sejam colocadas em xeque, ou simplesmente submetidas a um plebiscito popular, com o povo escolhendo os rumos da nação. O golpe foi contra os interesses da população, imposto, literalmente, goela abaixo. Os homens do “mercado” correram para destruir garantias e direitos que trabalhadores e os mais pobres demoraram décadas para conseguir, fruto de difíceis e longas lutas. Afirmaram que a retirada de direitos iria trazer empregos e renda. Sabíamos que tudo não passava de jogo de cena, comprovando-se agora com a alta do desemprego. Menos direitos e agora menos empregos. Lucros para poucos, como sempre.
A candidatura de Lula representaria a única certeza nessa eleição. A certeza de sua vitória, contra qualquer nome, inclusive podendo ocorrer no primeiro turno. Todos sabem disso, principalmente os articuladores do golpe, presentes no judiciário, no governo e na mídia. Isso justifica a celeridade de sua condenação e a posterior prisão. Não bastava lhe retirar da disputa, era necessário também lhe calar, impedir que fizesse campanha para outro candidato. Ele não pode conceder entrevistas, nem sequer prestar depoimentos. O poder judiciário tenta de todas as formas cercear não apenas os direitos políticos de Lula, mas também de articular a própria campanha. As recentes declarações de Moro e Dallagnol são uma verdadeira afronta aos direitos e garantias que estão presentes no nosso ordenamento jurídico. Hoje sabemos que esse ordenamento não vale para Lula. O sofrimento e o pânico desses setores se dão pelo fato de que, mesmo preso, Lula cresceu nas pesquisas, sem fazer campanha. Imaginem se estive na rua, em um palanque.
O sucesso de Lula ocorre porque fez dois bons governos, com crescimento econômico, expansão dos serviços públicos, inclusão de milhões de pessoas e a diminuição da miséria e da pobreza. Se no entendimento de alguns segmentos do campo progressista Lula fez um governo para as elites, em aliança com o mercado, para uma parcela da população Lula significou a oportunidade de uma vida melhor. Pode parecer pouca coisa para grupos da esquerda, mas poder adquirir uma geladeira, ter luz elétrica, calçar um par de sapatos e entrar na universidade teve um peso enorme na vida de milhões de pessoas. Com todas as críticas que possamos – e devemos – fazer aos governos petistas, o que Lula e Dilma fizeram não foi pouca coisa ao retirar milhões de pessoas da pobreza e lhes dar dignidade e esperança. Isso explica a dificuldade de outros candidatos do campo progressista. Eles precisam se diferenciar do PT e para isso precisam atacá-lo. Ao optarem por esse caminho, dão um sinal negativo a uma importante parcela da população que foi beneficiada durante os 13 anos de governos petistas. Boulos e Ciro podem ter boas propostas, mas que mensagem passam aos eleitores quando batem no PT?
O atual caminho, marcado pelo aprofundamento da crise econômica, abre duas possibilidades. Uma à extrema direita, com a candidatura de Bolsonaro, e outra à esquerda, com Lula. O crescimento dessas duas candidaturas é a resposta do eleitorado ao que Nancy Fraser chama de “neoliberalismo progressista”, marcado pela desregulamentação econômica e um aprofundamento do ataque aos direitos trabalhistas, que se associou a pautas identitárias para se vender como inclusivo e democrático. De um lado, eleitores de Jair Bolsonaro, como demonstram as pesquisas de Rosana Pinheiro-Machado, Lucia Scalco e Esther Solano, questionam aquilo que entendem como um excesso de direitos a grupos marginalizados, mas também sentem um completo abandono e desesperança. Se agarram naquele que ataca o politicamente correto e afirma que vai trazer proteção, mesmo que às custas de muita violência. Ele defende a morte à céu aberto. A campanha de Bolsonaro se vale do mito da ameaça e do temor para vender a força e a segurança, assim como outros movimentos fizeram no passado. Por isso muitos empresários e a elite também caminham com Bolsonaro, pois sua campanha também representa um controle e a repressão aos mais pobres e insatisfeitos.
Lula representa para seu eleitorado, na casa dos 40% dos brasileiros, a esperança. Contra o cinza da campanha de Bolsonaro, Lula consegue trazer para o atual cenário uma infinidade de cores e diferentes bandeiras e mais pluralidade, maior dificuldade de Bolsonaro atualmente. Para uma parcela significativa da população, Lula representa a volta do sonho e da esperança com dias melhores. Seria uma resposta ao que de pior o neoliberalismo trouxe nos últimos dois anos.
Os ventos malignos que sopram no planeta azul, por aqui tornam-se uma poderosa tempestade. O candidato que representa a esperança corre sérios riscos de ficar fora da disputa e as gotas de incerteza caem sobre toda a população. É chegada a hora de sairmos às ruas e impedirmos que essa tempestade se transforme em enchente e afogue os últimos vestígios da democracia.
*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM)
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