Eleições 2018 e a grande questão: Afinal, há chance de Lula concorrer?

Fórum entrevista advogados renomados falam sobre a questão que angustia boa parte do eleitorado: a menos de dois meses do pleito que vai decidir o próximo presidente do Brasil, o personagem central do processo corre sério risco de ficar fora do jogo

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As eleições presidenciais se aproximam e há, inegavelmente, um sentimento de angústia na maioria do eleitorado. Independentemente de posições políticas, partidárias e ideológicas, é inquestionável que o personagem central do processo é Luiz Inácio Lula da Silva. Líder em todas as pesquisas de intenções de votos, e em qualquer cenário, segundo as projeções, ele teria grandes chances de se eleger novamente, até mesmo no primeiro turno. Teria, no condicional, porque está preso e seriamente ameaçado de ser alijado da disputa. A grande pergunta que se faz é: Afinal, há chance de Lula disputar a eleição? A Fórum procurou advogados renomados para tentar elucidar e esclarecer as nuances jurídicas que envolvem o caso. Na avaliação de Fernando Hideo, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal na Escola Paulista de Direito, em circunstâncias normais, com certeza, haveria a possibilidade de uma pessoa condenada sem provas obter decisão judicial favorável à participação na eleição. “Todavia, estamos diante de um processo penal de exceção. A tirania judicial é a forma da ditadura no século XXI. As formas autoritárias acompanham o desenvolvimento social, se adaptam às novas estruturas discursivas e se aperfeiçoam com o passar do tempo. O autoritarismo aprendeu a se camuflar sob o rótulo democrático. Ninguém precisa de censura na era da pós-verdade. O processo penal de exceção oculta seu conteúdo autoritário numa maquiagem institucional. É a forma jurídica da perseguição política e econômica na era da pós-verdade. É a violação dos direitos e garantias fundamentais de uma parcela da população (e de seus representantes simbólicos) com verniz hipócrita de licitude. É fruto da manipulação do sistema de justiça criminal (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e mídia) para atender aos interesses do mercado contra seus verdadeiros inimigos: o pobre, marginalizado, oprimido e seus representantes políticos”, destaca. O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, tem opinião semelhante: “Não vejo chance, a essa altura, de o Lula participar das eleições. A manifestação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, foi muito clara nesse sentido. Acho que há uma definição para que ele não participe, infelizmente”. Marco Aurélio de Carvalho, advogado especializado em Direito Público e membro integrante dos grupos Prerrogativas e Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), tem uma visão um pouco mais otimista. “Há chances reais e concretas. É o que se espera, inclusive, pela aplicação correta da jurisprudência eleitoral. Além disso, os maiores especialistas em Direito eleitoral do país, inclusive alguns, notadamente suspeitos, porque advogam para outros partidos, são absolutamente categóricos ao afirmar que seria casuísmo impedir que o ex-presidente Lula se registre e se candidate. Então, é o que se espera, com a boa aplicação da farta jurisprudência eleitoral que existe a respeito”, analisa. Parcialidade Toda a ação que envolveu o ex-presidente Lula, desde o início, no mínimo, deixou, e continua deixando, muitas dúvidas em relação ao caráter imparcial das instâncias jurídicas que conduzem o processo. Hideo faz uma reflexão abrangente e afirma que é importante deixar claro que não se trata da conduta isolada de uma instância judicial contra uma pessoa específica. O que existe, em sua avaliação, é um discurso autoritário dominante na sociedade e recorrente nos meios de comunicação, utilizado para legitimar processos autoritários contrários à Constituição. “O autoritarismo penal não é um fenômeno recente. Há décadas, temos lutado contra as injustiças praticadas em face dos grupos marginalizados e excluídos. Há décadas temos lutado contra o encarceramento em massa da juventude pobre e negra. Há décadas temos lutado pelo fortalecimento das Defensorias Públicas. Também é preciso que se faça uma crítica aos governos do PT, que mantiveram a política de encarceramento em massa da pobreza. Mas o que houve na década de 2010 foi a ampliação do arbítrio. Ao invés de estendermos os direitos e garantias aos excluídos, ganhou força o discurso segundo o qual deveríamos estender a violência bruta aos ‘corruptos'”, acrescenta o professor Hideo. [caption id="attachment_138157" align="alignnone" width="700"] Fernando Hideo: "Ao invés de estendermos os direitos e garantias aos excluídos, ganhou força o discurso segundo o qual deveríamos estender a violência bruta aos ‘corruptos'” - Foto: Arquivo Pessoal[/caption] Kakay argumenta que seria forte falar em parcialidade sem ter comprovação. “Agora, eu acho que há uma extrema má vontade em relação a Lula. Isso é facilmente detectável, por exemplo, quando resolvem não colocar em julgamento as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs). Eu não via nenhum sentido em impedir esse julgamento, sendo que pacificaria o Supremo. Mais do que o Supremo, o Poder Judiciário como um todo. Também quando o ministro Edson Fachin levou o habeas corpus para o Pleno, sendo que raramente isso ocorre, porque a competência era da Turma. Houve uma excepcionalidade injustificada”, analisa. Marco Aurélio tem uma opinião mais contundente: “Não há a menor dúvida que a Justiça tem sido absolutamente parcial, na perspectiva de impedir que o ex-presidente dispute as próximas eleições. Esse, na verdade, é o grande objetivo. O aparato judicial se moveu para provocar um resultado eleitoral. Todo mundo sabe que o ex-presidente Lula lidera todas as pesquisas eleitorais. Não é novidade que nós estamos vivendo um momento muito preocupante. O estado de direito está ameaçado, alguns classificam como ativismo judicial. A gente pode dizer que há um processo claro e inequívoco de politização do Judiciário e de judicialização da política. Com um único escopo: impedir que um projeto, que tirou milhares de pessoas da pobreza, possa se manter no poder com a aprovação popular”. Ficha Limpa Um dos argumentos utilizados por quem defende a inelegibilidade de Lula é a questão da Lei da Ficha Limpa. O tema é controverso, até mesmo para os agentes do Direito. Fernando Hideo diz que, segundo a lei, basta uma condenação em segunda instância, por qualquer dos crimes previstos no rol taxativo do seu artigo 1º (corrupção e lavagem de dinheiro), para se caracterizar a inelegibilidade. “É o caso de Lula, cuja inelegibilidade deverá ser reconhecida pela Justiça Eleitoral no momento oportuno. É possível disputar a eleição ‘sub judice’, ou seja, com a candidatura pendente de julgamento definitivo. Isso seria possível com uma decisão cautelar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é refratário quanto à ideia da Lei da Ficha Limpa. “Acho que é uma forma de tutelar o voto popular. Desde o início, quando se discutiu essa questão, eu achava que essa era uma posição autoritária. Agora, existe uma jurisprudência no país, que coloca essa impossibilidade. Não podemos dizer que isso é especificamente em relação ao ex-presidente Lula.” [caption id="attachment_138158" align="alignnone" width="600"] Kakay: "Acho a Lei da Ficha Limpa uma forma de tutelar o voto popular. Desde o início, eu achava que essa era uma posição autoritária" - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil[/caption] Marco Aurélio de Carvalho acredita que não há nenhum impedimento nessa lei para que o ex-presidente tenha seu registro deferido. Ao contrário. “A Lei da Ficha Limpa é clara quando estabelece que, em havendo razoabilidade na pretensão recursal, não se pode recusar o registro. Não vejo razão para acreditar que a Lei da Ficha Limpa possa impedir o ex-presidente Lula de concorrer”, declara. ADCs Um questionamento frequente é por que o STF não colocou em pauta o julgamento das ADCs, que tratam da condenação em segunda instância. “Não acredito que seja julgada este ano”, diz Hideo. Kakay vai mais além: “Este foi o grande erro da ministra Cármen Lúcia. Quando, em setembro, eu conversei com os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, para que fossem julgadas as ADCs, era para evitar a fulanização e a politização desse processo. Era um processo que interessava ao Brasil como um todo”, ressalta. “Mas, infelizmente, ainda que o decano (Celso de Mello) tenha falado com ela, a ministra resolveu não colocar por motivos que nós não conseguimos entender. Então, isso provocou grande tensão no Poder Judiciário. Eu advogo no Supremo todos esses anos e nunca vi uma tensão dessa forma, com a divisão clara dos ministros. Nós começamos a viver no Supremo uma justiça lotérica, o que é extremamente ruim para o judicionado e para o Poder Judiciário como um todo, ou seja, a Primeira Turma tinha uma decisão e a Segunda Turma tinha outra”, afirma. “A Cármen, certamente, não colocará em pauta, mas ela está nos últimos dias do mandato. Mas eu entendo que o ministro Dias Toffoli tem uma missão difícil, porque é óbvio que ele, ao chegar a presidir a Corte nesse momento conturbado, poderá optar por não colocar a questão em pauta, a não ser após as eleições. É um assunto que deveria ter sido resolvido em setembro ou outubro do ano passado”, opina Kakay. Marco Aurélio, no entanto, acredita que ainda há chances de as ADCs sejam colocadas em pauta: “Em última análise, essa questão não afeta só o ex-presidente Lula, afeta o réu sem rosto. As últimas estatísticas comprovam que cerca de um terço do sistema penitenciário é integrado por pessoas que foram condenadas em segunda instância, com processos que ainda não transitaram em julgado. Então, o objetivo do constituinte ao valorizar o princípio da presunção de inocência está sendo flagrantemente desrespeitado. Muita gente que já foi recolhida nesse sistema penitenciário medieval pode, eventualmente, ter num futuro próximo a sua condenação revista e, no entanto, nunca vai poder ter sua liberdade reposta”. Estratégia? Dentro do cenário de indefinição, o PT decidiu bancar a candidatura de Lula até o final, apesar de críticas, inclusive do campo progressista. A aposta na manutenção do projeto Lula também é alvo de análise: “Só quem está vivendo internamente esse processo no partido pode opinar. Minha visão é a de um pesquisador que estuda o fenômeno autoritário que se camufla nas práticas do sistema de justiça. Vejo que o combate à esperança de um novo governo popular é o desfecho do golpe. A figura do inimigo personifica em Lula o símbolo maior da ascensão do povo. O ex-presidente disse: ‘Eu não sou mais um ser humano, sou uma ideia’. É justamente essa a ideia perseguida, razão pela qual não vejo nenhuma possibilidade de vitória no campo jurídico”, destaca Fernando Hideo. Apesar de ressaltar que não pode falar em nome da cúpula do PT, pois não é filiado, Kakay afirma que conversa com muitos integrantes do primeiro escalão do partido. “Sei que alguns mantêm a esperança de que Lula possa se candidatar. Mas boa parte deles tem isso como estratégia. Uma estratégia que me parece acertada, pois o Lula só cresce nas pesquisas. Ele mostra, cada vez mais, uma incrível capacidade de se manter no topo, mesmo preso, depois de tanto tempo”, destaca. “Na verdade, acho que a direita, boa parte da mídia e, claro, o Judiciário e o Ministério Público, criaram um mito. Essa é uma questão grave, porque o Brasil não precisa de mitos, nem de esquerda, nem de direita. Mas eles ajudaram a criar esse mito. Boa parte das pessoas importantes do PT com as quais converso sabe, há muito tempo, que ele não seria candidato. Mas era importante para manter o partido vivo. Talvez seja o único partido que ainda exista com votos de filiados, tirando os pequenos, como PSOL e PCdoB”, ressalta Kakay. Marco Aurélio acredita que o objetivo de insistir no registro da candidatura de Lula é a crença sincera de que ele vai poder, ao final do processo, ter sua condenação revertida. “Uma condenação notadamente política, com objetivos meramente eleitorais. Acho que a cúpula do partido está absolutamente correta em insistir na candidatura Lula, assim como estão corretos, também, o Haddad e a Manuela, na perspectiva de vices temporais em que se colocaram. A gente tem que defender o projeto que mudou a cara do Brasil e que tem, hoje, ampla e confortável maioria no eleitorado. Além disso, ele tem o direito, efetivamente, de se candidatar. Não é estratégia eleitoral, pelo contrário. Tem gente que acha que isso prejudica, porque perde tempo e espaço para divulgar um eventual candidato alternativo”. [caption id="attachment_138159" align="alignnone" width="800"] Marco Aurélio: "A gente tem que defender o projeto que mudou a cara do Brasil e que tem, hoje, ampla e confortável maioria no eleitorado" - Foto: Arquivo Pessoal[/caption] Debates Em relação à proibição de Lula participar de debates e entrevistas, apesar de ser um candidato com os mesmos direitos dos demais, Hideo define como absurdo: “Ele está em pleno gozo de seus direitos políticos”. Para Kakay, seria importante para privilegiar a democracia e o interesse do cidadão. “No mínimo, que as perguntas fossem a ele dirigidas e que gravasse as respostas, ainda que não pudesse eventualmente ir até o local. Mas a participação dele no debate fortaleceria a democracia e seria uma atitude de respeito ao cidadão eleitor. Agora, não aceitar que o vice participe, realmente, é uma intransigência. Me parece absolutamente óbvio que, se não permitem que o Lula participe, seria imperioso a participação do Haddad”, finaliza. Marco Aurélio de Carvalho concorda: “Ao ex-presidente Lula deve ser dada toda e qualquer oportunidade que foi ou que será dada a outro candidato. Se não, você provoca a chamada simetria concorrencial, ou seja, o processo eleitoral deixa de ser legítimo. Se o registro foi deferido, ele tem que participar plenamente do processo eleitoral. Portanto, teria o direito de participar dos debates, propagandas eleitorais, conceder entrevistas. Se, eventualmente, o juiz entender que isso pode colocar em risco a precária execução dessa condenação provisória, poderia montar um aparato nas dependências da própria Polícia Federal para que ele pudesse se comunicar com seus eleitores. Em havendo uma compreensão diferente, de forma alternativa, deveria ser dada a oportunidade para que o Haddad o substituísse”, completa.