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Por William Nozaki*
A queda do agora ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente, há exatos dois anos do início de seu mandato no alto comando da companhia petrolífera brasileira, é o ápice de um conjunto de insatisfações relacionadas ao preço do diesel contestado pelos caminhoneiros e ao preço da gasolina e do gás questionado pelos petroleiros, ambos contando com o apoio do conjunto da população.
Desde o início do governo Temer, o Brasil experimentou mais de 229 reajustes no valor do diesel, que desde julho de 2016 a maio de 2017 sofreu alta de 57,8% nas refinarias, mais de 225 reajustes no valor da gasolina, que nesse mesmo intervalo passou por elevação de 57,1% também nas refinarias, para não mencionar o gás de cozinha que apenas o ano passado teve uma elevação média de 70%, um preço proibitivo que obrigou 1,2 milhão de domicílios a voltarem a cozinhar com fogão a lenha e álcool, segundo dados do próprio IBGE.
A opinião pública nos últimos dias demonstrou sua objeção e contrariedade ao projeto levado a cabo pela Petrobras, 87% da população é contra as medidas apresentadas pela empresa estatal e pelo governo para tentar contornar a crise atual, o principal incômodo decorre da percepção coletiva de se tratarem de medidas paliativas, de curtíssimo-prazo e que novamente oneram o bolso da população. Mais ainda, 74% afirmam ser contra a desestatização da empresa para o capital estrangeiro, 59% acreditam que as medidas propostas pela atual gestão trazem mais prejuízos do que benefícios aos brasileiros e 55% se declaram contrários à privatização, de acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha na última semana.
Esse cenário é também reflexo de um governo que demonstrou absoluta incapacidade de organizar a tempo uma adequada gestão de crise, a pressão aberta de caminhoneiros, petroleiros, e transportadoras, somadas às pressões de bastidores de acionistas, petrolíferas estrangeiras, grandes importadoras de derivados, do agronegócio do etanol, resultando na cobrança de uma resposta pela própria grande imprensa, exigiam medidas de administração de interesses conflitantes que deixaram o Planalto imóvel. Michel Temer praticou o locaute do seu próprio governo, acompanhado de uma equipe boa para fazer negociatas mas ruim para liderar negociações. Esse é o custo causado para a sociedade por um governo de legitimidade, popularidade e legalidade contestáveis.
A implementação de um projeto que não foi referendado pelas urnas segue despertando a repulsa da maioria da população que parece enxergar aquilo que o governo e a gestão da Petrobras se recusam a admitir: a atual política não foi chancelada pelas urnas e está sendo rechaçada pela ampla maioria da sociedade brasileira.
Do ponto de vista internacional, a descoberta do pré-sal tornou o Brasil um grande player geopolítico e geoeconômico, em um momento de instabilidade na Venezuela e no Oriente Médio, de alta no preço do barril do petróleo, combinada à desvalorização cambial e à mudança na rota da política monetária dos EUA, se bem geridas, tais variáveis poderiam favorecer o país ao invés de fragilizar ainda mais nossa inserção externa.
Do ponto de vista nacional, a internalização da volatilidade do preço nos combustíveis, sendo repassada diretamente ao consumidor final, em uma economia cujo padrão de desenvolvimento depende do transporte rodoviário e do frete e em uma conjuntura marcada por baixo dinamismo econômico, alto desemprego e elevada precarização das atividades de transporte e logística só poderiam mesmo colapsar o conjunto das atividades do mercado interno.
Não perceber isso denota profunda negligência com a análise das bases em torno das quais se fundou nossos processos de industrialização, urbanização e integração nacional, além de uma acentuada insensibilidade com a situação daqueles que impactados por uma reforma trabalhista e pelo corte de gastos sociais e investimentos públicos passaram a experimentar condições de vida cada vez mais insalubres e indignas.
Trata-se, em última instância, de mais um dos sintomas de um sistema econômico-financeiro que impôs seus interesses sobre a vida política-institucional do país tornando essa última ainda mais alheia e descolada dos anseios e expectativas da população. A troca na presidência da empresa com a manutenção da política de refino e preços não solucionará o problema, é muito provável que outra crise já esteja sendo gestada com a continuidade da subida do preço da gasolina e do gás. Ou as urnas governam a Petrobras ou a Petrobras desgoverna o Brasil.
*William Nozaki é professor de ciência política e economia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e diretor-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP).