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POLÍTICA
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A ditadura atingia o seu auge. Em março de 1968, a PM invadiu o restaurante universitário Calabouço, onde estudantes protestavam contra o preço das refeições. No confronto, o comandante da PM, Aloísio Raposo, matou o estudante Edson Luís, com um tiro no peito. Durante o velório e, sobretudo, na missa do estudante, o Rio de Janeiro pegou fogo. A polícia avançou contra estudantes, padres, jornalistas e populares.
Em 21 de junho, aconteceu a ‘Sexta-feira Sangrenta’. Durante nova manifestação, desta vez na porta do Jornal do Brasil, três pessoas foram mortas, dezenas ficaram feridas e mais de mil foram presas. O gosto de sangue na boca da ditadura ruiu diante da opinião pública. Como forma de recuo, o exército acabou permitindo uma nova manifestação, para o dia 26. Aquele dia, há 50 anos, entrou para a história e ficou conhecido como ‘A Passeara dos Cem Mil’.
O AI-5
As consequências daquela manifestação ampla e sem precedentes contra o regime dos militares foram desastrosas. Até o final do ano, vários outros estudantes foram presos no Rio de Janeiro e em São Paulo, o Congresso rejeitou projeto que concedia anistia aos estudantes, o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), foi invadido e mais de 400 estudantes foram presos. No final do ano, no dia 13 de dezembro, foi promulgado o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), dando início à página mais sangrenta e obscura da nossa história recente.
A ‘Passeata dos Cem Mil’ contou com a participação de um sem fim de personalidades da vida brasileira, entre eles artistas como Chico Buarque de Holanda, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tônia Carreiro, Grande Otelo, Paulo Autran, José Dirceu, Tancredo Neves, Marieta Severo, Nara Leão, Clarice Lispector, Fernando Gabeira, entre muitos e muitos outros.
O fotógrafo e o poeta
O fotógrafo Evandro Teixeira, então funcionário do Jornal do Brasil, fez, entre muitas outras, aquela que foi considerada a imagem definitiva da passeata. Nela, a multidão preenchia toda a imagem, cortada harmônica e suavemente por uma faixa resoluta bem no canto superior esquerdo, no exato local da regra dos terços, que dizia: “Abaixo a Ditadura. Povo no Poder”.
Sob o impacto das imagens de Evandro, o poeta Carlos Drummond de Andrade, escreveu um lindo poema:
Diante das fotos de Evandro Teixeira
A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo, sob a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.
É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das imagens.
Fotografia-é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando,
e da evanescência de tudo
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.
Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta,
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como exorcizar?
Marcas de enchente e de despejo,
o cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York,
a moça em flor no Jóquei Clube,
Garrincha e Nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois que são fotos.
Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo,
viajas, surpreendes, testemunhas
a tormentosa vida do homem
e a esperança de brotar das cinzas.