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Na próxima terça-feira (26) a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar uma medida cautelar apresentada pela defesa do ex-presidente Lula que pede a suspensão dos efeitos da sentença que o condenou a 12 anos e 1 mês de prisão pelo caso do "triplex do Guarujá".
Trata-se de um pedido para que Lula fique em liberdade até o julgamento final do Recurso Extraordinário que será feito, no futuro, pelo STF. A defesa do ex-presidente argumenta, neste pedido de liberdade, que Lula não pode ficar preso por uma condenação que muito provavelmente será revertida quando o Recurso Extraordinário for julgado, tendo em vista as evidentes violações contidas nas condenações em primeira e segunda instância. “Além de ver sua liberdade tolhida indevidamente, corre sério risco de ter, da mesma forma, seus direitos políticos cerceados, o que, em vista do processo eleitoral em curso, mostra-se gravíssimo e irreversível", diz a petição dos advogados de Lula.
Este novo recurso é diferente do pedido de habeas corpus apresentado no mês passado e que foi derrotado por maioria no plenário da Corte. Naquela ocasião, a defesa contestou a possibilidade de alguém ser preso antes do esgotamento dos recursos em todas as instâncias (trânsito em julgado). Agora, argumenta-se que a condenação é carente de fundamentos consistentes e que, por isso, deve ser suspensa para que Lula não tenha sua liberdade tolhida enquanto a provável reversão de sua sentença não ocorra.
A Segunda Turma que vai julgar o recurso de Lula, composta pelos ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewadowski, Dias Toffoli e Celso de Mello é a mesma que julgou e inocentou a senadora Gleisi Hoffmann, recentemente, de uma denúncia, baseada em delações, de lavagem de dinheiro e corrupção passiva feita pelo Ministério Público Federal. A Turma, portanto, é vista por muitos juristas como garantista - até pelas críticas que os ministros fizeram à utilização de delações premiadas como prova.
Fórum procurou especialistas do Direito para saber quais as chances de a Segunda Turma acatar o recurso e determinar a soltura de Lula na próxima terça-feira (26). Alguns são mais otimistas e acreditam que os ministros julgarão o recurso à luz da Constituição e que, por isso, o ex-presidente será solto. Outros, dado o histórico recente, pensam que a Segunda Turma será influenciada pela mídia, que quer tirar Lula das eleições deste ano. O que é unânime entre os juristas é o fato de que o processo contra Lula é permeado de ilegalidades e que, se o STF agisse constitucionalmente, suspenderia sua condenação.
Confira como pensa cada um deles.
Marco Aurélio Carvalho, especialista em Direito Penal
Temos muita esperança que a segunda turma do STF continue trilhando os caminhos de segurança jurídica, de previsibilidade, de reafirmação dos direitos individuais e coletivos. Essa Segunda Turma tem sido extremamente importante, tem assumido posições indiscutivelmente garantistas e que vão de encontro aos vetores do Estado Democrático de Direito.
Com muita satisfação que nós, operadores do direito, recebemos a notícia do julgamento da presidenta Gleisi Hoffmann, que relativizou, enfim, a importância das delações, inclusive apresentando contradições entre umas e outras, dando portanto um sopro de esperança para o julgamento do caso do presidente Lula no dia 26.
Portanto, em virtude das posições assumidas pela segunda turma do STF, posições que vão ao encontro do estado democrático de direito, que reafirmam princípios fundamentais do estado democrático de direito, que preservam garantias individuais e coletivas, acreditamos, de fato, que o ex-presidente tenha muita chance. Sobretudo porque não terá prejuízo nenhum em uma eventual suspensão da execução provisória. O prejuízo existiria se eventualmente ele ficasse preso e, lá na frente, o que imaginamos que iria acontecer, a sentença fosse revertida. E aí essa liberdade que ele perdeu, fora toda a exposição da imagem pública, jamais vão poder ser restabelecidas. O prejuízo à imagem e o tempo que ele ficou recolhido indevidamente no sistema penitenciário. O prejuízo é não soltar, essa é a verdade. Então, vejo com muita esperança. Essa segunda turma tem tido muita coragem, não está se deixando conduzir pelos apelos da mídia ou da opinião pública, são ministros com muita coragem que abraçaram com muita dignidade a função que exercem. Tenho confiança que as chances são grandes e eles não vão se deixar intimidar.
Pedro Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional
Juridicamente deveria ser concedido, mas eu acho que não será. O processo contra Lula é o que a gente chama de processo penal de exceção. Uma medida de exceção praticada pelo sistema de justiça penal e a característica desse tipo de medida, a meu ver, é tratar o réu não como um cidadão, eventualmente até um cidadão que erra, mas tratar como um inimigo, ou seja, um ser desprovido da proteção mínima política e jurídica que um ser humano, um cidadão deve ter. E a finalidade de um processo penal de exceção deixa de aplicar o direito e procurar eventualmente inocentar uma pessoa pela cometimento de um delito e passa a ser uma função política. Esse tipo de processo se tornou muito relevante no Brasil a partir da década de 90, quando surge o aprisionamento em massa. Onde começam a se utilizar de medidas processuais penais, como a prisão cautelar, não com a sua função prevista na Constituição, no Estado Democrático, mas com função de controle social. Então, começa a surgir aí, na questão da guerra às drogas, a questão do processo penal de exceção. Os acusados de pequeno tráfico passam a ser tratados sem os direitos mínimos que teriam. E isso levou o Brasil a, hoje em dia, ter mais do que quadriplicado o número de presos, tendo dobrado nos últimos sete ou oito anos. Somos o terceiro país que aprisiona no mundo e 42% desses aprisionados não tiveram direito de defesa. Nós já fomos advertidos duas vezes, uma pela ONU e outra pela OEA quanto a este modo de agir. Eu acho que este tipo de processo penal de exceção migrou para a política, com a finalidade de persecução a líderes políticos marcadamente de esquerda no Brasil. Como eu tenho esta avaliação, está até no meu pós-doutorado, pra ser coerente com ele eu tenho que te dizer qual a tendência que eu vejo, que é que não concedam o habeas corpus.
Agora, existe um outro elemento que é humano, a coragem e a virtude política e jurídica por excelência. É tanto uma virtude do legislador quanto do aplicador da lei. Pode ser que pessoas ali ajam com coragem pra enfrentar o posicionamento da mídia, da opinião pública, mas não é isso que tem se registrado com a maioria dos ministros.
No caso da Gleisi Hoffmann, acho que houve uma dose grande de coragem dos ministros, mas era um caso muito evidente de falta de qualquer sentido e ali era julgamento de mérito, e nós não estamos perante um julgamento de mérito. E o caso do Lula é diferente. A Gleisi não pré-candidata à presidência da República, tem um papel muito mais relevante aí. A finalidade política dessa exceção é evitar que o Lula seja candidato, mas não só isso. É evitar que ele tenha participação no processo eleitoral, retirar a voz dele. Isso é um interesse da elites, de um bloco de poder, que vai desde as comunicações, passa pelo capital financeiro e chega aos militares. Esse bloco de poder vai agir para evitar, como já agiu, você veja que no julgamento do outro HC, foi o dono da Globo visitar o STF pra fazer lobby, foi general do Exército ameaçar os ministros e a imprensa sempre adulando quem vota contra o Lula e dizimando a imagem de quem potencialmente pode votar a favor dele. Este tipo de coisa coloca o julgador numa situação muito ruim, porque a função dele deveria ser a de defender os direitos da pessoa, ser um julgador contra-majoritário, contra as maiorias, contra a opinião pública e em favor dos direitos. Mas não há uma compreensão desse papel por parte do juiz e há uma pressão externa, há uma ameaça de destruição da vida simbólica das pessoas. Não e próprio de uma democracia exigir que ministros ou julgadores sejam heróis, eles são profissionais. Quando a democracia passa a exigir heroísmo para poder se aplicar jurisdição ela já não é mais democracia e é o que está havendo. Pode ser que o Lula ganhe? Pode, num ato de coragem dos ministros que estão lá. Uma coisa absolutamente subjetiva.
Reinaldo Santos de Almeida, advogado e professor de Direito Penal
O habeas corpus impetrado em favor do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva tem por objetivo obstar a execução provisória da pena após o esgotamento da segunda instância, em razão da plausibilidade jurídica dos recursos especial e extraordinário, atribuindo-lhes efeito suspensivo e, por consequência, assegurar a sua liberdade de locomoção, cessando o ato ilegal que consiste em sua atual prisão antecipada.
Ademais, questiona-se a violação ao princípio do juiz natural, diante da manifesta incompetência do juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, por falta de conexão, bem como a flagrante parcialidade do juízo inquisidor que conduziu a instrução criminal.
Assim, o remédio heroico não se confunde com o HC anterior julgado e rejeitado por maioria no Plenário, o qual se defendia a tese de que condenados em segunda instância não poderiam ser presos antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por força do princípio da presunção de inocência.
Todavia, em que pese os argumentos jurídicos favoráveis à liberdade - e à inocência - do ex-presidente saltem aos olhos, sabe-se que não se trata de um julgamento meramente técnico, mas uma espécie de utilização do sistema de justiça criminal como instrumento contra um inimigo político que lidera as pesquisas eleitorais.
Vale lembrar que poucos dias depois da rejeição do habeas corpus anterior, os cinco ministros da Segunda Turma rejeitaram um novo recurso, por unanimidade, em - inconstitucional - julgamento virtual, sob o pretexto de que deveria se preservar o “princípio da colegialidade”.
O mais provável, portanto, é que a Segunda Turma rejeite o habeas corpus, sob o - falso - argumento de que a matéria já foi objeto de prévio pronunciamento do Plenário, o que acarretaria a prejudicialidade da pretensão recursal.
Antônio Carlos de Almeida (Kakay), advogado criminalista
O que vai ser julgado é o pedido suspensivo do recurso extraordinário, que foi impetrado pela defesa do ex-presidente Lula. Eu acho que, se o recurso extraordinário tem fundamentos sólidos, como parece ter, o correto é dar esse efeito suspensivo. Não tem nenhuma contradição se a segunda turma determinar a soltura dele, porque não estará julgando sob o mesmo argumento da análise daquele habeas corpus, que foi julgado no pleno. O que se pretende agora é dar o efeito suspensivo.
O argumento, sem sombra de dúvida, merecia ser acatado, seja pelo Superior Tribunal de Justiça seja pelo Supremo, porque me parece evidente que o doutor Sérgio Moro não tem competência para julgar um fato que ocorreu no Guarujá. Existe a expectativa de que esse juiz da 13ª Vara de Curitiba tenha jurisdição nacional. Isso fere, de forma direta e clássica, o princípio constitucional do direito ao juiz natural. Então, se essa questão for analisada pelo Supremo, e será analisada, mas se fosse analisada daqui a dois ou três anos, é absolutamente inconstitucional e ilegal que a pessoa fique presa esperando o julgamento, no qual terá grandes chances de ganhar. Eu entendo que, por esse aspecto, já que o que está sendo julgado é um pedido de efeito suspensivo ao recurso extraordinário, a Segunda Turma, se julgar com isenção, se julgar apenas o processo, sem olhar o nome de quem está na capa, como o ministro Marco Aurélio costuma dizer, entendo que deverá ser dado o efeito suspensivo e determinando a soltura do ex-presidente. Se fosse uma outra pessoa, se não tivesse essa carga toda por ser o ex-presidente Lula, eu não tenho dúvida de que ele não estaria preso nesse caso.
Fernando Hideo, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal
Na linha do que eu tenho sustentado sobre o processo, está claro que se fosse um caso julgado de acordo com a Constituição Federal, de acordo com as leis penais, essa condenação já teria sido revista pelo último habeas corpus ou, no mínimo, esse recurso da próxima semana seria julgado procedente para suspender essa condenação absurda. Mas não é um caso de julgamento conforme as leis. Portanto, acho que o ex-presidente Lula só vai retomar sua condição de cidadão e não mais de inimigo depois que as eleições terminarem. Essa é a estrutura da exceção: suspender e não eliminar os direitos do inimigo. E a proteção inerente a todo ser humano permanecerá suspensa em relação à pessoa do Lula pelo menos enquanto as eleições não estiverem definidas. Porque a liberdade do Lula impede a consumação do golpe. Um golpe dos interesses neoliberais, da força do poder econômico que direciona a mídia e as demandas do sistema de justiça hoje em dia. Um golpe que vitimou uma presidenta da República com um impeachment sem qualquer base legal, por pedaladas fiscais que a gente sequer compreende hoje em dia, sequer lembra o que são pedaladas fiscais. Um golpe que entregou nosso pré-sal para os interesses do capital financeiro internacional, ao contrário das políticas que vinham sendo implementadas em relação ao petróleo pelos governos do PT.
Enfim, é um fenômeno que transforma o sistema de justiça num aparato a serviço do poder econômico. E esse poder soberano do mercado não quer e não admite o Lula solto, fazendo campanha e muito menos como candidato. Então, o que eu tento mostrar, em síntese, é que essa perseguição à pessoa do Lula simboliza, na verdade, o combate à esperança de um governo popular.
Não é simplesmente o combate pontual a uma pessoa. É realmente, como ele bem sintetizou, o combate a uma ideia. Então, nesse contexto, eu penso que mesmo os ministros que desejam se manter fiéis à tarefa de fazer cumprir a lei e a Constituição Federal são coagidos pelo discurso midiático, que alimenta esse ódio a serviço do poder econômico.
Carol Proner, advogada e professora de Direito Internacional
Talvez seja o momento da justiça recuperar credibilidade. O recente julgamento do STF, que tinha como acusada a senadora Gleisi Hoffmann, é um exemplo do STF no papel que lhe corresponde, o de reconhecer direitos constitucionalmente assegurados e, no caso específico, o de corrigir o uso indevido da colaboração premiada como elemento probatório central, desamparado de outros elementos. A decisão corrigiu o uso indevido da que vem sendo considerada “mãe de todas as provas”, a colaboração premiada, acordos feitos sob pressão e tortura psicológica de réus presos ou sob ameaça de prisão cautelar e que têm sido utilizados como meio central de prova, mesmo sem a corroboração de outros elementos probatórios.
Decisão acertada e que sinaliza o que virá no futuro do processo contra Lula, pois que a colaboração premiada de Léo Pinheiro é o elemento central para o convencimento condenatório, mesmo em contradição com o depoimento de mais de 70 testemunhas e a ausência de provas da propriedade/posse/uso/fruição do triplex ou de recebimento de valores de qualquer espécie.
O que fará o STF na terça-feira? Caso decida guardar a Constituição, os direitos fundamentais e o devido processo, não lhe cabe outro comportamento que não o de decidir pela liberdade do réu. Não faltam argumentos, a começar pela presunção de inocência, somando-se a ausência de perigo em causar qualquer dano à justiça ou à sociedade.
Mas é o reverso da argumentação principiológica que confere o caráter de urgência ao pedido da defesa. Dado que o ex-presidente, candidato favorito às eleições de 2018, está preso, com os direitos restringidos por um processo precário, provisório, contestado e excepcional, quem poderá reparar os danos já irreversíveis ao réu e à democracia do país? Como diz a defesa, “De tão grave a situação, sequer existe mais o ‘iminente perigo’ de dano, eis que o dano já está consolidado, e seus perversos efeitos aumentam a cada dia em que o requerente se mantém injustamente no cárcere”.
A decisão, se favorável, terá efeito suspensivo da execução da pena, entrando em consonância com o princípio da presunção da inocência que, diga-se de passagem, também é reconhecido por brecha da Lei da Ficha Limpa para permitir que o candidato, caso permaneça preso, siga adiante na corrida eleitoral. Segundo especialistas e casos já decididos em inúmeros casos pelo TSE, a Lei da Ficha Limpa prevê que, havendo plausibilidade, o candidato pode seguir em frente. Todos sabem que o processo contra Lula é sumamente questionável, farto em argumentos de plausibilidade para o questionamento das condenações em instâncias primeira e segunda, de modo que o processo eleitoral se alargaria e Lula teria grandes chances de ser candidato e até de ser eleito, mesmo aprisionado.
Não fosse pela confiança no STF como guardião da Constituição, motivo suficiente para acreditar na decisão em favor do réu no dia 26/06, serve pensar que o Supremo terá sentido de responsabilidade de não permitir a continuidade de uma situação gravíssima. A insustentável situação de aprisionamento democrático chegará a um ponto limite ao longo dos meses de agosto e setembro, período em que será instalada verdadeira batalha jurídico-procedimental com o objetivo de retirar Lula das eleições em manobras escandalosamente fraudulentas, o que deixará, na justiça, a marca indelével do golpismo.