Quase cem anos depois e o petróleo ainda não é nosso

O escritor Monteiro Lobato, para muito além das Reinações de Narizinho e do Sítio do Pica-Pau Amarelo, foi um dos primeiros defensores do óleo brasileiro. Ainda em 1936, diante da resistência de Getúlio Vargas à exploração do petróleo, o escritor publicou O Escândalo do Petróleo, onde acusava o governo de "não perfurar e não deixar que se perfure".

A sede da Petrobras. Foto: Tania Rego/Agência Brasil
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A trama é bem mais antiga do que parece. Desde a invenção do automóvel que empresas estrangeiras querem explorar o óleo cru do Brasil para vendê-lo refinado de volta ao próprio Brasil, entre outros países. Assim, impõem os seus preços em forma de gasolina, gás de cozinha, diesel e o que mais for produzido. O escritor Monteiro Lobato, para muito além das Reinações de Narizinho e do Sítio do Pica-Pau Amarelo, foi um dos primeiros defensores do óleo brasileiro. Ainda em 1936, diante da resistência de Getúlio Vargas à exploração do petróleo, o escritor publicou O Escândalo do Petróleo, onde acusava o governo de "não perfurar e não deixar que se perfure". [caption id="attachment_134338" align="aligncenter" width="290"] Capa do livro "O Poço do Visconde", de Monteiro Lobato. Foto: Reprodução[/caption] O livro foi censurado por Vargas em 1937, mesmo ano em que Lobato lançava O Poço de Visconde, historinha infantil onde "ninguém acreditava na existência do petróleo nesta enorme área de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, toda ela circundada pelos poços de petróleo das repúblicas vizinhas". Por conta de sua intensa militância nacionalista, o inquieto escritor acabou em cana alguns anos depois, em 1941. O certo é que, conforme descreve o jornalista Carlos Russo Jr., no Jornal Opção, “com admirável sentido de luta, Monteiro Lo­ba­to conseguiu sacudir o Brasil de alto a baixo, apontando ao povo brasileiro os caminhos de sua emancipação econômica, lutas que se aprofundariam após a sua morte e que redundaram na fundação da hoje A Petróleo Brasil S/A (Petrobras), empresa criada em 1953, na fase populista do então presidente Getúlio Vargas, impulsionada pela campanha popular iniciada em 1946, sob o slogan de ‘O petróleo é nosso’". A campanha "O Petróleo é Nosso" [caption id="attachment_134336" align="aligncenter" width="300"] A campanha o Petróleo é Nosso. Foto: Arquivo[/caption] Longe de ser uma bandeira da esquerda, a campanha pelo monopólio do petróleo reunia em torno da recém-criada CEDPEN (Centro de Estudos e Defesa do Petróleo), intelectuais, estudantes, militares, civis, profissionais liberais, o ex-presidente Artur Bernardes e o general Felicíssimo Cardoso, nacionalista ferrenho que ficou conhecido como o “General do Petróleo”. Um editorial do jornal Informador Comercial, antecessor do Diário do Comércio, já esperneava, em 1948, contra a entrega do nosso petróleo a empresas estrangeiras: “Podemos muito bem avaliar a natureza dos argumentos daqueles que defendem a entrega dos nossos poços petrolíferos aos grandes trustes internacionais que o exploram por todo o mundo, constituindo um verdadeiro império, com os serviços policiais e militares às suas ordens, rede de espionagem e agências de informação sufocando movimentos populares e libertadores”. Do outro lado estavam expoentes da intelectualidade da direita acadêmica como Roberto Campos, apelidado carinhosamente de “Bob Fields” e o economista Eugênio Gudin, os chamados na época de “entreguistas”. Os dois acusavam os defensores da nacionalização de criar uma cultura de reserva de mercado e o monopólio estatal no petróleo ser um "fetiche de país subdesenvolvido". Uma cantilena que já ultrapassa 80 anos de existência. O fato é que a campanha do “Petróleo é Nosso” empolgou o país, envolvendo nacionalistas de todas as estirpes políticas. O final da história foi a assinatura, no dia 3 de outubro de 1953, da lei 2004, pelo então presidente Getúlio Vargas, que permitiu a criação da empresa Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras) e o monopólio estatal de pesquisa, refino e transporte do petróleo. Os "entreguistas" Os “entreguistas”, no entanto, nunca desistiram da rapadura. Michel Temer e o demissionário Pedro Parente que o digam. No entanto, ao que tudo indica, a questão é tão básica e fundamental que as consequências são instantâneas. E a greve dos caminhoneiros, que deixou o país em alerta nas duas últimas semanas, é uma prova incontestável disto. O documento emitido pela Associação dos Engenheiros da Petrobras, na quinta-feira (24), logo no início da greve, explica com clareza o que significa na prática entregar aos estrangeiros o petróleo ou parte dele, como o seu refino. Uma nota que foi elaborada para esclarecer uma questão pontual, acaba revelando a dimensão histórica de uma trama que, como se pode observar acima, se alastra por quase um século. De acordo com a nota dos engenheiros, “o diesel importado dos EUA que em 2015 respondia por 41% do total, em 2017 superou 80% do total importado pelo Brasil”. Com esta nova política, declara a Associação, “ganharam os produtores norte-americanos, os ‘traders’ multinacionais, os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil”, o que levou os engenheiros a batizarem a operação de “America first!”, “Os Estados Unidos primeiro!”. Lula, Dilma e a defesa do óleo brasileiro [caption id="attachment_134334" align="aligncenter" width="499"] Lula em ato em defesa da Petrobras, no Rio, em 2014. Foto: Ricardo Stuckert[/caption] Outro ferrenho defensor da empresa é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não à toa está preso. Em um histórico discurso, em 2014, durante ato em defesa do pré-sal, da Petrobras e do Brasil, no Rio de Janeiro, Lula disse que os brasileiros devem se orgulhar da estatal brasileira. "Fiz questão de vestir a camisa da Petrobras para este ato. Esta camisa deve orgulhar não apenas os petroleiros, mas também os brasileiros, por tudo que a Petrobras representa para esse País”, disse. Ele voltou a ressaltar a importância dos royalties para a evolução da educação brasileira. “O pré-sal é o passaporte para o futuro. Quem está contra os 75% dos royalties para educação e os 25% para saúde?”, questionou Lula. “Certamente, não é nenhum trabalhador, nenhum petroleiro, nenhum brasileiro que ama o Brasil”, completou. De maneira ainda ainda mais contundente e dramática, a presidenta deposta Dilma Rousseff declarou, logo após visita que fez a Lula na Superintendência da Polícia Federal, na última quinta-feira (31), no final da greve dos caminhoneiros e da suspensão da greve dos petroleiros: “Nós não podemos, com petróleo brasileiro, encontrado com a capacidade tecnológica brasileira, nós não podemos aceitar — interessante que os custos são em reais, o petróleo é uma riqueza da nação brasileira, não é da Petrobras, é de todos os brasileiros —, não podemos aceitar que uma estrutura industrial que o Brasil tem e que permitia que ele explorasse, através de suas refinarias, a produção de derivados, não podemos aceitar que dolarizem o petróleo brasileiro", desabafou. A PetroBrax [caption id="attachment_134337" align="aligncenter" width="399"] A marca Petrobrax. Foto: Reprodução[/caption] O recado é claro a todos os “entreguistas”, sobretudo os tucanos que, no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, tentaram mudar o nome comercial (marca) da empresa para PetroBrax. Segundo o então presidente da companhia, Henri Philippe Reichstul, o objetivo seria unificar a marca e facilitar o seu processo de internacionalização. A tal “internacionalização” deu com os burros n’água, encontrando resistência até entre aliados. FHC respondeu na época, através de seu porta voz, que "não tem nenhuma informação oficial sobre o assunto e, portanto, não vai comentar". Ciro e Requião Ciro Gomes (PDT), com a sua habitual e direta sinceridade é um dos que também deixa bem claro o que paira sobre as privatizações de estatais no país: “Nem pensar em privatizar Petrobrás e Eletrobrás. Não é questão de esquerdismo infantil. Brasil e Venezuela têm petróleo excedente e os EUA consomem mais petróleo do que produzem. Por que vamos entregar isso aos estrangeiros? Isso é estratégico, é uma vantagem que vamos ter de usar por 30 anos”, avisou. Outro que defende com unhas e dentes a estatal é o senador Roberto Requião (PMDB). Para ele, “o pré-sal é a Disneylândia das petroleiras mundiais porque a extração do barril de petróleo custa três dólares, enquanto o barril está sendo vendido a 50, 60 dólares”, afirmou o peemedebista. “Por isso que jamais deveria haver uma multinacional tomando aquilo que é do Brasil, que o país tem condições de operar”, denunciou o senador. E é assim, andando em círculos, que o Brasil parece patinar entre um projeto de desenvolvimento ou cumprir um destino terceiro-mundista de mero fornecedor de commodities e mão de obra barata. Um pais que, ao se olhar o passado com lente de aumento, encontramos aqui e acolá, uma elite nacionalista, mais astuta, bem preparada e honesta do que a de agora, quase cem anos depois.