Salvo as grosserias, ‘O Mecanismo’ pode ser vista como uma comédia involuntária, por Pedro Serrano

É um filme na ótica da “nova direita”, que inicialmente ataca a esquerda e nos últimos episódios ataca o Estado e a política

Selton Melo em cena da série "O Mecanismo. Foto: Divulgação/Netflix
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Por Pedro Estevam Serrano* Acabei de assistir a série “O Mecanismo” Ainda deglutindo, mas deveriam retirar a referência de ser o filme fundamentado em fatos reais. Em verdade é mais um mix de apologia à PF com fofocas de mídia, sendo alguns eventos acintosamente falsos, que passam longe dos fatos. Ao “preferir um lado” o filme perde em complexidade, o cinema brasileiro ainda fica devendo um filme que realmente retrate o ocorrido em toda sua complexidade, talvez porque ainda estamos muito perto de tudo, tudo muito presente, sem o distanciamento que grandes obras sobre momentos históricos exigem. Particularmente achei difamatória a forma como tratam a advocacia. Falar que o personagem que representa um grande criminalista, falecido e que não está mais aí para se defender, é um “vendedor de falcatruas” me pareceu, além de muito injusto, uma agressão desnecessária e desmerecedora de todos que tem por oficio a defesa de cidadãos ante o Estado, tema, aliás, não abordado nesta temporada, o que é um pecado imenso. Parte significativa do meio jurídico e ativista critica os abusos ocorridos, a ótica do filme é profundamente autoritária, nesse aspecto. Os atores e os aspectos técnicos são melhores que o filme anterior. Um filme na ótica da “nova direita”, que inicialmente ataca a esquerda e nos últimos episódios ataca o Estado e a política. Um detalhe interessante é como a casa de políticos é sempre finamente decorada enquanto a dos juízes, procuradores e delegados são empobrecidas, estilo classe média baixa, o que nem de longe corresponde à realidade. Mesmo sob a ótica autoritária de direita, simplificadora do real, a série poderia ser melhor realizada como entretenimento. Para quem acompanhou os meandros do caso, salvo as grosserias, poderá ser vista como uma comédia involuntária. *Pedro Estevam Serrano é Advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa