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Por Cláudia Motta, na RBA
Nunca antes na história desse país um presidente da República cruzou uma praça nos braços do povo, para ser conduzido ao seu hotel em segurança. Assim, de forma apoteótica, terminou o tenso dia da Caravana Lula pelo Brasil do Brasil, em sua passagem por Chapecó, a 550 quilômetros de Florianópolis. Antes, na capital catarinense, o ex-presidente já havia sido recebido por milhares de pessoas em ato público em defesa da educação.
Desde a manhã de sábado (24), muitos rojões estouravam no quarteirão onde estava sendo montado o palco para o ato da caravana. Tratores foram estacionados sem cerimônia e a fita amarela que fechava a rua para informar do trânsito interrompido foi arrancada pelo grupo que vem tentando sabotar a Caravana pelas cidades desde o dia 19, em Bagé no Rio Grande do Sul, e agora em Santa Catarina. Dois fenômenos em comum marcam esses episódios: a “incapacidade” das polícias de coibir as ações de uma minoria e a naturalidade como a imprensa comercial, tanto a local quanto a nacional, mencionam as hordas fascistas, como se fossem “manifestantes”, dando a entender equivalerem, em número e grau, às multidões que acolhem a caravana.
Em Chapecó, a vida de trabalhadores que montavam as estruturas estaria em risco, não fossem cidadãos que se mantiveram firmes no local, desviando o trânsito e organizando o evento apesar dos xingamentos e ameaças. A professora Ziguue Timm é uma dessas pessoas. “Viemos de manhã para ajudar na montagem do caminhão de som, do palco. E aí veio o pessoal Movimento da Ditadura Cívica Militar e colocou dois tratores na praça. Fomos pedir para tirar porque a praça estava reservada para receber o ato com o Lula”, conta a professora. “Eles não atenderam e ameaçaram, dizendo que hoje ia rolar sangue, que aqui em Chapecó já se queimou uma igreja, se matou muita gente. Pessoas incitando o ódio, não sabem lidar com essa diferença.”
A polícia chegou muito tempo depois. Os tratores foram retirados, mas os agressores foram somente transferidos para o outro lado da rua e passaram toda a tarde soltando rojões em direção à praça, lançando garrafas, ovos. O policiamento, cujo Comando ficava exatamente no local do violento protesto, assistia à cena fazendo uma barreira entre a rua e a praça.
Diante desse quadro, parte da ameaça foi cumprida. O professor de Educação Física Abel Karezek foi atingido por uma pedra na cabeça quando se dirigia para o ato e perdeu muita sangue. O dirigente petista Paulo Frateschi, um dos organizadores da Caravana, perdeu parte da orelha também por uma pedrada.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve problemas para deixar o hotel porque uns poucos manifestantes barravam a saída, jogando bombas. O ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad, relatou terem tentado agredi-lo enquanto caminhava para a praça. E lembrou da garota que em Cruz Alta foi agredida por homens que a chutaram a ponto de ter de ser internada com hemorragia no rim.
“E eu vi aqui essa moçada que parece que quer ganhar a eleição no tapetão, com violência tentando intimidar pessoas que democraticamente vêm a uma praça discutir educação, saúde, habitação. Se eles querem voltar no Bolsonaro, que votem no Bolsonaro e arquem com as consequências de eleger o Bolsonaro, como a Alemanha arcou com as consequências de eleger o Hitler, a Itália por eleger o Mussolini”, ressaltou, num discurso forte. “Inaugurei aqui o campus do Instituto Federal e não posso vir visitar Chapecó? “Será que o presidente Lula não pode andar por esse país em paz?”, questionou, indignado.
Nos braços do povo
Lula chegou à praça lotada por jovens, idosos, homens, mulheres, crianças, famílias inteiras. Apesar da forte chuva, o povo ouviu o ex-presidente por mais de 40 minutos. Ria das muitas brincadeiras de Lula, que mesmo bem humorado não deixou de responder aos ataques sofridos. “Somos paz e amor, mas não pensem quem vamos dar a outra face.”
Lula ironizou os agressores que soltavam rojões durante o ato e tentaram fazer o mesmo na cabeceira da pista de pouso quando ele chegou à cidade, vindo do grande ato na cidade de Florianópolis. “Eu nunca tive direito de ter um rojão na minha campanha, agora estou percebendo que a oposição está soltando rojão em minha homenagem. Acho bom guardarem rojão para soltarem na minha vitória.”
O ex-presidente lembrou de todas campanhas das quais participou. “Vocês nunca viram o PT atrapalhar um comício de um partido adversário. A lei estabelece que um partido para fazer atividade qualquer, tem que requisitar o local e uma vez concedido é direito de fazer e se outro partido quiser fazer, que procure outra praça.”
Sobre os agressores, Lula classificou-os de herdeiros políticos do fascismo. “Não conseguem juntar gente para fazer comício e tentam impedir que as pessoas façam debate. E o que é mais grave, se tivessem passado fome uma vez na vida, estariam comendo em vez de tacar ovo, estariam fazendo omelete.”
Lula aproveitou a presença de jornalistas argentinos cobrindo a caravana e prestou sua solidariedade ao povo da Argentina que se manifestava em memória às vítimas da ditadura.
E retomou o debate sobre as agressões, em reconhecimento ao povo que sofreu na praça por horas. “Eu às vezes fico pensando qual o ódio que eles têm de nós. Um bando de moleques que nunca trabalharam. Certamente nunca passaram no Enem e estão incomodados porque filho de camponês passou. Essa gente me desculpe, mas se tivesse o mínimo de decência, estaria beijando o meu pé. Estariam limpando a calçada onde passei porque nunca teve um presidente investiu em Santa Catarina como nós investimos em 12 anos de mandato de PT.”
Sobre seu julgamento, Lula afirmou não estar acima da lei. “Mas também não estou abaixo de nada. Quero defender o meu direito. Eles sabem que se eu for candidato eu ganho as eleições no primeiro turno e eles sabem que vou recuperar esse país. Nós vamos fazer referendo revogatório ou constituinte para desfazer toda a desgraceira que a direita fascista fez depois de derrubar a Dilma. O povo vai viver melhor”.
A essa altura, diante da resistência do povo na praça, os fogos já tinham silenciado. Em gesto de gratidão e reconhecimento da importância dos governos de Lula e Dilma Rousseff para Chapecó e Santa Catarina, o povo cercou o ex-presidente e, entoando o tradicional “olê, olê, olê, olá, lula, lula”, o levou até a porta do hotel e a salvo de seus agressores.
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