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Ex-deputado é responsável por um precedente no STF que marcou a virada de voto do ministro Gilmar Mendes sobre o cumprimento antecipado da pena, invertendo o placar na Corte sobre a prisão em segunda instância.
Da Redação*
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, voltou a protagonizar um caso de repercussão nacional no Supremo Tribunal Federal (STF). Desta vez, como advogado responsável por uma decisão que pode beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pedido de habeas corpus de Lula para evitar a prisão em segunda instância menciona a decisão obtida por João Paulo e chegou ao Supremo na sexta-feira (2). As informações são de Andrea Jubé, do Valor Econômico.
João Paulo tornou-se advogado após a condenação no mensalão. Agora contratado pelo escritório do criminalista Luís Alexandre Rassi - defensor de implicados nas Operações Lava-Jato, Pausare, Navalha e Zelotes -, a dupla é responsável por um precedente no STF que marcou a virada de voto do ministro Gilmar Mendes sobre o cumprimento antecipado da pena, invertendo o placar na Corte sobre a prisão em segunda instância.
Embora a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, tenha afirmado que não incluirá na pauta do plenário as ações relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello para rever a jurisprudência da Corte, firmada em 2016, que permitiu a prisão antes do esgotamento dos recursos, essa discussão será retomada pela via do habeas corpus, caminho escolhido pelos advogados de Lula.
O precedente obtido por João Paulo e pelo advogado Luís Alexandre Rassi trata-se de um habeas corpus, concedido em agosto de 2017 pelo ministro Gilmar Mendes para impedir a prisão de um empresário mineiro condenado na segunda instância. Com essa decisão, Gilmar mudou seu posicionamento sobre o tema. Um ano antes, ele havia acompanhado a maioria do plenário para permitir o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado.
Nessa decisão, Gilmar argumentou que acompanharia o entendimento do ministro Dias Toffoli de que a execução da pena deve ficar suspensa, pelo menos, até o julgamento do recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão revogou ato do vice-presidente do STJ, Humberto Martins, que havia determinado a prisão do cliente de João Paulo e Rassi. Martins é o mesmo ministro que negou habeas corpus a Lula há uma semana.
“Foi uma surpresa positiva porque, pelo ordenamento jurídico, a rigor, deve ser cumprido o trânsito em julgado, a presunção de inocência é um preceito constitucional”, argumenta o ex-deputado, que continua filiado ao PT, embora afastado da política.
A virada de voto de Gilmar gerou a expectativa de inversão do placar de seis a cinco, que firmou a jurisprudência permitindo a prisão em segunda instância.
Se os ministros vencidos naquele julgamento mantiverem os mesmos votos, forma-se uma maioria favorável contra a execução antecipada da pena. Gilmar alinhou-se à corrente de pensamento de Celso de Mello (decano), Marco Aurélio, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Resta ainda o voto de Alexandre de Moraes, que não integrava a Corte em 2016.
Na petição de habeas corpus, os advogados de Lula requerem que a Segunda Turma do STF analise o pedido. Com exceção de Edson Fachin, que é relator do pedido, os demais integrantes são contrários à prisão em segunda instância: Gilmar, Celso de Mello, Dias Toffoli e Lewandowski.
No caso de Lula, João Paulo acredita em uma reversão do acórdão do TRF-4, que condenou o ex-presidente a uma pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado. “Os três juízes sentenciaram uma pena comum, com o detalhe até do mês”, critica. “Alguma coisa está fora aí, além de ser uma pena muito alta, outros temas deverão ser apreciados, como a prescrição”, diz João Paulo.
Luís Rassi - que também representa o senador cassado Demóstenes Torres -, sustenta que o crime de corrupção atribuído a Lula pelo triplex no Guarujá está prescrito. Segundo o criminalista, se a sentença do juiz Sergio Moro remete o “ato de ofício” - como a nomeação de diretores da Petrobras - a 2006, o fato estaria consumado naquele ano. Como o ex-presidente tem mais de 70 anos, a prescrição cai à metade, reduzindo-se a dez anos. Por esse raciocínio, Rassi afirma que o crime de Lula estaria prescrito em 2016.
Questionado se os discursos inflamados dos petistas e do próprio Lula contra o Judiciário, acusando de “farsa” o julgamento do TRF-4 não prejudicam a defesa do ex-presidente, João Paulo diz que cabe à direção do PT avaliar a posição política que vem sendo adotada. “É de inteira responsabilidade da direção do partido essas manifestações, e eu não faço mais parte dela”, ressalta.
João Paulo argumenta, ainda, que o STF extrapolou os limites do Judiciário quando firmou a nova jurisprudência em 2016. Ele alega que o Congresso passou mais de 17 anos discutindo a reforma do Código de Processo Penal, que foi sancionada em 2011. Durante todo esse período, segundo ele, nunca se abordou nenhuma mudança sobre o cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado.
“Por isso a decisão de 2016 é completamente extemporânea. Se de fato o STF quisesse mudar a jurisprudência, deveria ter o cuidado de observar que quem faz essa mudança é o Legislativo. O STF avançou um pouco o sinal”, afirma. “E se a decisão [contra Lula] for revertida, e o prejuízo pessoal, político, psicológico? É razoável admitir que há uma divisão no mundo jurídico. Os questionamentos são tecnicamente razoáveis, é prudente que o Judiciário leve isso em conta”.
Depois de presidir a Câmara entre 2003 e 2004 e ter a liberdade restringida, ainda que em regime semiaberto, João Paulo não pretende retomar a vida partidária nem disputar cargos eletivos. Após lançar um livro de poemas em 2015, ele prepara agora um volume de memórias, que abordará, inclusive, os meses que passou detido na penitenciária da Papuda, próximo a Brasília.
João Paulo apresenta-se, agora, como um “observador privilegiado da cena política”. “Posso falar o que acho sem estar vinculado a nenhum grupo, posso falar o que quiser”. No entanto, evitou responder se acha que Lula deve ser candidato à Presidência ou se o PT cometeu erros no passado: “Não é o momento para eu falar”, esquivou-se.
João Paulo foi condenado por envolvimento no mensalão a uma pena de seis anos e quatro meses pelos crimes de corrupção e peculato, sendo absolvido da acusação de lavagem de dinheiro. Detido em fevereiro de 2014, ele cumpriu pena em regime semiaberto até 2015, período em que concluiu a faculdade de direito que havia iniciado em Osasco (SP).
Antes mesmo de se formar, começou a trabalhar no escritório de advocacia Luís Alexandre Rassi & Romero Ferraz, onde continua atuando. Dedicado aos estudos, ele foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados na primeira prova a que se submeteu. “Escreva que passei de primeira [na prova da OAB]”, recomenda, sobre o exame apontado como um dos mais difíceis do país.
*Com informações do Valor Econômico
Foto: Agência Câmara