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POLÍTICA
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[caption id="attachment_145179" align="alignnone" width="640"] Foto: Reprodução/TV Globo[/caption]
Por Daniel Trevisan Samways*
Muita tinta, ou melhor, muitos caracteres e bytes já foram gastos para prever o que será o novo governo. Analistas, jornalistas, cientistas sociais e astrólogos já deram o seu pitaco. Até espíritas já se aventuraram em afirmar que Sergio Moro é a encarnação do famoso espírito Emmanuel e que vai conduzir o país para seu verdadeiro rumo. Os tempos, para alguns, se mostram sombrios. Para outros podem ser uma boa oportunidade de negócios, como diz uma dessas propagandas da Sei Lá o Quê Investimentos. Comprar ou vender dólares? Eis, a questão. O fato é que o novo governo, que já começou lá no Centro Cultural Banco do Brasil, mostra, dia após dia, aspectos autoritários e que se alguém pode ganhar alguns trocados vendendo ações, um punhado de gente pode sofrer na pele o peso da repressão.
Não vou entrar na área econômica, até porque não é minha especialidade, mas acredito que o modelo apresentado por Paulo Guedes e suas ipiranguetes pode ser, além de um grande fracasso, um verdadeiro retrocesso social e aprofundar ainda mais a desigualdade em nosso país.
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Meu foco é na Educação e na Justiça, onde, acredito, estarão os maiores gargalos do novo governo. Se o governo será liberal na economia, nessas duas pastas teremos um grande peso do Estado e uma intervenção de grande força. Liberalismo raiz só lá fora. Aqui impera essa coisa rastaquera de “liberal na economia e conservador nos costumes”. Logo, alguém precisa criar novas leis e novos cargos para os vigias. Já sabemos quem será a “polícia ideológica”.
Olavo de Carvalho, aquele astrólogo de quem eu e você debochávamos nos idos tempos do Orkut, ganhou força e, além de mandar todo mundo pra aquele lugar, agora virou consultor de governo. Quem diria que o nobre aspirante a filósofo chegaria a indicar dois ministros. Será que um dia Tiririca terá esse poder? Não debochem, seus abestados. Quando placas se espalhavam nas manifestações com os dizeres “Olavo tem razão”, pouca gente deu atenção para o novo fenômeno. O astrólogo-filósofo vinha formando uma legião de seguidores bem na nossa frente, ganhando cada vez mais adeptos e se espalhando como os gremlins pela mídia e na internet. O grande problema nunca foi Olavo e as olavetes serem de direita. É mais do que necessário para qualquer democracia consolidada uma direita consistente e que defenda o verdadeiro liberalismo, aquele que deixaria John Rawls feliz da vida. O problema de Olavo é o falseamento da realidade e a negação do conhecimento científico, atacando quem pensa diferente. Pior, desmerecendo estudos sérios e consolidados em diferentes áreas. Aquecimento global? Tudo balela para impedir o crescimento de países vinda de teóricos “globalistas”, que também patrocinam o Foro de São Paulo, aquele organismo com tentáculos internacionais e orquestrado pelo PT com soldados cubanos disfarçados de médicos. Para além da indicação do ministro da Educação, Olavo de Carvalho popularizou um tipo de conhecimento pronto e embalado sobre a realidade, algo que ninguém sabia e foi desvelado para pobres mortais. Ele acabou por criar uma chave interpretativa para os problemas do país e emplacou sua teoria, a qual se tornou a única forma possível de ver e interpretar a realidade para milhões de pessoas, como bem demonstraram João Brizzi e Fabricio Pontin, no The Intercept. Claro que ele acabou por requentar um caldo nada novo, com inimigos imaginários, doses cavalares de conspirações internacionais, nacionalismo furado e filosofia de boteco. Agora temos um governo, eleito por 57 de milhões de pessoas, que defende que a culpa de todos nossos problemas é de um certo “marxismo cultural”, o qual patrocina desde uma revolução ocorrida antes de Marx até o feminismo e o “globalismo”. É uma teoria que explica tudo sem se aprofundar em nada. Não precisa. Basta um vídeo no YouTube e uma dúzia de memes que vão alimentar outros vídeos, outros memes. Infelizmente, acabam por formar “mentes”.
Só que o novo governo não será apenas de memes. Antes fosse. Ele tentará transformar sua visão de mundo em uma política de Estado, algo próximo do que aconteceu na Revolução Cultural na China, como apontou Rosana Pinheiro-Machado. Se ele não pode (ainda) sair prendendo professores, estudantes, jornalistas e intelectuais, ele terá controle sobre a seleção de material didático e pode exigir que sejam aceitos apenas livros que relativizem a escravidão e transformem a ditadura em movimento. Também podem dizer que a divisão de classes foi invenção do PT. É demais pra você? Pois é, mas ele pode fazer. Recontar a história é uma arte de líderes autoritários, de esquerda e direita. O movimento vem em cascata com o “Escola sem Partido”. Professores com medo podem não questionar o que dirão os novos materiais e as novas diretrizes. Alunos entrarão na universidade a partir de exames que exigirão apenas conhecimentos objetivos e vão acreditar que seus professores não sabem nada, que o verdadeiro conhecimento está na internet, pronto, embalado e resumido. Tudo quentinho. Eventos acadêmicos, com debates interessantes e profundos, vão precisar, como sempre precisaram, de recursos oficiais, mas talvez eles não sejam liberados para assuntos vistos como “ideológicos”. Muita coisa cabe nessa cesta, desde história até o aquecimento global. As universidades também podem ter seus espaços cerceados e impedidas de abrigar tais eventos, mesmo que pagos com dinheiro dos participantes. A Justiça já demonstrou que com poucas canetadas consegue fazer um estrago significativo nessa área. E se a universidade se mostrar resistente, a chefia pode ser acusada de, além de cooperar com o “marxismo cultural”, também ser corrupta. E no jogo pelo poder, sempre existem pessoas dispostas a colaborar em troca de cargos. Tenham certeza, elas não são poucas. Bolsonaro já afirmou que vai analisar a escolha dos reitores e não vai indicar necessariamente o mais votado.
Na Justiça, teremos um ministério composto por pessoas que acreditam cumprir uma missão de limpar o país da corrupção e que tudo vale nessa empreitada, mesmo que contra a lei. Para Moro e sua patota, o país foi tomado de assalto por grupos corruptos e eles devem ser combatidos com todas as forças, inclusive ilegais se preciso for. O TRF-4 afirma que são apenas medidas excepcionais. Entendam como quiserem. O ideário inquisidor que norteia o grupo é assustador. A grande pergunta a ser feita é quem será o alvo depois de Lula. A depender do modus operandi da Lava Jato, Moro, como vai comandar a Polícia Federal, pode partir pra cima de qualquer um, qualquer grupo ou organização. Mas provas são necessárias, não? Bom, elas podem vir depois e se não forem encontradas, sempre existem “atos de ofício indeterminados” e um "domínio do fato" em qualquer gaveta. E uma transação financeira suspeita já é muito para conduzir alguém de forma coercitiva. Além da Polícia Federal, Moro vai ter nas mãos o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que permite acesso a todas as transações financeiras de qualquer cidadão ou partido. Não ficaria surpreso se o próximo passo fosse uma cruzada contra o PT. Depois de ser massacrado durante anos com a AP 470 e a Lava Jato, Lula era o favorito para a eleição desse ano e mesmo com sua principal liderança preso, o PT conseguiu ir para o segundo turno, alcançando 47 milhões de votos, e também elegendo, por enquanto, a maior bancada. O desempenho do PT em 2018 está longe de ser pouca coisa apesar da derrota. Agora, a conta dos setores reacionários e autoritários pode ser em relação à próxima eleição e a força que Haddad pode acumular, se não for condenado até lá. Retirar o PT da jogada pode ser uma opção para alguns grupos. Cassar o registro de um partido não é tão difícil quanto parece, basta vincular recursos do exterior ou alguma ilegalidade qualquer. Se não existir, inventa.
Tudo isso é difícil de acontecer, mas podemos dizer com segurança que é impossível?
Claro que teremos resistência e nem tudo está perdido, como pode parecer para quem chegou até aqui. O campo democrático e progressista tem, sim, força para resistir e enfrentar o que vem pela frente. Tudo depende de como ele vai se articular e se unir para isso.
Bom, janeiro está logo ali na frente.
*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM)
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