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[caption id="attachment_144470" align="alignnone" width="700"] Foto: Nunah Alle/PSOL[/caption]
Por Leonardo Aragão*
Após a derrota eleitoral de Fernando Haddad (PT) na disputa presidencial contra Jair Bolsonaro (PSL), os setores organizados no campo progressista, partidos políticos e movimentos sociais mergulharam em um período de reflexão sobre os caminhos a tomar diante da situação inédita que o país viverá a partir de 2019, tendo um governo de extrema direita eleito pelo voto popular comandando os destinos do país.
Uma das poucas certezas trazidas pelo segundo turno presidencial, horas depois do anúncio do presidente eleito, foi a palavra de ordem erigida para os tempos bicudos que estão por vir: resistência. Combater diuturnamente cada medida, cada retrocesso, todo passo dado pelo futuro governo no sentido de exterminar direitos econômicos, sociais e até mesmo o direito de existência, de viver, sobretudo dos grupos atacados nos 30 anos de atuação parlamentar de Bolsonaro, como as mulheres, população negra, indígenas e LGBTIs.
A pergunta que se faz, e este artigo pretende levantar algumas hipóteses nesse sentido, é que tipo de resistência será feita ao governo Bolsonaro? Quais as formas de luta e iniciativas serão materializadas para, de fato, combater o projeto fascista que se instalará no Palácio do Planalto a partir de janeiro?
É preciso reconhecer e compreender os limites do discurso de resistência adotado após o golpe que depôs Dilma Rousseff em 2016. Em que pese o PT ter eleito a maior bancada de deputados federais e o maior número de governadores, o antipetismo se consolidou como um fenômeno real nas eleições de 2018. Boa parte da população, inclusive pessoas que já apoiaram o PT em outros tempos, não possui mais identificação com as narrativas adotadas pelos dirigentes partidários, sindicalismo e movimentos organizados. Não se trata apenas de uma questão de conteúdo, mas também de linguagem.
A oposição ao governo de Michel Temer já mostrou sinais de que algo diferente precisava ser feito. Ainda que retrocessos tenham sido impedidos, e a ação parlamentar tenha sido decisiva, isso não representou em acúmulo de forças nas ruas, ou em mobilizações sociais que envolvessem de forma significativa setores da sociedade além da própria militância.
A composição de uma ampla frente em defesa da democracia passará por entender a importância de voltar a dialogar de forma direta e franca com o povo. Os movimentos sociais organizados e partidos políticos de esquerda necessitam atualizar urgentemente seus mecanismos de comunicação e participação em suas instâncias decisórias, deliberativas e núcleos de base. Arejar suas pesadas máquinas burocráticas, atualizar os processos de diálogo com as bases de sindicatos e entidades e renovar as lideranças partidárias são tarefas urgentes para o enfrentamento vindouro. Devemos saudar, por exemplo, as eleições de jovens quadros combativos e progressistas, como Sâmia Bonfim (PSOL/SP), Talíria Petrone (PSOL/RJ), Natalia Bonavides (PT/RN), Túlio Gadêlha (PDT-PE) e Tábata Amaral (PDT/SP).
Todo revés traz oportunidades e aprendizados, e dessa vez não é diferente. A reta final do segundo turno aproximou do petismo setores que tinham rejeição ao PT, temerosos pela ameaça iminente da ascensão do bolsonarismo. Ações espontâneas e de caráter militante, capitaneadas por estudantes, professores, profissionais liberais, sem-terra, sem-teto, organizações de atuação nas periferias e personalidades do mundo artístico, entre outros, produziram uma energia pulsante e que chegou a dar a esperança de ser possível uma virada na última hora em prol de Fernando Haddad, liderança incontestável que sai muito maior do que entrou na eleição.
Portanto, a cautela é importante ao avaliar certos movimentos de partidos progressistas, como o PDT, PSB e PCdoB, que buscam articulações na arena parlamentar. Ainda que declarações recentes de Ciro Gomes, presidenciável do PDT, sejam questionáveis, em especial nas referências ao MST e pautas identitárias, tais siglas não têm a obrigação de aguardar os movimentos do PT para se movimentar, visto o cansaço de parte da sociedade, sobretudo a classe média, com o discurso petista. Até pela sua força, tamanho e enraizamento de base, será impossível para qualquer movimento real de resistência blocar contra o governo de Bolsonaro sem a participação do PT. Portanto, estão corretas as declarações de Lula e da presidenta Gleisi Hoffmann de aparar eventuais arestas e destacar a relevância de outros atores no jogo político além dos quadros do partido, como o próprio Ciro Gomes.
Considero importante a formação de uma frente parlamentar em âmbito federal e nos estados e municípios, onde for possível, entre PT, PCdoB, PDT, PSB e PSOL, com destaque especial à atuação deste último no projeto interessantíssimo encabeçado por Guilherme Boulos e Sônia Guajajara e, a partir do perfil mediador e de liderança de Fernando Haddad, fortalecer contatos com nichos do PPS, Rede e até mesmo do PSDB, descontentes com a guinada à direita a partir da eleição de figuras como João Doria, visando a identificação de pautas comuns e temas onde há margem na formação de um bloco de resistência parlamentar, articulando interesses sem abrir mão de lutas como a libertação de Lula, sem descuidar dos meios de expressão dessas palavras de ordem, ampliando-as além da “bolha” militante.
Em paralelo a isso, retomar as atividades de rua conclamando os artistas, celebridades e personalidades do mundo político/jurídico que se manifestaram a favor de Haddad a seguir construindo agendas em defesa da democracia e dos direitos humanos em sua amplitude, estabelecendo pontes com o cidadão comum e buscando explicar o caráter nefasto e antipopular das medidas do programa de governo bolsonarista para quem não se dispõe a escutar tais mensagens quando oriundas de partidos políticos, pode ser um bom começo na tentativa de criar um clamor social bloqueador de tentativas de fechamento do sistema político e criminalização de partidos e movimentos como o MST, já a partir de 1º de janeiro.
É uma tarefa árdua o restabelecimento de pontes com ao menos parte daqueles que hoje nos rejeitam, atacam e ironizam as políticas públicas dos 13 anos de governo petistas como maléficas e destruidoras do país. Difícil até do ponto de vista psicológico, depois de tanto sofrimento assistindo ao golpe contra Dilma e o desmonte do Estado que começou com Temer e continuará com Bolsonaro. Porém, a divisão do país criada pela direita nacional desde 2014, que acabou nos isolando dentro das bolhas cujos integrantes pensam exatamente como nós, só interessa aos agentes do caos, que terão acesso à máquina estatal e, portanto, muito mais condições de continuar na marcha de prensa da esquerda brasileira. Precisamos resistir de verdade.
*Leonardo Aragão é jornalista graduado pela PUC-SP e especialista em gestão pública pela Unicamp. Foi assessor para a Participação Social no governo da presidenta Dilma Rousseff