Escrito en
POLÍTICA
el
[caption id="attachment_142960" align="alignnone" width="700"] Foto: Agência Brasil[/caption]
Por Daniel Trevisan Samways*
Regimes ditatoriais precisam de várias peças para funcionar. Um ditador poderoso não sobrevive sem apoio, e de nada adianta a força se não houver o consenso. Todas as ditaduras são marcadas pela violência, mas também são fortemente atravessadas pelo clima de comoção, pelo entusiasmo com o novo governo e tudo que ele promete fazer.
Dentro dessa estrutura, existem os funcionários de alto escalão, aqueles que ladeiam o ditador. São conselheiros, ministros, assessores. São pessoas da alta confiança e estiveram, normalmente, desde sempre ao seu lado. Existe, no meio, toda a burocracia oficial. Funcionários públicos que já estavam no governo anterior e conseguiram manter seu cargo graças ao silêncio e omissão no processo de transição. O seu medo lhe garantiu o emprego. Novos funcionários chegam, muitas vezes pela proximidade e contatos com os altos funcionários. Essa burocracia é que torna a ditadura possível. É o burocrata que aperta o botão do choque ou que emite um relatório da espionagem. Ele pode cumprir seu papel por entusiasmo ou simplesmente por alguns trocados no fim do mês. Pode ser um admirador do ditador, cumprindo com zelo sua função, ou apenas alguém que teme o desemprego ou retaliações. Mas sua função continua contribuindo para que a ditadura funcione e perpetue a violência.
Mas uma ditadura não se faz apenas com funcionários de alto escalão ou com a burocracia, composta de agentes públicos de menor importância. Ela se faz nas ruas, com apoio popular. Mesmo que a ditadura sempre use da violência e da coação de indivíduos, os quais temem e se escondem para salvar a própria vida, ela também se faz com a adesão sincera, com o consentimento e o apoio de parcelas significativas da população. Setores da mídia e de diferentes classes sociais se entusiasmam fortemente com as promessas de um governo que afirma defender os “interesses nacionais”, “o povo”, “a ordem” e “a união”. Podem parecer chavões velhos, saídos da Guerra Fria – e, em parte, são mesmo -, mas eles têm um peso enorme no imaginário popular, o qual foi bombardeado com a construção de “inimigos da nação” e que ameaçam os “verdadeiros valores” em momentos de crise. Esse apoio popular acaba por criar o sujeito paranoico, aquele que se sente ameaçado por diferentes grupos sociais, os quais são tratados como inimigos. Tais inimigos são associados a seres horripilantes, assustadores, sem escrúpulos, que agem nas sombras e escondidos, mas presentes em todas as esferas da sociedade, portanto, ameaçando todos os cidadãos de bem. Esses sujeitos paranoicos aderem de forma sincera à ideologia fascista porque ela promete a união de toda a nação contra o mal, o inimigo. Aquele que era o “ninguém” até pouco tempo, torna-se parte de um movimento maior, defensor de um líder que anuncia a salvação e a segurança, de um movimento que lhe dá sentido à vida. Elias Canetti, em “Massa e Poder”, analisou a formação da “massa” e como pertencer a ela cria uma sensação de segurança, de união com seus semelhantes. O paranoico se baseia em uma propaganda elaborada pelos líderes do movimento e acredita apenas nela, abandonando a criticidade. A veracidade está apenas naquilo que vem do partido, do movimento, do líder. Essa propaganda, falsa em quase toda sua totalidade, ganha ares de verdade. As notícias e o bom jornalismo são sempre vistos como a mentira, elaborada a partir da articulação dos inimigos, como a tentativa de atingir o líder, sempre visto como o único capaz de vencer o mal. Para esse sujeito, a chegada do líder ao poder é o único caminho possível e fará de tudo para que isso aconteça, agindo, se preciso for, como membro de uma verdadeira tropa de assalto.
Em que medida caminhamos para isso no atual cenário brasileiro? Tudo ainda é muito nebuloso. Como diria o Barão de Itararé, “há algo no ar além dos aviões de carreira”. Bolsonaro e seus aliados já deram diversas demonstrações de que sua campanha aderiu a práticas fascistas e que podem combater inimigos com toda a força. Bolsonaro prometeu uma verdadeira faxina e afirmou que “marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”. Quem vai definir quem serão os marginais? Os novos ministros do STF que ele prometeu nomear? Ou os atuais? Quem vai carimbar o passaporte para o exílio? Ou sairemos sem cidadania, como apátridas? Quem irá nos denunciar? O vizinho ou colega da mesa ao lado? Partidos de esquerda serão extintos, para o “bem da nação”? O Escola Sem Partido vai virar lei? Quem será o fiscal? Alunos vão denunciar professores subversivos? Quem virá para nos prender? Caminharemos livremente? Nada é certo e nossas garantias estão em suspenso.
Nossa única certeza é que a luta antifascista é urgente. Precisamos defender a democracia, a pluralidade e a liberdade. Do contrário, será a barbárie. Será o fascismo.
*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM)