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A mãe do ex-ministro José Dirceu, Olga Guedes da Silva, de 94 anos, faleceu nesta madrugada em Passa Quatro, Minas Gerais. Durante a ditadura, ela chegou a ficar 10 anos sem notícias do filho. Relembre aqui texto da jornalista Cláudia Trevisan sobre a Dona Olga, escrito em 2003, quando Zé era ministro da Casa Civil de Lula.
Da Redação
A mãe do ex-ministro José Dirceu, Olga Guedes da Silva, de 94 anos, faleceu nesta madrugada em Passa Quatro, Minas Gerais.
Dirceu já estava em Minas Gerais com autorização da Justiça para visitar a mãe, que estava bastante debilitada.
O imóvel de dona Olga passa agora para as mãos da Justiça Federal. O juiz Sérgio Moro decretou do imóvel no âmbito da operação Lava Jato.
A decisão foi tomada na mesma sentença em que Moro condenou Dirceu a 23 anos e três meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Operação Lava Jato.
Em 2003, poucos meses após Zé Dirceu assumir o cargo de ministro da Casa Civil do primeiro governo Lula, a jornalista Cláudia Trevisan publicou, no jornal Folha de São Paulo, belo texto sobre Dona Olga com a retranca, Mãe-Resistência. Leia o texto abaixo.
Mãe de Dirceu ficou dez anos sem notícias
CLÁUDIA TREVISAN, em 11 de maio de 2003
12 de outubro de 1968. A família Oliveira e Silva se reúne na sala para a "estréia" do televisor que o patriarca, o sr. Castorino, havia recebido de um consórcio algumas horas antes. O noticiário da noite traz para a casa da pequena Passa Quatro (MG) a imagem que marcou a vida de dona Olga Guedes da Silva: a de seu filho José Dirceu de Oliveira e Silva entrando em um camburão, depois de ser preso com 920 pessoas que participavam do congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes) em Ibiúna (SP).
Quase um ano depois, a televisão também foi o veículo pelo qual da. Olga soube que o filho seria trocado pelo embaixador americano Charles Elbrick e deixaria o país por tempo indeterminado. O hoje ministro-chefe da Casa Civil tinha 23 anos e integrava o grupo de 15 presos políticos que foi libertado em 6 de setembro de 1969 em troca de Elbrick, sequestrado por organizações de esquerda.
A liberdade veio acompanhada do banimento, que levou Dirceu a mergulhar no exílio e na clandestinidade por 10 anos. Nesse período, da. Olga não falou com o filho e teve poucas notícias de seu paradeiro. Soube que ele foi para o México e, depois, para Cuba. Mas com o tempo deixou de ter a certeza de que ele estava vivo, apesar de dizer que nunca perdeu a esperança de que ele voltaria.
Como dezenas de "mães-resistência", da. Olga esperou no Brasil, sempre em Passa Quatro, pelo momento de rever o filho. Alguns não sobreviveram, como lembrou o ministro em seu discurso de posse, que dedicou à sua geração, marcada pelo movimento estudantil da década de 60. O seu filho, da. Olga reencontrou em 18 de dezembro de 1979, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
A certeza da volta foi se formando aos poucos, à medida que a família lia nos jornais e via na televisão as imagens dos exilados que retornavam ao país depois da aprovação da Lei da Anistia, em agosto daquele ano.
"Começaram a voltar alguns exilados e, claro, achamos que ele também viria", disse da. Olga à Folha na sua casa em Passa Quatro, cidade mineira de 15 mil habitantes encravada na Serra da Mantiqueira, onde nasceu Dirceu. Prestes a completar 83 anos no dia 17 de maio, da. Olga também viu pela televisão a posse do filho na Casa Civil.
A imagem da prisão no congresso da UNE também abalou sr. Castorino, que morreu no dia 5 de outubro de 1998, um dia depois de o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, ser derrotado na reeleição de Fernando Henrique Cardoso. "Foi a primeira vez que vi meu pai chorar", lembra Ana Maria, a quinta dos seis filhos de da. Olga. O ministro tem mais uma irmã, Neide, filha do primeiro casamento de sr. Castorino.
O fascínio pela política Dirceu herdou do pai, tipógrafo que foi um udenista apaixonado. "Em casa sempre tinha cartaz e uma porção de coisas da UDN", lembra da. Olga. A mãe diz que percebeu cedo a inclinação do filho. "Quando ele tinha 10 ou 11 anos, ele me disse "mãe, o seu filho ainda vai ser presidente da República". Você acredita?", lembra.
Não é uma frase rara em crianças dessa idade, mas no caso dele, a profecia quase se concretizou. Dirceu dá expediente no 4º andar do Palácio do Planalto, um acima do gabinete do presidente Lula.
Na volta ao Brasil, em 79, Dirceu trouxe na bagagem uma história de 10 anos, 4 dos quais passados como clandestino em Cruzeiro d'Oeste, no Paraná, com o nome de Carlos Henrique Gouveia de Mello. "Já pensou? Ele esteve no Brasil e a gente não ficou sabendo."
Antes de assumir a identidade de Carlos Henrique Gouveia de Mello, Dirceu realizou uma cirurgia plástica em Cuba, que mudou seu nariz e deixou as maçãs do rosto mais salientes. Com a anistia, ele voltou a Cuba, desfez a cirurgia e retornou ao Brasil como se tivesse passado os 10 anos realmente fora do país.
Católica praticante, da. Olga rezava a Nossa Senhora Aparecida e a São Sebastião para pedir proteção ao filho durante o período em que ele esteve ausente. E sempre que fala com Dirceu, diz que continua a rezar, "porque em política, assim como você está bem em um dia, no outro pode estar mal".
Da. Olga diz que ela e o marido nunca tentaram dissuadir o ministro a abandonar a política, nem mesmo depois do exílio. "Era a vida dele. É a vida dele. Ele sempre gostou, sempre liderou." Com a fundação do PT, o casal acompanhou a opção política do filho e passou a votar nos candidatos do partido. "Sou petista, meu voto é do PT", afirma da. Olga, que apesar disso não faz campanha para o partido em Passa Quatro.
A mãe do chefe da Casa Civil também nunca votou no filho, que sempre se candidatou pelo Estado de São Paulo. Na última eleição, Dirceu recebeu 556.563 votos e foi o segundo deputado federal mais votado do país.
Quando o filho-criança falou que queria ser presidente, da. Olga foi rápida: "Nossa meu filho, eu não quero isso para você não". Hoje é menos enfática e repete o que parece ser um de seus bordões preferidos: "Fazer o quê?".