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Com a gravação de Michel Temer pedindo propina para Cunha, como fazer trabalhar energias que estão sendo mobilizadas neste momento? Precisamos levar muito a sério a abertura que este momento enseja como uma espécie de redenção da política. Eventos que ensejam aberturas históricas estão sempre sob o risco de serem envenenados.
Por João Vitor Cardoso [1]
A construção discursiva do impeachment de Dilma Rousseff foi pavimentada sobre uma alternativa infernal, na base do “não há crime, eu sei, mas é preciso”, pois era necessário, não tinha jeito. Afinal, numa conjuntura como aquela, como em certa feita disse M. Tachter, there is no alternative. O direito de não tomar cuidado, seja com os ideais democráticos, das pessoas consigo mesmas ou com o planeta, enfim, impôs-se como um rolo compressor sobre toda e qualquer reivindicação a proteções sociais ou a políticas que, apesar de insuficientes, nos últimos anos beneficiaram os mais pobres e vulneráveis.
Com a posse de Michel Temer, acompanhado pela irrupção dos nacionalistas, neoliberais fundamentalistas e usurpadores que grassam por toda parte, é impossível imaginar o dano já causado às liberdades civis, às conquistas trabalhistas, ao meio ambiente e aos povos originários. Este processo destrutivo parece imparável, o que faz os envolvidos sentirem culpa. Mas o que devemos sentir, no momento, é tristeza.Como Deleuze escreveu, a tristeza é uma motivação poderosa para o pensamento.
A resistência a políticas e práticas neofascistas agora exige mais do que uma indignação moral. Do outro lado da moeda, tornam-se visíveis não apenas os elementos do neofascismo que animam as novas formações políticas produzidas no governo Temer, mas também revelam como o poder é reproduzido através desses arquitetos, gerentes e intelectuais das instituições, os juristas e suas válvulas constitucionais, que legitimam esta máquina corrupta neoliberal.
É de clareza cristalina que os políticos de um sistema parlamentar-democrático (ou correlatos) estão totalmente capturados em uma lógica de assassínio da política, que Pignarre e Stengers associam à feitiçaria capitalista, lógica que tem por objetivo naturalizar – e, com efeito, automatizar e despolitizar – decisões políticas[2].
Com a gravação de Michel Temer pedindo propina para Cunha, como fazer trabalhar energias que estão sendo mobilizadas neste momento? Precisamos levar muito a sério a abertura que este momento enseja como uma espécie de redenção da política. Eventos que ensejam aberturas históricas estão sempre sob o risco de serem envenenados.
Coloca-se aqui a necessidade de pensarmos uma nova política. Ao invocar Francisco, o Papa buscava “o exemplo por excelência do cuidado do que é frágil e de uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade[3]”, prenunciando um momento de alerta, a necessidade de prestar atenção e ter cuidado. Que o cântico das criaturas ecoe no Brasil!
Sentimos se intensificar o cheiro de nossos índios queimados. E como eles, dezenas de outros vulneráveis. Que falemos em nome de Gaia, contra quem lutar não tem sentido!
Que o desmantelamento dos direitos não permaneça anestesiado por algum encantamento que não se diz de onde vem. Decisões técnicas ou palavras de ordem, neste momento, poderão conduzir à vulnerabilidade para capturarmos a feitiçaria capitalista. Rejeitemos todas as abstrações intolerantes. Não subordinemos a política a nada. Encaremos o ingovernável!
João Vitor Cardoso [1]Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde integra o Grupo de Pesquisas em Direitos Fundamentais. Mestrando na Universidade de São Paulo (USP). Capacitador para a Reforma da Justiça formado pelo Centro de Estudios de Justicia de las Américas (CEJA),
[2] PIGNARRE, Philippe. STENGERS, Isabelle. CapitalistSorcery. Breakingthe Spell. Nova Iorque: PalgraveMacmillan, 2011.
[3] FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato si': Sobre elCuidado de la Casa Comum. Conferencia Episcopal de Chile, 2013.