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Novo colunista da Fórum, Joselicio Junior, conhecido como Juninho, escreve sobre o vereador do DEM/MBL, que invadiu escolas em São Paulo. “A postura do vereador é tão ideológica e doutrinária que passa por cima das funções constitucionais de um vereador. Confunde o papel de fiscalizador com o papel de inquisidor.”
Por Joselicio Junior*
O vereador que foi eleito pelo DEM, representando o MBL, na cidade de São Paulo se projetou com um discurso eloquente e contundente contra o movimento negro e as pautas LGBTs, visto por ele como movimentos vitimistas. Com uma defesa contundente de ética na política e um legítimo representante das pautas liberais.
Porém, nos primeiros meses de mandato, Fernando Holiday já sentiu que não será nada fácil trazer para o mundo real sua verborragia virtual. O primeiro desafio do vereador foi explicar para a classe média que o elegeu, com um discurso de ética na política, e para a grande mídia, a prática de caixa 2 em sua campanha. O auge dessa polêmica foi o bate-boca ao vivo na Rádio Bandeirantes com Fabio Pannunzio, onde o jornalista teve uma atitude nitidamente racista. O próprio vereador reconheceu que estava sofrendo aquela perseguição por ser negro e gay. Holiday é vítima, e ao mesmo tempo refém, da pauta que ele diz combater.
O novo capítulo de polêmica patrocinada pelo parlamentar e sua trupe foi a aventura de sair em diligência para fiscalizar escolas municipais. O nobre fez questão de destacar, em vídeos publicados em sua rede, que essas visitas tinham como principal objetivo verificar se nessas unidades havia doutrinação ideológica, provocando inúmeras reações de indignação de amplos setores da sociedade e de diversas matrizes ideológicas, inclusive.
As críticas mais contundentes partiram das(os) parlamentares do PSOL, que reagiram na Câmara Municipal, na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal. Até mesmo o secretário municipal de Educação Alexandre Schneider fez duras críticas, e agora está sendo absurdamente acusado de aliado do PSOL pelo MBL. O presidente do Sindicato dos Professores Municipais, que é vereador pelo PPS da base de apoio do governo, também não poupou críticas; até João Doria disse que Holiday errou.
Mesmo mantendo firme a sua jornada na luta a favor da Escola Sem Partido e no alto da sua arrogância, Fernando sentiu que a vida é dura, não é tão simples fazer uma transição mecânica do mundo virtual para o mundo real. Falar o que bem entende na internet é fácil, mas a realidade é muito mais complexa e mesmo na divergência existe o limite do respeito e da sensatez.
Qual é régua que mede o que é ou não ideologia? Todas as nossas ações são carregadas de sentidos, valores, trajetórias, perspectivas, tudo isso forma uma ideologia. Concordo muito com a posição da professora Solange Amorim que afirmou que “cada pessoa traz em si outros milhões de pensadores. Ser ideológico é inerente à condição humana”, ou seja, não existe neutralidade. A ação do vereador também é ideológica e representa os valores conservadores, de manutenção da ordem social que não deseja o pensamento crítico ou qualquer questionamento à estrutura social estabelecida, que é totalmente desigual, racista, machista, lgbtfóbica.
A postura do vereador é tão ideológica e doutrinária que passa por cima das funções constitucionais de um vereador. Confunde o papel de fiscalizador com o papel de inquisidor, com o papel de polícia. Coloca as suas convicções acima da liberdade de cátedra dos educadores, se considera acima da LDB (Lei de Diretrizes de Base dá Educação), pensa estar acima do planejamento pedagógico feito nas escolas, acima inclusive das produções acadêmicas e estudos pedagógicos de diversas matrizes. Qual o conteúdo que deve ser ensinado sob a sua visão? Que o Brasil foi descoberto e não invadido pelos portugueses, por exemplo?
Engraçado que não mostrou a mesma preocupação com as estruturas das escolas, com a merenda, com os uniformes, com os salários dos profissionais que não têm aumento há anos e tantos outros problemas que as escolas enfrentam. A reação negativa dos professores e de diversos setores da sociedade foi essencial e suscitou um importante debate sobre que modelo de educação nós defendemos.
É importante ressaltar que o governo ilegítimo de Temer aprovou uma reforma no ensino médio que empurra a educação para o campo tecnocrata para preparar mão de obra “qualificada” para o mercado. Assim, esvazia a proposta da escola como espaço de produção de conhecimento crítico, de formação cidadã, de liberdade e emancipação humana. Esse é o peso ideológico de um processo que já se arrasta, há anos, com o sucateamento da educação. Neste sentido, Holiday é apenas uma pequena engrenagem nesse processo mais amplo que vem encontrando eco com a ascensão de grupos de extrema direita. A reação da sociedade contrária a essa posição é fundamental, fazer essa disputa de narrativa é uma tarefa urgente.
O ataque ideológico às escolas não é à toa. A juventude secundarista mostrou a sua força na luta contra a reorganização das escolas e na denúncia da máfia da merenda. Os secundaristas protagonizaram a primeira queda de popularidade do governo Alckmin em São Paulo. As ações destrambelhadas do Holiday nos ajudam a qualificar o debate e mostram que, para além das redes, a vida também não é tão fácil para essa nova direita, com traços fascistas.
*Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho é jornalista, presidente estadual do PSOL e militante da entidade do movimento negro Círculo Palmarino.