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Em seu novo artigo para a Fórum, Alexandre Padilha discorre sobre a implantação da invisibilidade social do qual, segundo ele, o prefeito João Doria, com o seu “caviar life style” é um dos maiores adeptos.
Por Alexandre Padilha
Aqueles que não são vistos na sociedade. Há mais de 20 anos uma aluna de pós-graduação em psicologia de uma universidade pública aqui de São Paulo apresentou uma tese genial. Conhecida na universidade, essa aluna tinha sido muito ativa nos seus anos de estudante, um dia, se vestiu de faxineira e registrou durante meses as reações das pessoas, colegas, professores, pessoas da universidade que nunca tinha visto, visitantes, colegas de trabalho da faxina.
Vários aspectos são descritos que produziram muitas reflexões a partir das referências teóricas de Marx, Gramsci, Foucault, Delleuze, Guatari, nosso saudoso Milton Santos, mas o traço marcante das conclusões da autora era "a invisibilidade" que lhe foi conferida ao se trajar de faxineira. Mesmo colegas e professores próximos não a reconheceram, não deram bom dia, muito menos um cumprimento, o sorriso mais extenso ou os abraços calorosos que recebia quando estava com trajes de estudante universitária.
Nem sequer reações a comentários sobre vários temas que a "faxineira" emitia espontaneamente. Nada mais do que o silêncio, a ignorância, a invisibilidade. Ninguém estava ali.
Relembro uma frase do príncipe da academia, professor titular aposentado, não vou lembrar há quantos anos para não constranger nem a ele e nem aos seus aliados, defensores do fim da aposentadoria pública, o senhor Fernando Henrique Cardoso. Era a disputa do segundo turno das eleições de 2014, quando ele me sai com a frase “O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos informados" - leia matéria aqui – quis dizer que o que poderia dar a vitória a Dilma eram os votos da ignorância, em especial do nordeste.
Pessoas que pensam assim, nunca perguntaram a faxineira (o), que limpa a privada dos banheiros do seu antigo departamento na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, aos seguranças da Cidade Universitária, aos funcionários da biblioteca, sequer o nome ou o que estão sentindo. Nunca quiseram saber, senão para repreender, em quem irão votar. Simplesmente não os enxergam.
Pulo para esta semana, quando a nova celebridade política do PSDB, o atual prefeito de São Paulo, em defesa das ações do governo PMDB/PSDB, soltou mais uma das suas broncas de patrão (a ex-secretária demitida na semana passada em um vídeo no Facebook que o diga) “a reforma da Previdência não afeta ninguém“ - matéria aqui. Ou seja, para ele, os afetados são invisíveis! Quem não são os enxergados por essas lentes que levam a uma visão caviar life style restrita do mundo e da cidade? São os cerca de 130 mil servidores ativos da administração direta da Prefeitura da Cidade de São Paulo. Com a liberação da terceirização para as atividades fins do serviço público municipal, combinado com o constrangimento fiscal praticado pela turma do ‘austericídio’, será interrompida qualquer nova inciativa de concurso público e reestruturação de carreiras públicas.
Aberto ao mundo privado, estará suspensa qualquer tentativa de reforma do Estado para que o torne mais eficiente, como é necessário. Também menos dependente das alternâncias partidárias, como é estratégico para fortalecermos políticas públicas e não apenas marcas de governo. Também menos preso a interesses corporativos, para atender de fato a periferia, os mais vulneráveis, os novos desafios.
Sofrerão os atuais servidores, pois não terão a quem compartilhar ou repassar a memória do que construíram e porque tal instabilidade só aumentará a pressão do seu dia a dia. Mas, as lentes da atual celebridade política do tucano life style não os enxerga.
São os mais de 3 milhões de professores da rede pública e privada do Brasil que, além da perda de direitos trabalhistas, sofrerão retrocessos nos seus direitos de aposentadoria. Este será também mais um desestímulo para que jovens abracem esta profissão que deveria ser a mais protegida de toda nossa sociedade. Eu, por exemplo, não seria médico e nem professor para futuros profissionais de saúde se não fossem aqueles que ensinaram os primeiros escritos, contas e leituras.
Esta semana eu e minha companheira fomos alegremente surpreendidos com um recado via WhatsApp das professoras da escola particular da nossa filha de dois anos, ela dizia "...sabemos que poderá causar transtorno para os pais, mas não tragam suas crianças para a escola dia 28/4. Pelo o que se anuncia, os funcionários terão muita dificuldade para se deslocar até a escola. Mas, além disso, por considerarmos que os projetos apresentados afetam não apenas a nós professores, mas a toda a sociedade, achamos legítimo o movimento". E a escola aderiu a greve. Não, esses professores que garantem o aprendizado das futuras gerações, inclusive dos filhos daqueles que vivem na base do caviar life style, não são enxergados pelo atual prefeito de São Paulo, não são ninguém.
Os cerca de 50 milhões de trabalhadores com carteira assinada no Brasil, que hoje já sofrem a pressão para trabalhar mais e receber menos por conta da existência do exército reserva de 13,5 milhões de desempregados. Que mesmo com as leis vigentes, lutam diariamente para que seus direitos ainda sejam respeitados: remuneração justa, redução dos riscos à saúde, redução de jornadas abusivas, desigualdade salarial entre as mulheres, assédio moral e sexual, racismo, homofobia, preconceitos. Que com o fim da CLT e a aprovação das contratações temporárias por até 270 dias intermitentes serão jogados para uma arena desigual da negociação com os patrões. Esses são os ‘ninguéns’ para um patrão, como o atual prefeito de São Paulo, que demite alguém a expondo em um vídeo do Facebook.
Os cerca de 19 milhões de aposentados e os 30 milhões de contribuintes que, além de mudanças de regras adiando sua aposentadoria, estão com ela sob ameaça clara, já que toda a operação legal e midiática vêm no sentido de desestimular os jovens a contribuir para o INSS e esconder o rombo provocado pela não contribuição de centenas de empresas. Esses são os ‘ninguéns’ para aquele que diariamente faz uma cruzada de desvalorização do que é público e idolatra o privado. Alguém cujo único plano apresentado até agora foi "São Paulo for sale", que pretende vender todos os "ativos" da nossa cidade, mesmo que signifique o aprofundamento das desigualdades entre a vida do Itaim Bibi, bairro do centro expandido, e do Itaim Paulista, este na periferia da zona leste.
Os mais de 4 milhões de trabalhadoras e trabalhadores assalariados rurais, que com o seu esforço debaixo do sol e da chuva, alimentam todas as bocas, sorridentes ou tristes, esteticamente bem cuidadas ou desdentadas, das nossas grandes cidades. Que mesmo com as leis atuais resistem ao trabalho indecente, a jornadas extenuantes, as condições de escravidão. Que assistiram um golpe parlamentar/jurídico/midiático cortar seu crédito público e vidas de lutadores, como as lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MST) do Mato Grosso e Minas Gerais recentemente.
Que assistirão as novas regras de emprego temporário praticamente acabar com o registro permanente no campo, Verão também as mudanças na aposentadoria excluírem milhões de atuais trabalhadoras e trabalhadores desse direito. Um direito que muitas vezes tiveram como arrimo de suas famílias por anos os idosos da aposentadoria rural que, além de permitir a sobrevivência por muito tempo dos seus filhos e netos, são um dos maiores fatores de movimentação do comércio local de pequenas cidades. Todas e todos esses são os ‘ninguéns’ para aquele que não esconde a careta e certo nojo ao comer pastel na feira da cidade.
Os mais de 8 milhões de universitários da rede pública e privada, que assisto diariamente o esforço para combinar trabalho e estudos e, ao mesmo tempo, me empolgo com os sonhos profissionais e a vontade de aprendizado. Desafiam a mim e a toda a nossa sociedade com conhecimento produzido, novas questões e perguntas trazidas. São a força criativa que podem fazer este país mais rico, mas também mais justo, menos desigual e mais diverso. Que talvez não tenham a menor ideia em que mundo do trabalho estão querendo jogá-los. Ou quando têm, esforçam-se em convencê-los de que o mundo de hoje é assim mesmo, que terão sua vontade de criar e produzir inibidas pela instabilidade, pelo medo de perder o emprego, pela fragilidade da próxima negociação, pela precarização das suas condições de trabalho e pela inviabilidade de uma aposentadoria. Esses são os ‘ninguéns’ para o atual prefeito que só propaga mérito em frases entremeadas de expressões da língua inglesa ou daqueles que vestem o pulôver da escola sem partido.
Também são os ‘ninguéns’ as famílias de todas e todos esses somados. Seus futuros filhos e filhas, netos e netas e também aqueles que se beneficiam dos produtos do trabalho desses milhões de brasileiras e brasileiros. Dos que são cuidados no serviço público, que aprendem com a alma das professoras e professores, que são transportados diariamente pelas cidades e estradas por braços de trabalhadoras e trabalhadores, que vivem em casas em tijolos enfileirados por tanto suor.
A Índia até hoje convive com os intocáveis. O atual prefeito de São Paulo quer consolidar o Brasil dos invisíveis! Pararemos todos na próxima sexta-feira, dia 28 de abril. Por tudo que lutamos no passado, pelo presente que exige outros caminhos e pelo futuro dos nossos milhões de brasileiras e brasileiros.