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Novo colunista da Fórum, o historiador Leandro Seawright Alonso escreve sobre o autoritarismo do governo Temer. "Um Estado de Exceção mais competente é aquele que se utiliza menos das armas e da força do 'braço armado'", analisa. "Em geral, utiliza-se caneta, papel, indumentárias irretocáveis e cenários festivos empolgantes, tais como jantares e outras ações recreativas ou perdulárias."
Por Leandro Seawright Alonso*
Logo de manhã, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco acordou, tomou o seu café, vestiu-se e, por conseguinte, apresentou-se ao público: “bom dia... sou ditador”. Se esta fosse uma notícia, uma notícia razoável e com fundamentação, à época da instalação do Regime Militar, teria surpreendido a todos em razão da sua franqueza e teria acometido de morte política o Castelo Branco. Uma espécie de sepultura-simulacro.
Ao contrário disso, construiu-se na sociedade brasileira uma “crença” equivocada de que Castelo Branco e os seus aliados iriam – como “salvadores iluminados” – “arrumar a casa” para, em seguida, entregá-la outra vez aos civis. Daí a necessidade de o Regime Militar Brasileiro ter fortalecido o anticomunismo atestando uma espécie de “batalha apocalíptica” com as organizações de luta armada: como quem diz (e, de alguma forma, disse mesmo): se o inimigo é “muito forte”, o Estado precisa ser mais forte. Distante do que argumenta Marco Antônio Villa (afeito às “transgressões” das fontes históricas), a ditadura se fez desde as origens, isto é, desde o dia 31 de março de 1964. Apesar do seu recrudescimento mais intenso a partir do Ato Institucional Número 5, AI-5, o Regime Militar manteve o “caráter ditatorial” e “truculento” contra os Direitos Humanos desde os primórdios de sua institucionalização. Em nome do combate à corrupção, ao “comunismo pérfido”, como queriam adjetivar, e de outras “pautas conservadoras”, burguesas ou unilaterais, assim como com o apoio de setores fundamentalistas do cristianismo, iniciou-se um tempo – de “longos 21 anos” – em que o Estado perpetrou o terror e o incorporou como a sua própria política. Uma política de perpetração.
Convém, neste momento, perguntar: o que é um Estado de Exceção?
Segundo Giorgio Agamben em sua obra “Estado de Exceção”, influenciada inclusive pela reflexão de Walter Benjamin, trata-se da suspensão da norma ou a sua quase anulação, mas “o que está em questão nessa suspensão é, mais uma vez, a criação de uma situação que torne possível a aplicação da norma”. Ainda para Agamben, o Estado de Exceção “define um 'estado de lei' em que, de um lado, a norma está em vigor, mas não se aplica (não tem 'força') e em que, de outro lado, atos que não têm valor de lei adquirem sua 'força'. Isto é, está em jogo 'uma força de lei sem lei'. De forma descomplicada, é como se um presidente autoritário – e todo o seu aparato – resolvessem: 'vocês somente têm direito à obediência' como se o 'dever fosse um direito'”.
A pergunta que não quer calar é a seguinte: um Estado de Exceção somente se estabelece com base na força das armas e do “braço forte do Estado” ou é possível que haja outro modelo atual para o seu exercício? Há tecnologias bacterianas e capilares de instalação da Exceção? Deixe-me ir direto ao ponto: é possível que o Brasil esteja vivendo efetivamente, para além de um posicionamento ideológico ou outro, um Estado de Exceção?
Sustento que sim, mas com diferenças.
Na sequência, sustento que o autoritarismo de Michel Temer seja “político-bacteriano”; que a hostilidade do autoritarismo em questão se exerça na esfera da aparente “micro-perversidade” por entre os meandros desavergonhados de setores das instituições. Processos de “contaminação bacteriana” adoecem e matam mais “tecnologicamente” do que aqueles que se impõem, mesmo com montagens de aparelhos informativo-repressivos bem feitos, por meio do grande armamento empreendido na Guerra Fria.
Nesse sentido, acometa-se de uma “ficção provocada” e “tosca” como se o texto abaixo fosse mesmo uma notícia em “cenas lúgubres” de um “apocalipse zumbi” no invólucro de um “sincericídio”, de um “suicídio político”:
“Dirigir-me-ei ao Brasil doravante como o vosso presidente... ‘Bom dia... sou ditador’ dos ‘Estados Unidos do Brasil’... Estamos no alvorecer de um novo tempo: vou articular em prol de uma PEC para congelar investimentos e gastos anteriormente necessários... Tornar-se-ão precárias a saúde, a educação e a infraestrutura no Brasil. Seremos neoliberais sem constrangimentos, e, em razão disto, retiraremos os direitos dos trabalhadores, bem como aumentaremos a sua alienante jornada de trabalho... Temos dívidas com aqueles que nos trouxeram até aqui. Retiraremos a obrigatoriedade de disciplinas nefastas e de comunistas do Ensino Médio... E como se não bastasse: Alexandre Frota, digo, Alexandre de Moraes será o novo ministro do STF... Conforme aduziu o meu ‘grande amigo’, ainda, em decorrência de todas as benesses, estancar-se-á a ‘suruba...’, digo, a sangria”.
Se Michel Temer tivesse dito as palavras acima, entre outras que omiti por economia de espaço, a sua sinceridade teria anunciado – mesmo sem o ressoar das panelas – aquilo que se sabe: um Estado de Exceção mais competente é aquele que se utiliza menos das armas e da força do “braço armado” para, ao invés disso, produzir determinada “contaminação bacteriana”. Em geral, utiliza-se caneta, papel, indumentárias irretocáveis e cenários festivos empolgantes, tais como jantares e outras ações recreativas ou perdulárias.
Tudo sob a égide dos “sepulcros caiados”.
Para os autoritários de atualmente, torna-se necessário “amputar” do Ensino Médio a disciplina de História, entre outras, e estabelecer os pressupostos da Escola Sem Partido, para que não se descubra o evidente:
Estado de Exceção no Brasil, não é “exceção”...
...no Brasil, como se sabe, sem originalidade, Estado de Exceção é “regra”.
Lutemos pelo direito ao voto, por eleições gerais e por mais qualidade democrática.
* Leandro Seawright é historiador e professor universitário. Pós-doutorando e doutor em História Social pela FFLCH/USP. Foi pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (CNV). É autor de diversos artigos acadêmicos e livros, entre eles "Ritos da Oralidade: a tradição messiânica de protestantes no Regime Militar Brasileiro".