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Lula sabe que os setores que articularam o impeachment de Dilma se preparam para lançar a mesa suas últimas cartas na tentativa de impedir sua candidatura à Presidência da República pela sexta vez. E foi neste contexto que Lula reagiu. E mostrou uma força e vitalidade que colocam em xeque a estratégia da direita.
Por Otávio Augusto Antunes
A disputa política é, antes de tudo, uma disputa de agenda, de debater com a sociedade temas e aspectos da conjuntura sob determinado enfoque, como forma de pressionar a construção de uma correlação de forças favorável ao seu ideário. A disputa política também é feita de símbolos, que marcam o imaginário popular e desafiam o cinismo pragmático dos que sempre teimam em se considerar “donos do jogo” e da agenda política do País. Ninguém entende tanto de simbologia e agenda como Lula.
Lula sabe que os setores que articularam o impeachment de Dilma se preparam para lançar a mesa suas últimas cartas na tentativa de impedir sua candidatura à Presidência da República pela sexta vez. A recente declaração do procurador Delagnoll de que Lula deverá ser condenado até junho tenta tornar “normal” esse fato perante a opinião pública, criando um clima de “impossibilidade” de absolvição do petista. É neste contexto que Lula reagiu. E mostrou uma força e vitalidade que colocam em xeque a estratégia da direita. Mas, em verdade, Lula se pintou para a guerra antes.
O depoimento de Lula
Desde o contundente depoimento fornecido à Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, em decorrência da condução coercitiva determinada pela juiz Sérgio Moro, que completou um ano, Lula tem sido “escondido” pela grande imprensa. Sob forte ataque diário dos telejornais, tem um mínimo espaço de defesa. A força de sua entrevista, concedida logo após o episódio, forneceu aos seus correligionários elementos sólidos para sua defesa e obrigou setores da própria imprensa nacional a questionar o conteúdo e a forma da ação atrapalhada do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal.
O desparecimento de sua defesa na cobertura da imprensa depois desse episódio permitiu que se criasse, novamente, um ambiente de dúvidas em parte da população sobre a contundência com que Lula poderia defender-se em um segundo depoimento, o primeiro como réu. Esse clima durou exatamente os minutos em que ficou sentado diante da justiça de Brasília. Em mais um depoimento assertivo, que durou cerca de 50 minutos, Lula se defendeu e atacou Delcídio, a imprensa e os setores que o querem fora da disputa presidencial. Acusou Delcídio de fazer qualquer coisa para se livrar da cadeia. Lula se defendeu juridicamente e politicamente, apresentou-se por inteiro para a opinião pública, defendendo seu legado e sua trajetória, e foi assunto das redes sociais nos dias seguintes. A direita hidrófoba focou seus ataques na explicação de Lula sobre seus rendimentos, nada que diminuísse o impacto de sua impecável defesa.
Liderando em todos os cenários
Março começou com as pesquisas de opinião apontando a liderança isolada de Lula em todos os cenários possíveis. Mais do que isso: sua rejeição caiu e a rejeição de seus opositores cresceu. O adversário histórico do petismo, o PSDB, vê parte de sua preferência escorrer para o candidato da ultradireita, Jair Bolsonaro, que é o símbolo da pulverização da direita neste debate. Ainda sobre o crescimento do líder operário é parte da análise de “especialistas” o fator “saudade de Lula”. Essa saudade mostrou toda sua exuberância no ato organizado em Monteiro, onde mais de cem mil pessoas ungiram o petista a presidenciável nas águas do “Velho Chico”, disputando sob o sol escaldante do Cariri os espaço para se aproximar de Lula desde os primeiros minutos do último domingo.
A mobilização contra a reforma da Previdência
Mesmo com todo o aparato de comunicação a serviço da propaganda da Reforma da Previdência, a rejeição à medida levou milhares para as ruas de todo Brasil no último dia 15 de março. Em São Paulo, onde ocorreu a maior concentração, Lula discursou para uma das maiores plateias reunidas pelos movimentos sociais na capital de São Paulo dos últimos anos. Evitou o tom eleitoral, mas criticou duramente a agenda do governo e “desmontou” o argumento do déficit. Fora a desconfiança inicial dos setores progressistas capitaneados pelo PSOL, com a presença do líder metalúrgico, Lula entusiasmou os presentes com uma agenda política que vai na contramão da sugerida pelo governo de Temer.
O histórico dia 19 de março em Monteiro
Os milhares que aguardaram Lula durante todo o dia deram a última grande demonstração de força do petista. A comoção da população da região do Cariri combinada com a legião de caravanas que chegaram a Monteiro contagiaram Lula, que fez o seu mais duro discurso do ano e se pintou, completamente, para a guerra. “Se quiserem me derrotar vai ser na rua”, desafiou, para emendar que “se eles têm vergonha de suas ações nós não temos. Somos, todos nós, pai, mãe, tio, tia, primo e prima da transposição”, cravou Lula, um pouco depois de piscar para Haddad e Ciro, que receberam longos e rasgados elogios ao lado de Dilma.
Antes do palco, Lula fez a visita à “Transposição”, onde jogou água para cima com o chapéu sob gritos e aplausos de milhares de pessoas que se banhavam e brincavam nas águas e não permitiram que conseguisse entrar de corpo inteiro nas águas, tamanha era a comoção e a vontade de chegar próximo ao petista.
Com as graves denúncias contra Aécio e seu principais adversários, ele foi além e desafiou alguém a achar um centavo em sua conta que não fosse seu. Lula sabe que o PSDB perdeu o “símbolo” do discurso contra corrupção depois de mais uma leva de denúncias contra tucanos.
Lula está afiado e pronto para mais uma batalha. Resta saber se os adversários do petista, em especial na imprensa e no Judiciário, terão força para impedi-lo, algo que por si só deve estender a crise institucional brasileira por anos. Aceitarão disputar no campo de batalha preferido pelo líder petista ou, como alertou Dilma, tentarão um segundo golpe? Certamente não terão o apelo popular do primeiro, que apeou do poder a própria presidenta Dilma Rousseff. Fatalmente enfrentaram uma crescente resistência popular. Ao final e ao cabo de um processo como estes terá sido a direita, e não a esquerda, como cantaram em verso e prosa jornalistas, que poderá nos levar a um processo de “venezuelização” da disputa política no Brasil. A ampulheta começou a correr o tempo.