Juca Ferreira: "Nosso futuro entre o céu e o inferno"

No seu artigo desta semana, Juca Ferreira analisa a linha tênue entre a retomada do projeto popular, com uma vitória de Lula, e a derrota das esquerdas, não só pela força centrípeta do golpe, mas também por uma tendência global de retrocesso. Para o ex-ministro da cultura de Lula e Dilma, “as águas de março vêm fechando o verão e espero, renovando nossas forças”.

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No seu artigo desta semana, Juca Ferreira analisa a linha tênue entre a retomada do projeto popular, com uma vitória de Lula, e a derrota das esquerdas, não só pela força centrípeta do golpe, mas também por uma tendência global de retrocesso. Para o ex-ministro da Cultura de Lula e Dilma, “as águas de março vêm fechando o verão e espero, renovando nossas forças”. Por Juca Ferreira*  Pelo que tenho visto até agora, entre os que se posicionam contra o golpe e a favor do restabelecimento da democracia, temos duas previsões fatalistas para 2018. A primeira professa a crença do “já ganhou”, acreditando que o presidente Lula, como o índio da música de Caetano, descerá de uma estrela brilhante para nos salvar no último instante. Por mais que a liderança e o carisma excepcional do presidente Lula tenham o condão de encantar, para disputar uma eleição no cenário que se apresenta para 2018 será necessário mais do que uma solução heroica. É um erro querer impor ao presidente Lula o sacrifício de se atirar nesta disputa apenas com sua capa e seu escudo. Para esse desejo se tornar realidade, a sociedade, os movimentos sociais e os partidos têm que construir um movimento democrático poderoso e amplo, capaz de barrar o processo persecutório, ora em marcha, contra a figura do maior líder popular da história recente do Brasil e garantir que o pleito previsto aconteça sem os limites discriminatórios tramados pelos golpistas. No outro extremo, jaz o grupo do “já perdeu”, acreditando que a eleição dificilmente acontecerá e, se vier a ocorrer, as esquerdas serão irremediavelmente derrotadas não só pela força centrípeta do golpe, mas também por uma tendência global de retrocesso. Uns olham para o céu, outros já se sentem no inferno, enquanto sobre a face objetiva da Terra nada está decidido. Se tirarmos as lentes do desejo e do temor, veremos que o destino de 2018 ainda não foi traçado. Tudo é possível. Tudo é porvir. O futuro está por ser construído. O tempo está a nosso favor, mas temos muitos combates para travarmos e será preciso trabalhar muito para garantir um futuro digno para o nosso país. Daqui até 2018, temos tempo suficiente para superar a crise política e sair da perplexidade paralisante. Teremos tempo de criar uma grande e ampla frente democrática e construir um programa comum para retirar o país desta crise econômica, política e social, com a possibilidade de se converter numa crise institucional sem precedentes. Temos tempo de paralisar o golpe, reverter a atual situação de avanço da direita e para restabelecer o processo democrático. Será nas lutas sociais e políticas que a democracia se viabilizará. A greve geral de ontem mostrou o caminho. E mostrou que temos muito trabalho pela frente. Terminou, ainda no primeiro governo da presidenta Dilma, um ciclo político iniciado com a eleição de Lula, sem que tenhamos tomado iniciativas para nos adiantar, renovar e consertar os erros e as insuficiências do nosso projeto. Estamos carregando o peso de erros sobre os quais ainda não refletimos; em relação aos quais ainda não nos responsabilizamos perante a sociedade; e, principalmente, para os quais ainda não apresentamos propostas de superação e avanço. Esta é uma etapa a ser vencida, premissa e primeiro passo para que possamos nos fortalecer para seguir adiante. Para os adversários, o cenário é péssimo. O governo golpista está fragilizado. A farsa do impeachment para combater a corrupção e salvar a economia caiu por terra. A imprensa já não consegue esconder os vínculos do golpe com a corrupção, a começar do presidente em exercício junto com quase todos os seus ministros. “Temos que estancar a sangria” é a frase concreta da política nacional liquefeita. Nem os paneleiros duvidam mais que arrancaram do poder uma presidenta honesta e legitima para atender a interesses antes inconfessáveis. Muitos já sabem que foram manipulados pelos que tramavam o golpe. Temerário, o governo que aí está não deu resposta à crise econômica, mas abriu o saco de maldades ao jogar a conta nas costas dos trabalhadores e ao propor reformas trabalhista e previdenciária que tiram direitos e perpetuam privilégios. A desconfiança e a desaprovação popular só crescem. Se não fosse o esforço diário da imprensa em criar um ar de normalidade e um clima de otimismo, esse governo não se sustentaria nem mais um dia. Mantê-los é uma irresponsabilidade dos poucos que não se importam com o risco iminente de uma convulsão social. O país está sem comando e muitos dos apoiadores do golpe já começam a dar sinais de querer pular do navio. Desde que tomaram o governo, a situação do Brasil só piora. A crise econômica não dará refresco a curto prazo; o desemprego está se agravando; a miséria e a pobreza crescem e a crise da segurança é cada vez mais aguda; na educação é só retrocesso e a saúde só descaso. Abandonado à própria sorte, o cidadão vai caindo na real. À medida que as delações premiadas avançam, vai ficando claro que corrupção não é invenção do PT, mas uma prática institucionalizada na política brasileira. As ameaças aos direitos também começam a pesar no dia a dia da sociedade. Os ataques reacionários aos direitos das mulheres, aos direitos dos assalariados, às conquistas dos negros, das pessoas LGBTs, às terras indígenas, à liberdade de expressão, à juventude e aos mais pobres tornam o espaço público sufocante. Nossa soberania vem sendo ameaçada. A privatização e entrega para o capital estrangeiro de áreas estratégicas da economia do país, a disponibilização das terras indígenas para mineradoras, agronegócio e todo tipo de interesses, a crise nas universidades são ameaças reais ao patrimônio nacional em todas as dimensões. Enfim, o projeto vitorioso em quatro eleições seguidas, de fazer do Brasil uma grande nação, vem sendo desconstruído e substituído por um ataque retrógrado, antipopular, antidemocrático e contra a soberania do país. Aliás, em um momento que o nacionalismo cresce no mundo todo, diga-se de passagem capitaneado pela direita, estamos vivendo no Brasil uma retomada do entreguismo, patrocinado pela sempre defasada direita nacional. Só mesmo com muita incompetência e desorganização por parte das forças populares e democráticas esse projeto deletério, encarnado pelo governo golpista, pode se consolidar em nosso país. As últimas pesquisas indicam um desgaste crescente do governo e do projeto golpista, levando junto para o buraco os partidos que tramaram e sustentam o golpe. As mesmas pesquisas mostram um fortalecimento das forças democráticas materializadas na constatação de que o presidente Lula ganha no primeiro e segundo turno em qualquer cenário. Se por um lado é cedo para qualquer conclusão definitiva, por outro, os indicadores e o barulho das ruas servem de alerta. Todos os cenários são possíveis, vai depender da evolução das diversas dimensões econômica, social, política e, ainda, da condução dos enfrentamentos. Vejo mais um cenário possível além dos que já nos referimos: o povo brasileiro rejeita nas urnas o projeto golpista e restabelece a democracia dando a vitória ao candidato de oposição. Se nós não aproveitarmos o tempo que temos para fazer o dever de casa e renovar o projeto político democrático e popular para o Brasil, corrigindo os erros e superando as deficiências apontadas pela própria realidade, poderemos conquistar o mando do país sem as condições necessárias para conduzi-lo. Seria de uma gravidade enorme. O tempo é curto, mas se trabalharmos com afinco, teremos revitalizado o projeto democrático. As águas de março vêm fechando o verão e espero, renovando nossas forças.   juca ferreira   *Juca Ferreira é sociólogo e ambientalista. Foi ministro da Cultura nos governo Lula e Dilma.   Leia aqui outros artigos da coluna de Juca Ferreira na Fórum.