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Pensadores ligados ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais alertam: Ou fazemos uma reflexão profunda para enfrentar o momento, ou vamos sucumbir
Por Léa Maria Aarão Reis, na Carta Maior
Com o tema Os dilemas da Desigualdade e Justiça Social na América Latina, o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, o Clacso, um dos mais importantes grupos de think tank da região, reuniu, no Rio de Janeiro, o seu Comitê Diretivo em sessão plenária, no auditório da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, (Uerj) onde foi expressa a preocupação da instituição com a grave crise política brasileira e com a ofensiva desestabilizadora da ordem democrática que vive o país. Também foram discutidas possíveis estratégias de contribuição para ampliar o trabalho e a solidariedade contra toda forma de ataque ao estado de Direito e à democracia no Brasil.
Instituição internacional não governamental associada à Unesco, o Clacso foi criado em 1967 e atualmente reúne 481 centros de investigação e pós graduação em ciências sociais e humanas em 37 países de América Latina, e nos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Espanha, França e Portugal.
Em seguida à reunião do Comitê, no colóquio internacional com representantes de diversos países latino-americanos, participaram do encontro pesquisadores, cientistas sociais, alunos e professores dos centros ligados ao Clacso e professores da Universidade de Ciências e Artes de Chiapas, no México, da Universidade Central da Venezuela, da Pontifícia Universidade Católica do Peru além de professores da Universidade de Buenos Aires, e representantes de universidades do Uruguai, Honduras, Paraguai, El Salvador e Porto Rico.
O professor Pablo Gentili, da Uerj, atual secretário executivo do Clacso, apresentou aos visitantes a situação política atual do Brasil e, em seguida foi a vez das professoras Zilda Iokoi, da USP, Salete Valesan Camboa, diretora da Federação Latino-Americana de Ciências Sociais, Laura Tavares e o professor da Uerj, André Lázaro, ambos da Flacso/Brasil.
Durante o colóquio, falou Alba Carosio, do Centro de Estudos da Mulher da Universidade Central da Venezuela: “Houve avanços na luta contra a discriminação de gênero, mas as desigualdades continuam e, em alguns países, a violência contra as mulheres tem aumentado," disse.
Para Leticia Salomón, da Universidade Autônoma de Honduras, a "América Latina é uma das regiões mais violentas do mundo. A violência ataca os mais pobres, os jovens, os indígenas e as mulheres. Ela persiste e se torna estrutural num clima de grande impunidade".
E segundo o professor Alain Basail, da Universidade de Chiapas, no México, “a mobilidade humana, os processos migratórios forçados e a segregação dos imigrantes é uma das caras mais brutais da desigualdade na América Latina".
A estabilidade democrática do Brasil e a conjuntura política foram denunciadas pelos brasileiros como “situação dramática onde a esquerda é desmoralizada particularmente pelos meios de comunicação controlados por apenas nove famílias.” A falta de um movimento comum de esquerda foi apontada como obstáculo à formação de uma resistência sistêmica mais organizada e foi lembrada a observação do professor Wladimir Safatle, da USP: ”Não nos afetamos por aquilo que nos afeta diretamente.” A conclusão: ou fazemos uma reflexão profunda para enfrentar este momento ou vamos sucumbir, alertaram os professores brasileiros.
“As ruas não resolvem, mas elas dão o recado,” registrou a professora Zilda Iokoi. “Apesar da nossa resistência, a luta não está fácil. O que se passa no mundo, neste instante, não é uma crise econômica ou social apenas; é uma crise humana. E no Brasil, a crise também é do estado, é institucional e é profunda.” Para ela, “nunca foi tão importante olhar para o horizonte, para um projeto regional, e não apenas para o que se passa no Brasil; é preciso olhar para toda a região latino-americana.”
A situação do país, apontam os acadêmicos brasileiros filiados ao Clacso, é “gravíssima”. A direita desqualifica a esquerda e “avança sobre nós. Ou praticamos uma reflexão profunda ou vamos sucumbir,” eles alertam, na direção de um necessário aggiornamento. Mas observam que, com a situação atual, de emergência, a força da mobilização da sociedade civil está se provando nas ruas, mesmo que fragmentada em várias manifestações; e essa força que está emergindo foi inesperada para todos – foi uma surpresa.
Para eles, “a recuperação do pensamento de esquerda exigirá grande esforço, pois ocorreu um equívoco na expectativa criada até então com a possibilidade de existir conciliação e de “os ricos desejarem também uma desigualdade menor na sociedade.”
Mas o aspecto positivo, segundo os professores, é o de que “a luta de classes hoje está aberta e é manifestada nas ruas. A Avenida Paulista se explicitou e isto é bom. A diferença entre manifestações existentes atualmente é de classe. E a face da resistência é popular.
Haverá possibilidade de conciliação política neste país? Os acadêmicos se perguntam e são enfáticos: a hora é agora para a organização dos movimentos de esquerda. “Não se pode mais se esperar,” eles dizem.
Foto de capa: UERJ