Escrito en
POLÍTICA
el
É preciso que a grande imprensa pare de jogar pólvora e pavios curtíssimos no meio da arquibancada. Embora a narrativa seja de capítulo de novela e os jornalistas da mídia tradicional pareçam narrar o último jogo do campeonato, não é isso que está acontecendo
Por Adriana Dias
Diz o velho ditado que política e futebol não se discute. Qualquer observador da imensa carga de ódio que toma conta das avenidas, digitais ou não, do Brasil, percebe a imensa semelhança existente no debate das duas questões. Verdadeiros grupos radicais, simulacros de torcida organizada fanática são mobilizados numa gritaria sem fim, em que todo mundo grita e quase ninguém ouve ninguém. Não é toa que manifestantes vestem camisas de futebol: há um embodiment (uma verdadeira materialização no corpo) do habitus futebolesco mais perigoso: uma torcida furiosa, disposta a quebrar com qualquer regra de civilidade e com tudo a sua volta se presenciar a derrota de seus ídolos.
Com isto fica difícil não lembrarmos a máxima tostines: somos o país de futebol porque temos alma de torcida, ou temos alma de torcida porque nos construímos o país do futebol? Há aspectos criativos e desafios nessa jornada.
Seja qual for a resposta é preciso que a grande imprensa pare de jogar pólvora e pavios curtíssimos no meio da arquibancada. Repito: embora a narrativa seja de capítulo de novela e os jornalistas da grande mídia pareçam narrar o último jogo do campeonato, não é isso que está acontecendo. Há verdadeira ameaça à democracia, e portanto, é preciso serenidade para conduzir o momento.
Ao contrário, o visualizado é de fazer tremer qualquer instituição: ao constatarem a perda de seus argumentos, ou de seus desejos, membros da extrema direita têm exigido que a pura manifestação do ódio.
A alma de torcida faz parte. Se os EUA já foram chamados de uma nação com alma de Igreja, por Gilbert Keith Chesterton, o Brasil tem alma de torcida. Mas, na arquibancada da vida, precisamos aprender a respeitar a todos, a democracia precisa sobreviver. É preciso coibir os abusos com coragem, inclusive os da grande imprensa e de parlamentares que se utilizam de sua vida pública apenas para manifestar ódio e desrespeito a princípios fundamentais de dignidade humana, sem os quais somos apenas barbárie, como intimidade, inocência presumida, lugar de origem, condição social.
*No Twitter: dias_adriana?
Adriana Dias é bacharel em Ciências Sociais em Antropologia, mestre e doutoranda em Antropologia Social – tudo pela Unicamp. É coordenadora do Comitê “Deficiência e Acessibilidade” da Associação Brasileira de Antropologia, e coordenadora de pesquisa tanto no Instituto Baresi (que cria políticas públicas para pessoas com doenças raras) quanto na ONG ESSAS MULHERES (voltada à luta pelos direitos sexuais e reprodutivos e ao combate da violência que afeta mulheres com deficiência). É Membro da American Anthropological Association, e foi membro da Associação Brasileira de Cibercultura e da Latin American Jewish Studies Association.
Foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Comunicar erro
Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar