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Rede de think tanks conservadores dos EUA financia jovens latino-americanos para combater governos de esquerda da Venezuela ao Brasil e defender velhas bandeiras com um nova linguagem
Por Marina Amaral, da Agência Pública
“O corpo é a primeira propriedade privada que temos; cabe a cada um de nós decidir o que quer fazer com ele”, brada em espanhol a loirinha de voz firme, enquanto se movimenta com graça no palco do Fórum da Liberdade, ornado com os logotipos dos patrocinadores oficiais – Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS (afiliada da Rede Globo). O auditório de 2 mil lugares da PUC-RS, em Porto Alegre, completamente lotado, explode em risos e aplausos para a guatemalteca Gloria Álvarez (na foto acima), 30 anos, filha de pai cubano e mãe descendente de húngaros.
Gloria ou @crazyglorita (55 mil seguidores no Twitter e 120 mil em sua fanpage do Facebook) ascendeu ao estrelato entre a juventude de direita latino-americana no final do ano passado, quando um vídeo em que ataca o “populismo” na América Latina durante o Parlamento Iberoamericano da Juventude em Zaragoza (Espanha) viralizou na internet. No principal fórum da direita brasileira, Gloria e o ex-governador republicano da Carolina do Sul David Bensley são os únicos entre os 22 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, escalados para os keynote – palestras-chave que norteiam os debates nos três dias do evento, batizado de “Caminhos da Liberdade”.
Radialista há dez anos, hoje com um programa na TV, Gloria é uma show-woman cativante. Conduz com desenvoltura a plateia formada majoritariamente por estudantes da PUC gaúcha, uma das melhores e mais caras universidades do Sul do país. “Quem aqui se declara liberal ou libertarista que levante a mão?”, pede ao público, que responde com mãos erguidas. “Ah, ok”, relaxa. Sua missão é ensinar a seus pares ideológicos como “seduzir e enamorar os públicos de esquerda” e vencer “os barbudos de boina de Che”, explica a jovem líder do Movimiento Cívico Nacional (MCN), uma pequena organização que surgiu em 2009 na Guatemala na esteira dos movimentos que pediam – sem êxito – o impeachment do presidente social-democrata Álvaro Colom.
A primeira lição é utilizar nas redes sociais o hashtag criado por ela, “república x populismo”, para superar “a divisão obsoleta entre direita e esquerda”. “Um esquerdista intelectualmente honesto tem de reconhecer que a única saída é o emprego, e um direitista do século 21, que já se modernizou, tem de reconhecer que a sexualidade, a moral, as drogas são um problema de cada um; ele não é a autoridade moral do universo”, continua, sob uma chuva de aplausos. Nada de culpa, nem moral nem social, ensina. A mensagem é liberdade individual, “empoderamento” da juventude, impostos baixos, Estado mínimo – a plataforma da direita liberal (em termos econômicos) no mundo todo: “A riqueza não se transfere, senhores, a riqueza se cria a partir da cabecinha de cada um de vocês”, diz. Da mesma maneira, Gloria rebate programas sociais de assistência aos mais pobres, política de cotas para mulheres, negros, deficientes e até mesmo a existência de minorias: “Não há minorias, a menor minoria é o indivíduo, e a ele o que melhor serve é a meritocracia”.
“Há uma verdade que todo ser humano deve alcançar para ter paz, se não quiser viver como um hipócrita. Todos nós, 7 bilhões e meio de seres humanos que habitamos este planeta, somos egoístas. É essa a verdade, meus queridos amigos do Brasil, todos somos egoístas. E isso é ruim? É bom? Não, é apenas a realidade”, diz, definitiva. “Há pessoas que não aceitam essa verdade e saem com a maravilhosa ideia: ‘Não! [imita a voz de um homem], eu vou fazer a primeira sociedade não egoísta’. Cuidem-se, brasileiros; cuide-se, América Latina! Esses espertinhos são como Stálin, na União Soviética, como Kim Jong-il, Kim Jong-un, na Coreia do Norte, Fidel Castro, em Cuba, Hugo Chávez, na Venezuela.” E por que “seguimos como carneirinhos” atrás desses “hipócritas”? Porque [faz careta e vozinha de velha] “nos ensinam que é feio ser egoísta e que pensar em nós mesmos é pecado. Quantos de vocês já não viram alguém dizer ‘ah, necessitamos de um homem bom, que não pense só em si”, diz, encurvando-se à medida que fala para em seguida recuperar a postura altiva: “Mira, señores, a menos que seja um marciano, esse homem não existe, nunca existiu, nem existirá jamais”. Aplausos frenéticos.
Mas, explica, os “defensores da liberdade” também tem sua parcela de responsabilidade. Eles não sabem comunicar suas ideias, usar a tecnologia para “empoderar os cidadãos” e “libertar” a América Latina. “Se ficarmos discutindo macroeconomia, PIB etc., vamos perder a batalha. Temos que aprender com os populistas a falar o que as pessoas entendem, fazer com que se identifiquem”, ela diz. “E aqui vou lhes dar outro conselho porque dizem que nós, os liberais, somos malditos exploradores”, ironiza. “Encontrei um maneira muito bonita de definir o conceito de propriedade privada. E com esse conceito de propriedade privada os esquerdistas fazem assim: Ôooooo! [inclina o corpo para trás].” A propriedade privada, diz, é o que acumulamos em toda uma vida, a partir de nossas primeiras propriedades: corpo e mente. O passado, afirma, não é igual para ninguém, esse acúmulo é pessoal. “Isso nos humaniza, dá um coraçãozinho a nós, liberais, tão desgraçados.” Risos. Aplausos.
“Há pessoas que querem o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia. A ONU agora quer até o direito universal à internet”, desdenha, embora tenha acabado de dizer que a tecnologia é a chave para mudar o mundo. “Imaginem que, nesse auditório, alguns queiram o direito à educação, outros o direito à saúde, outros o direito à moradia. Então, se eu dou a vocês a educação, todos aqui vão pagar por isso, e vocês vão ser VIPs, e eles, cidadãos de segunda categoria. Se eu dou a eles a saúde, todos neste auditório vão pagar pela saúde deles, e eles vão ser VIPs. Se eu dou a esses as moradias, vou ter que tirar de todos vocês para dar moradia a eles, e eles vão ser esses VIPs. Isso não é justiça social, é desigualdade perante a lei”, conclui, novamente sob risos e aplausos.
“Se cada um na América Latina tiver direito à vida, liberdade e propriedade privada, então cada um que vá atrás da educação que queira, da saúde que queira, da casa onde quer morar, sem precisar de super-Chávez, super-Morales, super-Correa”. Ovação. Assobios. Antes de encerrar os 40 minutos de exposição, Gloria convida os presentes a contrapor a visão de mundo que “vitimiza os latino-americanos”, “joga a culpa nos ianques”, mina a “autoestima” e a coragem de assumir riscos que exige o espírito empreendedor. A plateia aplaude de pé.
Neoliberais e libertaristas
Gloria Álvarez não representa nada exatamente novo. A grande diferença é a linguagem. O MCN (movimento a que ela pertence) recebe “fundos de algumas das maiores empresas da elite empresarial tradicional, conta o jornalista investigativo Martín Rodríguez Pellecer, diretor do site guatemalteco Nómada, parceiro da Pública. “Por fontes próximas, soube que uma das indústrias que os apoiam para campanhas de massa e lobby no Congresso é a Azúcar de Guatemala, um cartel poderosíssimo de treze empresas (a Guatemala é o quarto maior exportador mundial de açúcar) e as usinas guatemaltecas têm, inclusive, investimentos em usinas no Brasil.” O mesmo pode-se dizer em relação a suas ideias. Apesar do título sedutor, os libertarians – libertaristas em português – “são um segmento minoritário entre as correntes que ganharam influência no pós-guerra em oposição às políticas intervencionistas de inspiração keynesiana”, explica o economista Luiz Carlos Prado, da Universidade Federal no Rio de Janeiro. A partir da crise do petróleo dos anos 1970, economistas pró-mercado como o austríaco Friedrich Hayek (Prêmio Nobel de 1974), monetaristas da Escola de Chicago de Milton Friedman (Prêmio Nobel de 1976) e os novo-clássicos associados a Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995) passaram a dominar o pensamento econômico global e se tornaram conhecidos do grande público sob um único rótulo: “neoliberal”. Seus conceitos foram trazidos para a América Latina pelo setor mais conservador americano, representado principalmente pelos think tanks ligados a Ronald Reagan, que depois de ter perdido as primárias republicanas em 1968 e 1976, se elegeu presidente em 1980, tendo Friedman como principal conselheiro. Também predominaram no governo de Margaret Thatcher (1979-1991) na Inglaterra. “Os defensores do liberalismo clássico eram também defensores da liberdade política, mas a corrente chamada de ‘neoliberal’ defendia essencialmente a não intervenção do Estado na economia sem uma preocupação particular com a questão da liberdade política, chegando, em alguns casos, a apoiar sem constrangimentos governos ditatoriais como o de Pinochet no Chile”, observa Luiz Carlos Prado. A Guatemala de Gloria Álvarez é um bom exemplo de como as ideias libertarians se traduziram na América Latina. Em 1971,“uma parte muito representativa da elite econômica guatemalteca assumiu como projeto político o libertarismo de direita, quando fundou a Universidade Francisco Marroquín (UFM)”, conta o jornalista Martín Rodríguez Pellecer. “O fundador da universidade, Manuel Ayau, conhecido como El Muso, em alusão a Mussolini, se uniu ao projeto fascista anticomunista da MLN. Desde então, a UFM vem formando quadros políticos e acadêmicos para desacreditar o Estado e a justiça social e converter a Guatemala no país que arrecada menos impostos na América Latina (11% em relação ao PIB) e o que menos redistribui”, explica. Foi nessa universidade que Gloria estudou e “se converteu em uma libertarista um tanto menos conservadora que seus professores, uma mistura de neoliberais e Opus Dei. Álvarez se declara ateia e a favor do aborto e, embora tenha se tornado uma estrela da direita latino-americana, na Guatemala é uma referência menor para a direita, não tem base política nem vai ser candidata. Eu a vejo mais como uma enfant terrible libertarista”, diz Martín. Os libertarians ressurgiram com força nos Estados Unidos depois da crise de 2008 – e ao clamor subsequente pela regulamentação do mercado – e em decorrência da ascensão do democrata Barack Obama ao poder. Pregam a predominância do indivíduo sobre o Estado, a liberdade absoluta do mercado, a defesa irrestrita da propriedade privada. Afirmam que a crise econômica que jogou 50 milhões de pessoas na pobreza não se deveu à falta de regulação do mercado financeiro, mas pela proteção do governo a alguns setores da economia. E rejeitam enfaticamente os programas sociais do governo Obama. No entanto, uma parte significativa dos libertaristas tem se distanciado do tradicionalismo da direita no campo do comportamento, defendendo posições associadas à esquerda, como a defesa da liberação das drogas e a tolerância aos homossexuais, em nome da liberdade do individual. O senador republicano Rand Paul, pré-candidato à presidência, é um de seus representantes mais conhecidos. “Os libertarians que estão com os conservadores no Tea Party (a corrente radical de direita no Partido Republicano americano) estão em think tanks como o Cato Institute e compõem a direita pós-moderna, representada, por exemplo, por Cameron, na Inglaterra, que modernizou a agenda da redução do estado do bem-estar social”, resume o professor. Ele acha graça quando falo em libertarians brasileiros, seguidores da escola austríaca de economia de Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. “A escola austríaca é uma corrente muito minoritária mesmo na academia”, diz. “Quem são esses libertarians? O que temos no Brasil são economistas sofisticados que seguem correntes como a dos novo-clássicos do prêmio Nobel Robert Lucas e outras similares, políticos de direita pouco elaborados como o Ronaldo Caiado (senador do DEM-GO) e essa classe média conservadora que lê Rodrigo Constantino na Veja”, resume. Caiado e Constantino são participantes veteranos do Fórum da Liberdade em Porto Alegre. A novidade é que os libertarians do Tea Party mostraram-se enfim capazes de se apresentar como a face convidativa da direita para a juventude brasileira.
Vem pra rua, ciudadano
Na véspera do Fórum, no dia 12 de abril, Gloria Álvarez discursou contra o “populismo maldito” vestida com uma camiseta de lantejoulas formando a bandeira do Brasil para cerca de 100 mil pessoas na avenida Paulista, em São Paulo, na segunda rodada de manifestações “Fora Dilma”. Do alto do caminhão do Vem pra Rua, o líder do movimento, Rogério Chequer, a apresentou à multidão como “uma das maiores representantes da batalha contra o populismo do Foro de São Paulo” e se manteve o tempo todo ao seu lado (veja o vídeo com o discurso de Gloria na Paulista aqui). Gloria, que havia anunciado antecipadamente sua presença nos protestos em uma entrevista no programa de Danilo Gentili no SBT, tinha dado uma palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, assistida pelo próprio ex-presidente, três dias antes. Entre os que lideraram os protestos de março e abril contra o governo, o movimento de Chequer foi um dos últimos a assumir a bandeira do impeachment, o que lhe valeu um pito público do vetusto Olavo de Carvalho, que o acusou de “paumolice tucana”. O Movimento Brasil Livre, conhecido principalmente através da figura de Kim Kataguiri, assumiu desde o início a bandeira do impeachment e rompeu publicamente com Chequer, divulgando fotos dele ao lado do senador José Serra (PSDB-SP) na campanha de Aécio Neves – tachado de “traidor” pela hesitação em pedir o impeachment da presidente eleita. Voltaram às boas depois que a comissão de senadores liderada por Aécio e Ronaldo Caiado (DEM-GO) fez sua controversa expedição a Caracas. Caiado, aliás, estava no debate de abertura da edição do Fórum deste ano. Sem a graça irreverente de Glorita, o senador ruralista conservador arrancou aplausos da plateia com frases de efeito contra a corrupção do governo (veja aqui o vídeo com sua apresentação), menções ao “Foro de São Paulo”, pedido de “renúncia” à presidente Dilma e ataques ao BNDES. Curiosamente, as acusações de Caiado foram feitas sob os logotipos da Gerdau e Ipiranga – do grupo Ultra –, que estão entre os maiores tomadores de empréstimos do BNDES segundo os dados levantados pela Folha de S.Paulo. Ambos obtiveram individualmente mais de R$ 1 bilhão de recursos do banco apenas entre 2008 e 2010. O empresário gaúcho Jorge Gerdau é um dos idealizadores do Fórum da Liberdade, que surgiu em 1988 com a intenção de promover o debate entre diversas correntes de pensamento. Em suas primeiras edições, o Fórum incluiu o ex-presidente Lula, o ex-ministro José Dirceu e o falecido ex-governador Leonel Brizola entre os debatedores, sem prejudicar sua identidade como principal fórum conservador do país. Foi ali que, em 2006, foi lançado oficialmente o principal think tank da direita no Brasil, o Instituto Millenium. Armínio Fraga (escolhido para ser ministro da Fazenda de Aécio Neves se ele vencesse as eleições) é sua figura mais conhecida no campo econômico. Seus mantenedores são a Gerdau, a editora Abril e a Pottencial Seguradora, uma das empresas de Salim Mattar, dono da locadora de veículos Localiza. A Suzano, o Bank of America Merrill Lynch e o grupo Évora (dos irmãos Ling) também são parceiros. William Ling participou da fundação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) em 1984, que, formado por jovens líderes empresariais, organiza o Fórum desde a primeira edição; seu irmão, Wiston Ling, é fundador do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul; o filho, Anthony Ling, é ligado ao grupo Estudantes pela Liberdade, que criou o MBL. O empresário do grupo Ultra, Hélio Beltrão, também está entre os fundadores do Millenium, embora tenha o próprio instituto, o Mises Brasil. A rede de think tanks liberais e libertaristas no Brasil se completa com mais duas entidades: o Instituto Ordem Livre – que realiza seminários para a juventude – e o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do Rio de Janeiro, ligado ao Opus Dei. O jurista Ives Gandra, autor do controverso parecer sobre a existência de base jurídica para o impeachment da presidente Dilma, faz parte de seu conselho. Leia mais: A direita abraça a rede A exemplo do Millenium, a grande maioria desses institutos foi criada recentemente. A semente original foi o Instituto Liberal, criado em 1983 pelo engenheiro civil carioca Donald Stewart Jr., falecido em 1999. De acordo com a tese de doutorado do historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), “A ditadura dos empreiteiros (1964-1985)”, a Ecisa (Engenharia Comércio e Indústria S.A.), empresa de Stewart Jr., foi uma das maiores empreiteiras durante a ditadura militar e Stewart Jr. se associou à construtora norte-americana Leo A. Daly para construir escolas no Nordeste para a Sudene. A participação de companhias dos EUA nas obras era exigência dos financiamentos da Usaid – a agência de desenvolvimento americana que funcionava como braço da CIA durante as ditaduras latino-americanas. Donald Stewart Jr. também era um velho amigo de um personagem crucial nessa história, o argentino radicado nos Estados Unidos Alejandro Chafuen, 61 anos, ambos membros da seleta Mont Pelèrin Society, fundada pelo próprio Hayek em 1947 na Suíça e sediada nos Estados Unidos, que reúne os mais fiéis libertarians. El Muso, o fundador da universidade onde estudou Gloria Álvarez, foi o primeiro latino-americano a presidir a Mont Pelèrin, e seu atual reitor, Gabriel Calzada, participa da diretoria com a brasileira Margaret Tsé, CEO do Instituto da Liberdade, o suporte ideológico do IEE. O atual presidente da Mont Pelèrin Society é o espanhol Pedro Schwartz Girón, semeador de think tanks vinculados à FAES, a fundação do Partido Popular (PP) presidida por José María Aznar, que promoveu o Parlamento Iberoamericano da Juventude, de onde Gloria Álvarez foi catapultada para a fama. Pedro Schwartz, Alejandro Chafuen e o colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, coautor do livro Manual do perfeito idiota latino-americano, um hit da juventude de direita, participaram do painel “América Latina”, no Fórum da Liberdade. Chafuen também participou discretamente dos protestos de 12 de abril em Porto Alegre. Não resistiu, porém, a postar em seu Facebook uma foto em que aparece vestido com a camisa da CBF abraçado ao jovem cientista político Fábio Ostermann, da coordenação do Movimento Brasil Livre – nome que assumiu nas ruas o grupo Estudantes pela Liberdade (EPL). O gaúcho Ostermann, o mineiro Juliano Torres e o gaúcho Anthony Ling são fundadores do EPL, a versão local do Students for Liberty, uma organização-chave na articulação entre os think tanks conservadores americanos – especialmente os que se definem como libertários – e a juventude “antipopulista” da América Latina. Mr. Chafuen, presidente da Atlas Network desde 1991, é o seu mentor. A Atlas Network (nome fantasia da Atlas Economic Research Foundation desde 2013) é uma espécie de metathink tank, especializada em fomentar a criação de outras organizações libertaristas no mundo, com recursos obtidos com fundações parceiras nos Estados Unidos e/ou canalizados dos think tanks empresariais locais para a formação de jovens líderes, principalmente na América Latina e Europa oriental. De acordo com o formulário 990, que todas as organizações filantrópicas tem de entregar ao IRS (Receita nos EUA), a receita da Atlas em 2013 foi de US$ 11,459 milhões. Os recursos destinados para atividades fora dos Estados Unidos foram de US$ 6,1 milhões: dos quais US$ 2,8 milhões para a América Central e US$ 595 mil para a América do Sul. Com exceção do Instituto Fernando Henrique Cardoso, todas as organizações citadas até agora compõem a rede da Atlas Network no Brasil, incluindo o MCN de Gloria Álvarez, a Universidade Francisco Marroquín e o Estudantes pela Liberdade, uma organização que nasceu dentro da Atlas em 2012. Como veremos, além dos recursos citados há projetos bem mais vultosos financiados por outras fundações e executados pela Atlas.O discreto charme de Mr. Chafuen
Sentado na sala VIP do Fórum da Liberdade, Mr. Chafuen se levantou de um salto para cumprimentar Kim Kataguiri, que apareceu “de surpresa” no Fórum da Liberdade. A alegria indisfarçável desse senhor recatado, um libertarian ligado ao Opus Dei, foi a deixa para pedir a entrevista. Os trechos principais estão transcritos aqui. Como o senhor se aproximou do Brasil? Comecei a trabalhar com os amigos da Liberdade brasileiros em 1998, com Donald Stewart, e eu sempre me lembro da solidão que ele sentia na batalha pela liberdade. Chegar em Porto Alegre no mesmo dia da manifestação e ver todo esse povo, nem todos libertarians, mas pessoas de diversas camadas da sociedade brasileira, reivindicando coisas que são muito consistentes com a essência da sociedade livre, me fez lembrar esses pioneiros. Porque, sim, era tanta gente na rua, tantas almas, que fiquei agradavelmente surpreso me perguntando o que virá depois, como nós podemos usar esse entusiasmo de tantos jovens para produzir uma mudança mais duradoura no Brasil. E que mudança seria essa? Vindo de fora é difícil dizer, não é fácil dizer o que fazer, isso é específico de cada país. Veja a Espanha hoje, em que os partidos perderam terreno para os novos movimentos como Podemos, de esquerda, ou seu oposto na Catalunha, o Ciudadanos. Nos Estados Unidos, por exemplo, temos o Tea Party, um movimento espontâneo que, em vez de fundar um partido, preferiu se tornar uma tendência dentro de um partido, e agora todos, com exceção de um dos principais candidatos presidenciais republicanos, se identificam com o Tea Party e buscam apoio no movimento. Rand Paul, Marco Rubio, Ted Cruz, todos vêm do Tea Party e são quase oposição aos republicanos tradicionais. Então, essa não é uma resposta que um estrangeiro possa dar, ainda mais no Brasil, que é um mundo em si mesmo, com tantas culturas diferentes. Nós damos algumas ideias, mas cabe a eles, os que vi na rua, os jovens e os não tão jovens, captar mais gente da sociedade civil para criar essa institucionalização. Comento com ele que nos eventos do Fórum se fala muito em falta de liberdade – sem base na realidade – e se compara o país com a Venezuela. Sim, aqui a situação é bem diferente da Venezuela, mas vocês têm que se prevenir. Não é assim, de um dia para outro, que a perda da liberdade acontece. A Venezuela era um dos países mais prósperos e veja o que aconteceu. O populismo na América Latina enfraquece as instituições. Eles deixam os empresários se sentirem livres para investir por algum tempo, deixam a liberdade de expressão, até que mais cedo ou mais tarde viram o jogo. As primeiras nacionalizações e expropriações que o Chávez fez foram vários anos depois de ele tomar o poder. Sim, aqui vocês têm uma liberdade considerável. Mas tem uma coisa que perverte a liberdade, que é o não cumprimento da lei, o privilégio, a corrupção, o capitalismo só para os amigos. É uma falsa liberdade. É como pôr a raposa no galinheiro e dizer às galinhas: vocês estão livres agora. Daí começam os problemas [denúncias de propina], os empresários são obrigados a entrar no jogo, e eles que pagam o pato. É preciso dois para dançar um tango, como se diz na Argentina. E os meninos do Movimento Brasil Livre têm forças para promover uma mudança social? Eu desenvolvi um modelo para explicar como as coisas acontecem, e ele tem quatro elementos: primeiro, ideias, já que os seres humanos pensamos antes de agir ou pelo menos deveríamos; segundo, motivação: economia é motivação; o terceiro é ação, porque ideias sem ação são apenas ideias; e o quarto é a Providência ou, dependendo do que você acredita, sorte. Então, você começa a trabalhar com ideias, alguns líderes emergem, as leis mudam e isso afeta a motivação da sociedade… A mudança típica não vem de um dia para outro. Essa pressão vai se acumulando e de repente alguma coisa acontece. E aqui vem um escândalo, outro escândalo, uma revista com coragem, uns jovens de São Paulo [Kim Kataguiri e Renan Haas, do MBL, anunciaram recentemente a decisão de sair da universidade para se dedicar ao movimento] que decidem: “Vou deixar a universidade e lutar contra isso”. E esse movimento está aí nas ruas. É uma combinação de fatores que temos visto em outras épocas na história. O senhor William Waack [jornalista da Rede Globo], que recebeu um prêmio aqui, disse para nós, em um almoço antes da abertura do Fórum, que o único momento que ele viveu que se comparava a isso foi quando cobriu a queda do Muro de Berlim. Exagerou um pouco, mas não se sabe ainda o que vai ser desse movimento. Depois da primeira manifestação, em março deste ano, a Atlas publicou uma matéria em seu site comemorando o papel decisivo dos Estudantes pela Liberdade, parceiro da Atlas, nos protestos brasileiros contra a presidente Dilma Rousseff e o PT. O senhor se sente responsável por esse movimento? Nosso papel [em relação aos Estudantes pela Liberdade] é o do poder da nutrição. Esses seres humanos, nós o chamamos de empreendedores intelectuais, pessoas com novas ideias, que enxergam soluções e decidem investir seu capital nisso. É como nos negócios. Então, damos a eles programas de treinamento, tentamos apoiá-los financeiramente, encorajá-los a ser muito sérios, não muito festeiros. Mas a Atlas não apoia partidos. Nós retiramos nosso apoio se houver intenção partidária. Não aceitamos nenhum recurso do governo, mas podemos oferecer algumas diretrizes, novas ideias sobre a sociedade livre, do liberalismo clássico ao libertarismo, de religiosos a ateus, mas cabe a cada pessoa escolher. Muitos na nossa organização achamos muito negativo ter uma aproximação de cima para baixo. Nós tentamos encorajá-los, facilitar os encontros entre eles. Agora, por exemplo, em todos os lugares do mundo, eles devem estar se perguntando: “Podemos copiar os brasileiros?”. Então comemoramos, mas temos que ser muito cuidadosos para não ficar com os créditos do resultado, do que acontece localmente. Na Venezuela, o Cedice Libertad, que é uma organização parceira da Atlas, e o Cato Institute, que financia programas da Atlas para estudantes, foram acusados pelo governo Chávez de fomentar a oposição entre os estudantes, associadas a empresários locais. Eu sou vice-presidente do Cedice, e a verdade é que não. Em algumas vezes, alguns membros do Cedice podem ter tido alguma participação política. Mas uma coisa é a vida política, a pólis, outra coisa é trabalhar somente com um partido político. Hoje em dia, nós temos trabalhado e recebido no Cedice Leopoldo López [que está preso] com seu partido da Internacional Socialista, [ex-deputada] María Corina Machado, Antonio Ledezma [prefeito de Caracas detido em março por tentativa de golpe de Estado, segundo o governo]. A resposta é: não podemos abandonar a luta pela liberdade, e algumas pessoas vão para a política. Mas a Atlas não se mete em política interna. “The battle is not between left and right but between right and wrong.” E agora a senhora me dê licença porque tenho que me preparar para a minha palestra [e se levanta]. Uma última pergunta, por favor, só para não fomentar boatos. A ligação das fundações Koch com o Students for Liberty através de financiamento direto e através de outras fundações associadas aos irmãos Koch tem despertado suspeita, já que os Koch são donos de indústrias petroleiras que poderiam ter interesses aqui. A Atlas recebe 0,5% de financiamento dos Koch, a Students for Liberty, não sei. Até logo.