O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) votou por unanimidade a favor da publicação de biografias não autorizadas. O voto da ministra relatora Cármem Lúcia, favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação Nacional das Editoral de Livros (Anel), já tem neste momento a concordância de outros sete ministros da Corte: Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber, Dias Toffoli. Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
A relatora acolheu os argumentos da Anel, votou pela procedência da ação contrária à necessidade de autorização prévia para publicação de biografias e leu apenas um "espírito" de voto, informando que a sua "extensa íntegra" estará disponível no site do STF.
No início da sessão, o advogado do cantor Roberto Carlos, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, chegou a usar da ironia em sua intervenção. "Posso dizer que foram tantas emoções que hoje estou aqui como se fosse a primeira vez." Kakay tentou rebater o caráter de censura sustentado pela Anel. "Falaram em censura. Mas a única censura que está aqui é ao cidadão que vê sua intimidade atacada, uma censura para que ele não procure o Judiciário. Não para exercer uma decisão prévia, mas para depois da publicação do livro". Apesar de garantir a liberdade aos biógrafos, Cármen Lúcia garantiu que reparação material poderá ser concedida nos casos de abusos.
O ministro Luís Roberto Barroso disse que a liberdade de expressão na democracia brasileira deve ser tratada como preferencial: "Acho importante insistir nisso porque o Supremo tem sido um guardião importante da liberdade de expressão, mas nas instancias inferiores há precedentes negativos de liberdade de expressão".
Barroso chegou a lembrar seu voto na Ação Penal 470, do mensalão, quando foi criticado por se posicionar pela prescrição do crime de quadrilha. Disse ter “amargado" no noticiário que esse teria sido o "preço pela sua nomeação" e reiterou que o cargo que ocupa o sujeita à crítica construtiva e à crítica destrutiva. “É o preço que nós pagamos”, declarou, ao encerrar com a opinião de a liberdade de expressão é essencial para o aprendizado, para o avanço social e avanço da história.
Durante sua declaração de voto, o ministro Celso de Mello afirmou que o Estado não pode dispor de poder algum sobre as palavras e as ideias, e citou o escritor e poeta mexicano Octavio Paz, Nobel da Literatura em 1990: “Nada mais é pernicioso e bárbaro do que atribuir ao estado poderes na esfera de criação artística e cultural. O poder político é estéril, porque sua essência consiste na dominação dos homens, qualquer que seja a ideologia que impere. Nenhuma autoridade judiciária ou legislativa pode prescrever o que será ortodoxo e, em política ou literatura, empreender ação de restrição sobre o livre pensamento”.
Marco Aurélio Mello, por sua vez, argumentou que "escrever sobre alguém mediante encomenda ou autorização é adentrar o campo da publicidade".
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Coêlho, ao defender a dispensa da autorização prévia, disse que todos os fatos da vida de um biografado devem ter relevância para um biógrafo. "E os fatos inverídicos serão resolvidos como devem ser resolvidos, na Justiça, conforme prevê a Constituição Federal."
Ao encerra a votação unânime contra a censura prévia às biografias, o presidente do colegiado, Ricardo Lewandowski, afirmou que a Corte vive "um momento histórico" ao reafirmar a "mais plena liberdade de expressão, desde que não se ofendam outros direitos constitucionais dos biografados". Ele ponderou que é preciso bom senso e preocupação com o alcance do mercado de livros em formato digital, que poder chegar a outros países e sair dos limites das leis brasileiras. Lewandowski comentou que é vítima de cinco perfis falsos no Facebook e não consegue removê-los.
O ministro Teori Zavascki está em viagem oficial na Turquia e não participou da sessão.
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil