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Por Wagner Iglecias
Um dos maiores anacronismos das manifestações contra Dilma, Lula e o PT é esse grito de guerra de que “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Ok, tudo bem, gritos de guerra dão sentimento de coesão, as manifestações são majoritariamente de pessoas de direita e o vermelho tradicionalmente foi a cor dos movimentos revolucionários de esquerda. E a associação não é difícil de entender: a cor simboliza o sangue dos que tombaram na luta por um mundo menos injusto, desde pelo menos a Comuna de Paris e a Revolução Francesa. E esse tipo de luta, pela igualdade, sempre foi repudiado pela direita, em qualquer lugar do mundo. Mas apesar dos tantos insucessos na luta por um outro mundo, o vermelho ficou e mais tarde foi adotado por sindicatos de trabalhadores, movimentos sociais e partidos trabalhistas, como o Partido Socialista francês, o Partido Trabalhista inglês e o Partido Social-Democrata alemão.
Já essa repulsa ao vermelho por aqui, que se dirige inclusive a qualquer desavisado que cruze as manifestações vestindo uma camiseta daquela cor, é um resquício tolo da Guerra Fria. Que acabou há um quarto de século, quando caíram o Muro de Berlim e a antiga URSS. A bandeira soviética, toda vermelha com a foice e o martelo em amarelo, hoje em dia é apenas peça de museu. E no caso da bandeira chinesa, toda vermelha com cinco estrelas em amarelo, seria o caso de se perguntar: ela é ainda o símbolo de um país comunista ou daquela que será a maior potência econômica do planeta em poucos anos, plenamente inserida na economia de mercado? E as bandeiras do Vietnã, totalmente vermelha com uma estrela amarela, e de Cuba, com um triângulo vermelho e uma estrela branca dentro? Oras, o Vietnã, se um dia impôs uma histórica derrota militar ao Ocidente, hoje é um país integrado ao capitalismo. E o que dizer de Cuba, em vias de fazer o mesmo?
De mais a mais, a bandeira do país-modelo dos nossos manifestantes anti-PT, os EUA, tem sete listras vermelhas. As bandeiras de Portugal, Itália, Espanha e Alemanha, de onde vieram a maioria dos nossos antepassados europeus, têm a cor vermelha também. As bandeiras de Angola, Moçambique e de diversos países do Golfo da Guiné, de onde vieram os nossos antepassados africanos, idem. As bandeiras da Síria e do Líbano, de onde vieram a maioria dos nossos antepassados árabes, a mesma coisa. E o que dizer da bandeira do Japão, que nos legou tantos imigrantes, toda branca com um círculo vermelho bem no meio? E as bandeiras dos imigrantes recentes que têm vindo ao Brasil nos últimos anos e nas últimas décadas? Coreia do Sul? Tem vermelho. Bolívia? Vermelho também. Haiti? Adivinhem.
E a bandeira de Minas Gerais, estado-símbolo do nosso movimento de independência em relação a Portugal? Tem o triângulo vermelho no centro, e em volta do qual se lê a frase “Libertas Quae Sera Tamen” (Liberdade ainda que tardia). A bandeira do estado de São Paulo, curiosamente semelhante à bandeira dos EUA, carrega o vermelho também. E até a bandeira da cidade de São Paulo traz o vermelho, onde se lê a frase um tanto arrogante “Ducor Non Duco” (Conduzo, não sou conduzido).
E o que dizer dos três principais clubes de futebol da capital paulista? O São Paulo dispensa comentários, tão presente o vermelho entre suas três cores. O alvinegro Corinthians traz em seu símbolo a âncora e os remos em vermelho. E o alviverde Palmeiras há tempos reconheceu o vermelho como uma de suas cores também, aliás presente no escudo da Casa de Savóia, da qual o clube reivindica suas origens. E isso para não falar da nossa alvi-rubra Lusinha, a Portuguesa de Desportos, trazendo em seu uniforme o vermelho do manto lusitano de além-mar.
Como desafio para os próximos protestos fica o de alguém sair à rua carregando a bandeira de um certo estado norte-americano que, se fosse um país independente, seria a sétima economia do mundo. Na frente do Brasil inclusive. Trata-se de uma bandeira branca, com uma faixa vermelha na parte inferior e o desenho de um urso com um olhar de poucos amigos. Logo o urso, tradicional animal da América do Norte...mas também o símbolo da Rússia. E pra completar, com uma estrela vermelha de cinco pontas...igualzinha a de um certo partido...e do lado esquerdo!!! Um verdadeiro perigo!!! E embaixo do urso, duas palavras: California Republic. As quais, no meio de tanta desinformação e tanta fixação ideológica demodée, poderão passar despercebidas, correndo o risco o desafiante de acabar hostilizado por alguém ou motivar o coro da multidão verde e amarela de que “a nossa bandeira jamais será vermelha”. Reconheçamos: repudiar a bandeira vermelha é algo tão contemporâneo quanto, em pleno 2015, ver o risco do comunismo a cada esquina.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.