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Medida provisória para a modernização do futebol brasileiro, assinada nesta quinta-feira (19) pela presidenta Dilma, poderia apontar para um modelo de negociação política que se mostrou bem-sucedido, envolvendo trabalhadores e atores da sociedade civil na construção de propostas conjuntas
Por Glauco Faria
Nesta quinta-feira (19), a presidenta Dilma Rousseff assinou a chamada MP do Futebol, que tem como objetivo principal promover a modernização da modalidade, castigada há décadas por dirigentes da área. O texto elenca uma série de medidas que estimulam as boas práticas de gestão, estabelecendo contrapartidas com o cumprimento de diversas obrigações para que se efetive a renegociação das dívidas dos clubes com a União, estimada em R$ 4 bilhões.
Entre os principais pontos estão o pagamento em dia da remuneração e dos direitos de imagem dos atletas profissionais, o limite de gastos dos clubes em no máximo 70% da receita bruta, publicação de demonstrações contábeis auditadas, manutenção de investimentos permanentes nas categorias de base e no futebol feminino e a adoção de um programa de redução de déficits progressivo, para que possam ser zerados até 2021.
Vários dos pontos abordados no texto eram reivindicações antigas de jogadores e de parte da crônica esportiva, e o ambiente criado junto à opinião pública por conta dos famigerados 7 a 1 sofridos pela seleção brasileira contra a Alemanha favoreceram o processo que culminou na edição da MP. Se parte da sociedade estava preocupada com a imagem do país em relação à organização da Copa, o verdadeiro desastre se deu nas quatro linhas, refletindo um estado de calamidade vivido pela modalidade há tempos, mas obliterado em função de eventuais vitórias e conquistas nos gramados.
A partir da constatação cabal de que o futebol ia mal, foi possível ao governo construir um diálogo mais amplo, e não restrito apenas aos cartolas da CBF ou à “bancada da bola” no Congresso Nacional, regra que vigia na relação entre o poder público e o mundo do futebol. “Essas propostas vão ao encontro das demandas dos clubes, dos profissionais da cadeia produtiva do futebol, das entidades representativas do segmento e do Bom Senso Futebol Clube e também tiveram a participação muito efetiva dos cronistas esportivos do país”, disse a presidenta na cerimônia de apresentação da medida provisória, resumindo como foi feita a discussão.
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Essa construção conjunta de diversos setores envolvidos na modalidade é um exemplo de como poderiam ser tratadas determinadas pautas, buscando-se contornar as limitações da dita governabilidade. Foi com base no diálogo e colaboração com uma entidade representativa dos trabalhadores da área do futebol, o Bom Senso FC, que se tornou possível angariar um apoio maior da opinião pública e de segmentos da sociedade civil que passaram a dar maior atenção a uma questão que não diz respeito somente aos profissionais da área.
Obviamente, a construção do consenso em torno de pontos muito mais complexos e que envolvem interesses maiores, como uma reforma política e tributária, são muito mais custosos e envolvem mais tempo e habilidade do que a discussão sobre o futebol no Brasil. Mas o fato de o governo capitanear, de verdade, um processo de construção de propostas que envolva e abra canais de participação de movimentos, organizações, e atores da sociedade civil dá peso e lastro à qualquer discussão. Vontade política e disposição para dialogar por si só não bastam, mas é um primeiro passo e um aceno àqueles que buscam há tempos construir alternativas em diversos setores.
Também é certo que a MP do Futebol ainda corre risco em sua tramitação no Congresso Nacional, mas os setores organizados e os trabalhadores do mundo da bola, além de parte da mídia e dos jornalistas que não têm relacionamentos pouco republicanos com a CBF, estão atentos. O que é, na prática, uma outra vantagem evidente do processo de construção coletiva: um envolvimento maior de todos que também são parte do resultado final.
É preciso que o governo tome frente e use seu poder de mobilização para que se discutam pautas de interesse nacional. Além da MP do Futebol, um outro processo que mostra a força da colaboração e da participação é o Marco Civil da Internet. Mesmo quando o projeto sofreu uma tentativa de desfiguração no Congresso Nacional, foi defendido por todos aqueles que participaram de sua elaboração e também por quem entendeu a importância do que estava em jogo, já que a discussão e a consulta feitas de forma pública ampliaram o alcance e o entendimento de parte da sociedade em relação aos seus principais pontos.
Uma das possibilidades de se sair da letargia que toda crise política ameaça impor a um governo é o aprofundamento dessa interação com a sociedade. Não entender que parte do cenário atual se deve às consequências das decisões tomadas nos gabinetes, a portas fechadas, é continuar jogando com um esquema tático que já se mostrou errado. E, parafraseando um jargão futebolístico, a bola (e a política) pune.
Foto: José Cruz/Agência Brasil