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Junto com o atual presidente da Câmara dos Deputados, chegam ao poder os setores fundamentalistas, que, desde 2003, se organizam para tomar o poder e impor uma agenda obscurantista de sociedade
Por Marcelo Hailer
Quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) derrotou o governo e se elegeu presidente da Câmara dos Deputados Federais não significou apenas a derrota do Palácio do Planalto no quesito articulação, mas de todos os setores progressistas do Brasil. Prova disso é que, em menos de 12 horas, Cunha desarquivou um Projeto de Lei de sua autoria que visa instituir o “Dia do Orgulho Heterossexual”, que tem por objetivo proteger a sociedade da “heterofobia” (estamos no aguardo de dados de assassinatos motivados pelo ódio ao heterossexual) e deu regime de urgência à votação do Estatuto da Família, que torna oficial a marginalização das famílias homoparentais e a certificação (como se precisasse) das uniões entre pessoas do sexo oposto.
Eduardo Cunha não veio para brincar. Logo que chegou ao poder da Câmara, ativistas dos Direitos Humanos já previam o pior, mas também se pensava que, estando no poder, Cunha não retomaria a agenda que lhe deu visibilidade. Ledo engano, o atual presidente da Câmara dos Deputados vai cumprir ao pé da letra quando disse que apenas “por cima do seu cadáver” haveria a criminalização da homofobia, legislação do aborto e regulamentação dos meios de comunicação. Estas pautas não vão entrar no Congresso Nacional e, infelizmente, o Palácio do Planalto não dá sinais de que vá se indispor por elas. De fora para dentro, nos próximos quatro anos, a luta será para não permitir retrocessos na parca legislação sobre assuntos da agenda progressista.
Mas, é preciso descer um pouco mais para se ter uma dimensão melhor do significado de Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Primeiro, ele é apenas um nome que carrega consigo tudo o que há de mais retrógrado na política e sociedade brasileira: machismo, homofobia, conceitos fundamentalistas de sociedade, proselitismo com os setores empresariais. O atual presidente da Câmara é personagem de um grupo político coordenado por lideranças evangélicas que, desde 2003, se instalaram no Congresso Nacional e elegeram as agendas do aborto, gênero e LGBT como inimigos nº 1 e, de lá para cá, impuseram sucessivas derrotas a estas agendas. Porém, organizados como são, sempre tiveram como prisma de poder tomar de assalto o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Hoje, quem está lá é a presidenta Dilma Rousseff, mas quem vai ditar a agenda oficial é este grupo.
E o que é, de fato, a agenda do grupo de parlamentares fundamentalistas que hoje comandam o Congresso Nacional? Mais do que figuras religiosas obscurantistas, este grupo retoma conceitos sobre sociedade e humanidade que nos levam de volta para o século XIX, quando as teses de eugenia estavam muito em voga. Estes grupos pensam a sociedade a partir de uma hierarquização social, racial e de gênero: são aceitos aqueles que vivem para reproduzir e propagar a espécie humana; negros, índios e LGBT são considerados sujeitos “menores” ou “não-humanos”; mulheres são seres de segunda classe que existem para parir e servir aos homens. A esta forma de organização social, o filósofo Michel Foucault chamou de “anátomo-política” ou “bio-política”, quando o gerenciamento da vida e o controle social se tornaram fundamentais para o Estado liberal, este, aliado aos poderes policiais, medicinais e religiosos. Uma santa aliança!
O governo vai reagir?
O cenário é, de fato, desolador e pode impor significativos retrocessos à sociedade brasileira. Dentro do Congresso Nacional, os setores progressistas são minorias e serão tratorados pela agenda fundamentalista. A pergunta que fica é: o Palácio do Planalto vai reagir? Os ministros vão se pronunciar? A presidenta Dilma Rousseff vai se lembrar da sua campanha e defender as questões de Direitos Humanos que pautaram o segundo turno das eleições presidenciais?
Se a resposta para a pergunta acima foi negativa, em pouco mais de um mês Dilma Rousseff terá na sua mesa para vetar ou aprovar o “Dia do Orgulho Heterossexual”, um PL escrito em punho por Eduardo Cunha. A encruzilhada estará posta: se veta, terá de arcar com a reação do bloco comandado por Cunha. Se aprova, terá de lidar com a reação popular. De fato, a presidenta terá de escolher um lado.
Pelo sim, pelo não, o que temos pela frente é a possibilidade de o Brasil ser um dos poucos países do Ocidente a ter uma lei “contra a heterofobia” em detrimento da homofobia, sendo que, esta sim, mata diariamente (e não faltam dados que comprovam isso). Podemos ainda ser o país, na contramão de todo o Ocidente, a ter um Estatuto da Família que exclui categoricamente as uniões entre iguais, congratulando toda a sorte de discriminação e opressão contra aqueles que, historicamente, são marginalizados (mulheres, negros, índios, LGBT) e que, nos últimos anos, respiravam alguns parcos avanços que os tornavam um pouco mais humanos (no sentido de existência oficial) aos olhos da sociedade. Até isso está em risco.
Foto: J. Batista/ Fotos Públicas