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Marina tem história, tem base social, tem personalidade, mas a polarização por anos entre tucanos e petistas empobreceu a capacidade de análise destes militantes. O mundo ficou excessivamente didático, polarizado num Fla X Flu interminável
Por Rudá Ricci, em seu blogue
Existe uma espécie de TOC analítico, um apelo didático em análises políticas, que é a comparação de traços de personalidades distintas. Análise política é um trabalho de alto risco e exige, além de muita informação, apuro teórico. Caso contrário, torna-se narração de jogo de futebol da Série D.
Na prática, a análise é complexa, mas a devolução tem que ser ágil e palatável. Paulo Freire, uma vez, me disse que intelectual é quem pensa difícil, mas fala fácil, para que o interlocutor possa interpelá-lo. Falar difícil para um interlocutor que não especialista na área é um sinal de insegurança e/ou autoritarismo.
Pois bem, o recurso da comparação entre personalidades políticas leva esta justificativa do atalho explicativo. Uma simplificação, de qualquer maneira. O cuidado que se deve ter é o mesmo que Weber teve quando explicou o que é um tipo ideal. Não é o real. Nem mesmo se encontra um tipo puro no mundo real. Mas, do ponto de vista analítico, trata-se de uma fonte para o leitor decompor a realidade.
Dito isto, quero refutar, com toda clareza, esta comparação de Marina com Collor. Trata-se de um recurso didático empregado pelo analista. Em vários casos, uma maldade incontida que resvala em caráter duvidoso. Mas, na maioria das postagens que li, tratava-se de uma mera comparação didática. Mesmo assim, equivocada.
O que foi Collor? Um representante de uma fração de nosso empresariado periférico. Filho de coronéis, se construiu pelo marketing. Foi o político que colocou a disputa eleitoral num novo patamar profissional de preparação das falas, da vestimenta, da estratégia de apresentação. O pós-Collor é algo totalmente distinto das disputas pré-Collor. Desde sempre, Collor foi representante da periferia empresarial. Trouxe para seu governo parte da periferia intelectual. Até tentou algo mais expressivo, mas Covas vetou. Sem sustentação de sua classe de origem, apelou para os segmentos sociais desorganizados, marginalizados, desesperados pela sobrevivência. E deu no que deu. Foi se isolando.
Marina não é isto. Ela fez parte da geração de novas lideranças sociais que deram no movimento ambientalista, no novo sindicalismo e no PT. Foi ministra do governo Lula e muito respeitada internacionalmente, tanto que carregou a bandeira olímpica na cerimônia de abertura em Londres. Foi candidata à Presidência da República em 2010 e protagonizou uma arrancada histórica no final do primeiro turno. Foi lembrada como preferida para as eleições destes ano entre os manifestantes de junho do ano passado. No que se parece com Collor? Nem a base social, nem o histórico, nem a aparição nacional em 1989. Marina tem história, tem base social, tem personalidade.
Sinto que a polarização por anos entre tucanos e petistas empobreceu a capacidade de análise destes militantes. O mundo ficou excessivamente didático, polarizado num Fla X Flu interminável. Assim como o marxismo vulgar que insiste em acreditar que o mundo gira ao redor de duas únicas classes sociais. Facilita em demasia a exclusão de mais da metade da população mundial. Engana. Induz ao erro político.
Mas, aí, entrou Marina na história. O jogo ficou mais sofisticado. Menos polarizado. Petistas e tucanos olham para o lado e não sabem do que se trata. Perdem o script de anos. Não conseguem se ver no espelho. Mas haviam adorado o reflexo dos últimos anos. Era um porto seguro. Só resta uma saída. Ressuscitar algum personagem que, no passado, se interpôs contra a polarização que agrada. Melhor ainda se tiver sido um desastre e sofrido impeachment. Olham para o lado e acham Collor. Está feita a comparação, a maldade e o embotamento da inteligência política.