Nessa quarta-feira (10), foi entregue a Dilma Rousseff o relatório final da Comissão Nacional da Verdade; presidenta se emocionou durante a cerimônia
A presidenta Dilma Rousseff recebeu, na manhã dessa quarta-feira (10), o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) sobre os crimes e violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, com ênfase maior sobre os 21 anos de ditadura militar no Brasil (1964-1985). Dilma se emocionou e chegou a chorar durante o discurso, se lembrando dos mortos durante o período sombrio do regime militar: "O Brasil merecia a verdade, as novas gerações mereciam a verdade, sobretudo aqueles que perderam familiares, parentes, amigos, companheiros, e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia". A presidenta recebeu o relatório em audiência com os seis membros da CNV: José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso.
Dois anos e sete meses depois de iniciados os trabalhos, a CNV entregará seu relatório também ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). A data escolhida, 10 de dezembro, coincide com o dia da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela ONU. Nesse período, foram ouvidos 1.120 depoimentos e listaram um total de434 vítimas, entre mortos e desaparecidos. O documento completo, que foi dividido em três volumes (3.380 páginas), descreve todo o trabalho feito pela Comissão, apresentando suas conclusões sobre os crimes cometidos pelo Estado.
"O trabalho conduzido permitiu à Comissão Nacional da Verdade concluir que as graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado, especialmente nos 21 anos de ditadura instaurada em 1964, foram resultado de uma ação generalizada e sistemática do Estado, configurando crimes contra a humanidade", disse o coordenador do grupo, Pedro Dallari.
"Nós reconquistamos a democracia à nossa maneira. Por meio de lutas duras, por meio de sacrifícios humanos irreparáveis. Mas por meio de pactos e acordos nacionais que estão, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988 [...] Quem dá voz à história são os homens e mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. O Brasil certamente saberá reconhecer a importância desse trabalho, que torna nossa democracia ainda mais forte", concluiu a presidenta, ainda emocionada.
Militares tentaram barrar relatório final
Os clubes militares, que representam militares da reserva e da ativa, tentaram até o final da última semana impedir a divulgação do relatório final da CNV. Eles tiveram negado pela Justiça o mais recente de uma série de pedidos de suspensão da apresentação dos resultados. O argumento do grupo era de que a "verdade história" poderia ser prejudicada pelo documento, pois o relatório não teria se preocupado com os crimes cometidos por militantes de esquerda. Para os militares, todos os crimes deveriam ser apurados.
"Assim como os excessos eventualmente praticados por agentes do Estado, não se podem varrer para baixo do tapete crimes de morte, sequestros, justiçamentos (julgamentos e execuções cometidos por guerilheiros contra os próprios colegas) praticados por aqueles que se confrontavam com forças do governo", disse o vice-almirante Paulo Frederico Soriano Dobbin, presidente do Clube Naval, que alegou ainda que combatentes de organizações radicais de esquerda contrários ao regime militar teriam sido responsáveis pelas mortes de mais de uma centena de pessoas, a maioria militares.
Lei da Anisitia
A CNV deve também pedir, nessa quarta-feia, a revisão da Lei da Anistia, que há 35 anos mantém impunes os crimes de lesa-humanidade daquele período. Para a Comissão, a lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, é uma lei de autoanistia, o que viola leis internacionais. A anistia, segundo a CNV, não poderia incluir agentes públicos que realizaram crimes como “detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”, pois tais ilícitos são “incompatíveis com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional”, uma vez que se tratam de crimes contra a humanidade, “imprescritíveis e não passíveis de anistia”.
De acordo com a Comissão, leis de autoanistia “constituem ilícito internacional”, pois “perpetuam a impunidade” e “propiciam uma injustiça continuada, impedindo às vítimas e a seus familiares o acesso à justiça, em direta afronta ao dever do Estado de investigar, processar, julgar e reparar graves violações de direitos humanos”.
Foto de capa: Lucio Bernardo Jr/Câmara dos Deputados