Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
O pior livro de 2013 está prestes a ser lançado: Mensalão, de Merval Pereira.
Cuidado, pois.
Tratando-se de Merval, não poderia ser outra coisa que não a reunião de seus artigos maçantes e previsíveis ao longo do julgamento. Conteúdo novo? Talvez na próxima.
O livro é revelador, não obstante.
Ele mostra a relação incestuosa entre a Globo (e a grande mídia) e o STF. O prefácio é de Ayres Britto, que presidia o Supremo durante o Mensalão.
Pode? Pode.
É legal? É.
É eticamente aceitável? Não. Exclamação.
O pudor deveria impedir o conúbio literário entre Merval e Britto.
Mas o pudor se perdeu há muito tempo. Em outra passagem amoral desse caso de amor entre mídia e justiça, o ministro Gilmar Mendes compareceu sorridente, em pleno julgamento do Mensalão, ao lançamento de um livro do príncipe dos escaravelhos Reinaldo Azevedo em que os réus eram massacrados.
Ali estava já a sentença de Gilmar.
Pilhados por uma câmara indiscreta, Azevedo se gabou da presença ilustre, aspas, do companheiro Gilmar, e este seguiu em seu caminho de defensor da justiça e da causa do 1%.
A decência e o interesse público mandam distância entre os dois poderes, a mídia e a justiça. Na Inglaterra, se o juiz Brian Leveson, que comandou as discussões sobre a mídia e seus limites, confraternizar com um jornalista, a carreira de ambos estará encerrada.
No Brasil, é pena, isso não é bem assim.
Conheço Merval há anos. Quando eu começava carreira na Veja, ele foi, durante algum tempo, editor da seção de Brasil. Não virou manchete, porque não tinha elegância ao escrever, o que naquela época era um requisito na Veja.
De lá voltou a seu habitat, o Rio. Seu tento mais espetacular, nestes anos todos de regresso ao Rio, foi ter matado Hugo Chávez numa coluna que, não gozasse ele da imunidade de porta-voz do patrão, podia ter lhe custado a mensalidade que recebe. Seu mensalão, enfim.
Reencontrei-o quando fui integrante do Conedit, Conselho Editorial das Organizações Globo.
Rapidamente, nas reuniões semanais de terça-feira no Jardim Botânico conduzidas por João Roberto Marinho, me impressionei com Merval e Ali Kamel.
Não pelo talento, não pelo brilho. Mas pela capacidade de reproduzir, alguns tons acima, tudo que a família Marinho pensava. Pareciam competir entre si, como se dissessem: “Eu concordo com o João mais do que você!” (Acho graça quando atribuem poder ideológico a Kamel: se seu patrão fosse progressista, ele seria progressista e meio. Ele não formula intelectualmente, e sim executa jornalisticamente o que os Marinhos desejam. Embora seus amigos da Veja dediquem espaço monumental à resenha de seus livros em troca de ampla cobertura da revista no JN, nenhum deles tem qualquer valor literário.)
Aquilo tudo no conselho evidentemente me incomodou. Uma vez, depois de uma reunião, fui almoçar com Luiz Eduardo Vasconcellos, sobrinho de Roberto Marinho, acionista minoritário do Globo e integrante do Conselho Editorial.
O cardápio, olhando para trás, foi suicida, para mim. Não conversei, desabafei. Disse a Luiz Eduardo, um bom sujeito aliás, que me chamava a atenção na reunião o fato de todos os participantes repetirem, basicamente, as ideias da família Marinho.
Onde alguma diversidade, onde algum esboço de pluralismo?
Alguns macaqueavam mais discretamente, outros com exuberância e estridência retórica. Era este o caso de Merval e de Kamel. Minha solidão naquele grupo era imensa, era universal, e não apenas por eu ser de São Paulo.
Merval, em seus artigos, se coloca como um Catão. Talvez um dia nosso Catão possa vir à luz do sol para explicar por que, trabalhando há tantos anos para todas as mídia da Globo, é um PJ – um artifício pelo qual ele e seu empregador pagam menos impostos do que deveriam, e ainda se concedem o direito de fazer sermões sobre moral.
(Foto de capa: montagem/ www.cultura.rj.gov.br / www.stf.jus.br / Divulgação)