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O senador do Amapá cassado em 2005 divulga carta pública ao presidente do Senado e, em entrevista à Fórum, acusa armação envolvendo ainda o atual ministro da Defesa
Por Anselmo Massad
João Capiberibe divulgou a imprensa uma carta pública endereçada ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), a quem acusa como um dos responsáveis por sua cassação. O mandato do senador foi cassado definitivamente em 2005, sob acusação de compra de votos de dois eleitores por R$ 26 pagos a prestação.
Em entrevista exclusiva à Fórum, ele acusa o grupo político do senador José Sarney (PMDB-AP) de articular a acusação contra ele, contando ainda com o apoio de outras duas figuras do partido: Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e Nelson Jobim, então presidente do Supremo Tribunal Federal e atual ministro da Defesa.
Se o primeiro foi responsável pela denúncia, Jobim deu o voto de minerva favorável à decisão do Tribunal Superior Eleitoral – contra a tradição de favorecer o réu em caso de empate entre os demais ministros – e Calheiros não respeitou seu direito de defesa nem esperou a publicação da decisão para empossar Gilvam Borges. O suplente que ganhou o cargo era assessor de Sarney na Casa.
“O que eu mais queria era ser investigado”, sustenta. “Ninguém foi verificar se eu tinha cabeças de gado para pagar os R$ 26, como fizeram com Renan”, ironiza. A referência são as declarações de bens apresentadas por Calheiros para justificar a origem dos recursos com os quais ele teria pago pensão à jornalista Monica Veloso, com quem teve uma filha em um relacionamento extra-conjugal.
Capiberibe conta que foi a segunda vez neste ano em que ele se manifestou publicamente. A primeira foi ao ministro do STF Carlos Velloso, na época das acusações contra o senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), que renunciaria o mandato. Atualmente envolvido com a organização do PSB, do qual é terceiro vice-presidente nacional, ele promete voltar ao Senado em 2010.
Confira os principais trechos da entrevista.
Fórum – E por que o senhor escolheu este momento para publicar a carta-pública a Renan Calheiros?
João Capiberibe – O processo de cassação política não se extingue com a perda do mandato. Tenho décadas de militância, de lutas contra a Ditadura Militar, depois como prefeito [de Macapá], governador e senador. Perder o mandato não reduziu essa militância. Mas a truculência do processo no TSE e no Senado foi grande. A primeira carta, na verdade, foi escrita ao ministro Carlos Veloso, relator do processo contra mim no TSE, quando veio à tona o episódio do [Joaquim] Roriz. Foi no tribunal que começou a farsa, porque ele acolheu como ordinário um processo que havia sido levado como especial. A partir dessa decisão, o processo caminhou com rapidez para o que foi planejado, a cassação dos mandatos meu e de minha companheira Janete [Capiberibe, deputada federal]. Renan Calheiros me expurgou do Senado, contrariando a Constituição. Na carta, eu afirmo que se os senadores não tivessem permitido o comportamento déspota naquela ocasião, ele não resistiria às denúncias que sofre hoje, porque teria sido estabelecido um ritual de investigação e apuração de denúncias. Hoje, não há regimento para acolher denúncias. A representação do PSol foi apresentada à Mesa Diretora, cujo presidente era o representado. Sem regras, o Senado deixou correr de forma confusa para chegar ao objetivo de cassar o mandato. Os senadores ficaram impotentes, como estão agora. Foram 52 à Tribuna pedir respeito a meu direito de defesa. Renan não respeitou. O ministro Marco Aurélio Melo devolveu os mandatos por falta de direito de defesa. A sociedade deveria se preocupar com o fato de que o Congresso deixa de legislar, enquanto o TSE e o STF não se restringem a julgar e fiscalizar a aplicação da lei, para também legislar e promover uma confusão jurídica. Aqui não sabemos quem legisla. O TSE, nas eleições, define as regras, aplica e fiscaliza.
Fórum – O senhor se sente perseguido.
Capiberibe – Sou o primeiro senador cassado pelo TSE. Dezenas respondem por denúncias, mas fui cassado pela suposta compra de dois votos por R$ 26 em prestações. Na carta, ironizo o fato de ninguém ter buscado investigar. Tudo o que eu queria era ser investigado, porque o resultado seria outro e poderia até resultar em mudanças eleitorais. Ninguém foi verificar se eu tinha cabeças de gado para pagar os R$ 26, como fizeram com Renan. Só pode ser por armação política. O TSE teria que julgar em termos jurídicos, não interpretar para depois julgar. Em dois casos são cassados, mas em todos os outros não? No país do mensalão, dos sanguessuga, da operação Navalha, dos rombos financeiros, com tanto antecedente de corrupção, se cassa pela suposta compra de dois votos – de eleitores, aliás, sustentados até hoje pelos que fizeram a denúncia, os que haviam perdido a eleição.
Fórum – O senhor acusa uma armação para a cassação. Quem foi o autor dessa manobra?
Capiberibe – Foi o PMDB do senador José Sarney. O meu processo é uma demonstração de que não é difícil armar para uma cassação política. Não adianta criminalizar a política, é preciso acabar com isso com mudanças de fato. Na minha opinião, acabar com a votação individual, criar instrumentos de participação política por meio dos partidos, com fidelidade partidária para que as siglas tenham a importância que têm nos países da Europa. Lá, não tem um tribunal eleitoral, mas regras comuns a todos, que são respeitadas. Mas enquanto estiver nas mãos do poder, não sai nem reforma política, nem Constituinte, como se propôs. Só se o povo sair às ruas e houver muita pressão é que se pode acabar com a exclusão política. É ela que causa a exclusão econômica e social no país, porque a população não tem organização social suficiente para se fazer ouvir.
Fórum – A armação articulada envolveu outras esferas, já que o senhor também acusa os tribunais e o presidente do Senado.
Capiberibe – O Ministério Público não viu crime. O TRE nos declarou inocentes, mas no TSE fomos condenados. O processo subiu para o tribunal por recurso especial do PMDB de José Sarney, mas foi acolhido como recurso ordinário, o que permite rever todas as provas. O STF não aceitou, como está na Constituição, e aceitou o recurso de embargar a decisão e subir para o Supremo. Ficamos dois anos no mandato, até 2005, quando o STF julgou improcedente o recurso, alegando que não havíamos apresentado alguns dados. Antes de publicar a decisão para que ela transitasse em julgado, o Senado mandou empossar o suplente. A decisão no STF ocorreu pelo voto do então presidente, Nelson Jobim, já de olho na filiação ao PMDB para a candidatura à vice-presidência da República, com Lula em 2006. Foi dele o voto de Minerva, já que estava empatado em três a três as posições dos demais ministros. Ele quebrou uma tradição nessas situações de favorecer o réu em caso de dúvida, de empate. Minerva era uma deusa romana muito sábia que sempre decidia para o lado certo. Mas a decisão de Jobim mostra que havia um acerto entre Renan Calheiros, José Sarney e Nelson Jobim. Foi um acordo dentro do que o professor Dalmo Dallari chama de “ética dos oligarcas” em artigo no Jornal do Brasil [em 4 de agosto]. Sou um militante de esquerda, sempre tive uma posição muito clara. Afastar-me do cargo era uma maneira de me tirar da vida pública, o que não vai acontecer.
Fórum – O senhor tem planos para as eleições de 2008?
Capiberibe – Planejo voltar ao Senado em 2010, onde acredito que possa contribuir mais para o país. Há, por exemplo, um projeto que apresentei e foi aprovado no Senado em 2004, que exige das esferas do poder executivo a publicação, em tempo real, das receitas e despesas na internet. Uma medida para garantir transparência na gestão pública. Desde então, ele está parado na Câmara. Janete encabeça o esforço para votar o PLP 217/04. Há apoio da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], da Associação Brasileira de Imprensa, da CNBB [Confederação Nacional dos Bispos do Brasil].
Fórum – O Senado tem uma imagem de ser uma casa mais conservadora e com menos disposição a troca de acusações do que a Câmara dos Deputados. O senhor concorda com essa análise?
Capiberibe – O espírito de corpo é muito forte, principalmente entre os representantes da oligarquia. No meu caso, foi diferente. Dallari resume a ética dos oligarcas do Senado com uma adaptação do lema da velha República: “Para os amigos tudo, para os inimigos a ética”. No meu caso, fecharam questão, a prova é o caso Renan, em que a cada dia há mais denúncias, como as dele contra colegas, como agora ele fez com o líder do DEM.
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Senado: a ética dos oligarcas, de Dalmo Dallari