Opinião

Resistência e memória no 1º de Maio – Por Álvaro Quintão

Quando a pejotização ameaça direitos consagrados, renasce o pacto de solidariedade trabalhista

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Álvaro Quintão é advogado e mestre em Ciências Jurídicas. Foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio de Janeiro (OAB/RJ) e secretário-geral da OAB/RJ. Atualmente, é sócio do escritório Quintão e Lencastre Advogados Associados.
Resistência e memória no 1º de Maio – Por Álvaro Quintão
Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Em cada 1º de Maio, o Brasil revive a força de um pacto social tecido em fábricas, ateliês e bancas de jornal. A CLT, selada em 1943, segue atuante como muralha de garantias: férias remuneradas, jornada fixa, 13º salário, FGTS e o sustento previdenciário que acolhe gerações.

Contudo, a pejotização avança como vento cortante. Ao converter vínculo em prestação de serviços autônomos, escoa-se o vigor das proteções. Férias se perdem em faturas; 13º se esvai em notas fiscais; o FGTS vira linha no balanço de empresas. A decisão liminar do STF, em abril de 2025 (ARE 1.532.603), congelou o julgamento definitivo e silenciou milhares de ações, deixando o operário na corda bamba entre direitos e incertezas.

Na prática, essa metamorfose reduz o trabalhador a engrenagem sem peso jurídico. A cada contrato PJ firmado, a sociedade afronta o princípio da dignidade humana: sem acesso ao seguro-desemprego, ao auxílio-doença ou à licença-maternidade, o trabalhador se expõe a quebra de seu sustento e de sua família. Nas plataformas digitais, motoristas e entregadores giram quilômetros sob o crivo de algoritmos invisíveis, sem a proteção de legislação clara.

Ganham fôlego, assim, as corporações que lucram com a instabilidade. Fragmentadas, as forças trabalhistas perdem poder de barganha. Sindicatos, enfraquecidos, veem a base dispersar-se em microcontratos. A Justiça do Trabalho, por sua vez, aguarda o desfecho do STF para retomar a tutela, enquanto vidas ficam à margem de qualquer rede de amparo.

Surge, então, a urgência de uma resposta legal e política. A CLT precisa incorporar, sem rodeios, a presunção de vínculo sempre que evidentes pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Nos casos mediados por aplicativos, equipes multidisciplinares devem validar o caráter laboral e reverter a farsa do CNPJ.

Em paralelo, o PLP que regula plataformas deve ser meta imediata. Ele define piso mínimo por hora trabalhada, contribuições previdenciárias partilhadas e jornada máxima. E exige transparência algorítmica: todo bloqueio ou rebaixamento de perfil deve ser justificado e passível de recurso.

Além do campo jurídico, a reconstrução da solidariedade passa pela educação e pela memória. Escolas e sindicatos devem relatar a saga dos trabalhadores que ergueram a CLT, lembrando que direitos não surgem espontâneos, mas são frutos de greves, debates e greves. Negociação coletiva setorial, financiamento sindical equitativo e fiscalização reforçada pelo Ministério Público do Trabalho e pela Auditoria-Fiscal são medidas cruciais.

O 1º de Maio não é apenas data no calendário: é lembrete de que a força de um povo funda-se na união e na justiça. Ao honrar o legado celetista, reafirma-se a crença de que o trabalho tem valor intrínseco e não pode ser tratado como mercadoria descartável.

Nesta jornada, cada sentença favorável, cada projeto de lei aprovado e cada vínculo reconhecido ressoa como sinos de esperança. Que o país reconquiste o pulso firme da dignidade trabalhista e ergue-se, neste 1º de Maio, um novo pacto de proteção social, um pacto gravado na lei, mas vivido e defendido por cada brasileiro que empunha sua labuta como prova de sua humanidade.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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