Aos poucos as instituições brasileiras vêm demonstrando que são mais fortes do que a trama golpista de 8 de janeiro de 2023. Nem por isso é possível afirmar que a democracia nacional está isenta de riscos, prova disso é a movimentação dos simpatizantes do golpismo em favor de anistia para os condenados que, em associação criminosa armada, tentaram abolir o Estado Democrático de Direito, depondo, por violência, governo legitimamente eleito, com direito a cometimento de dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
Mas, afinal, o que é a anistia? Anistia, que para uns significa perdão e para outros, esquecimento, é uma possibilidade prevista por um ordenamento jurídico de excluir a punibilidade de certos crimes por razão de utilidade social. A anistia política, aplicada especificamente a crimes desta natureza, visa selar a paz interna, beneficiando quem, por alguma razão, esteja sofrendo uma opressão indevida. Este precioso e excepcional instituto, exatamente por lidar com crimes de natureza política, deve decorrer de uma pactuação ampla, chancelada por todos os Poderes, mediante uma hígida concertação social.
No Brasil, a adoção da anistia está prevista no art. 48, VIII, da Constituição, como competência do Congresso, sujeita à sanção do Presidente da República. Ela é vedada para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos (art. 5º, XLIII). Assim, é possível conceder-se no país anistia para crimes políticos... desde que haja pactuação social. Esta exigência de concertação ampla não está expressa na Constituição, mas nem seria necessário, afinal, trata-se de imperativo ético. Sem ajuste amplo, convencimento adequado, paz nenhuma seria alcançada. Exercício hermenêutico simples basta para concluir que esse é o entendimento da Carta de 1988.
Sobre os delitos do 8 de janeiro, pergunta-se: quais foram os condenados pelos crimes havidos naquele dia injustamente oprimidos? Alguém não contou com o amplo direito de defesa? Alguém preso não deveria ter sido encarcerado? À parte a gravidade colossal de tramar e atentar contra o Estado e a democracia, desde quando deterioração de patrimônio público tombado, depredação, emprego de violência em associação criminosa são crimes políticos? Há consenso social, pactuação entre Poderes, sobre a ideia de anistia política atualmente debatida no Congresso? Não. Portanto, não pode haver anistia.
Além disso, a anistia é impossível quando visa desobedecer decisão do Judiciário. Advogar por isso é defender o ataque de um Poder sobre outro, algo que a Constituição refuta, sendo capital sublinhar que, no caso em espécie, tal ofensa parlamentar seria contra um Judiciário que agiu como agiu para defender o Estado Democrático de Direito. A impossibilidade de anistia política com este condão não seria nem é uma especulação filosófica, é um precedente já consolidado pelo STF na ADPF 964, que afastou a graça concedida pelo ex-presidente (hoje réu) Bolsonaro ao ex-deputado condenado Daniel Silveira.
Assim, uma eventual aprovação parlamentar de anistia política nos termos do ora pretendido pelos simpatizantes dos condenados no 8 de janeiro de 2023 seria inconstitucional. Tranquilizem-se os que a pedem, porque os criminosos hoje condenados serão soltos tão logo cumpram suas penas. De mais a mais, que fique o alerta de que atentar contra a democracia, fazendo uso ou não da violência, é algo repelido pela Constituição, pelas instituições e pelo povo brasileiro. A dura realidade que a experiência pátria comprovou é que o golpista que pede anistia é o mesmo que busca a impunidade para tentar novo golpe adiante. Com efeito, anistia nunca para os condenados do 8 de janeiro!
Marcelo Uchôa é doutor em Direito Constitucional, presidente da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Defesa da Democracia da OAB-CE e advogado de Uchôa Advogados Associados.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.