No final de março, foi realizado pelo Conselho das Cidades um Seminário que debateu a proposta de um Sistema Único de Mobilidade no país. A proposta, que é debatida no setor há alguns anos, é inspirada na ideia do SUS e do SUAS: um sistema integrado onde o governo federal, os estados e os municípios atuam de forma conjunta para organizar os projetos e ações de saúde e assistência social.
No caso da mobilidade, a organização interfederativa trabalharia para reverter o cenário de abandono que os transportes públicos enfrentam nas cidades brasileiras, bem como as péssimas condições de deslocamento de pedestres e ciclistas. As ações envolveriam projetos de infraestruturas - desde corredores de ônibus e redes de trilhos urbanos, que são pouquíssimos no Brasil, até melhorias em calçadas e ciclovias - mas também promoveriam uma transformação na prestação de serviços de ônibus e trilhos, que são extremamente problemáticos, caros e mal executados por todo o país.
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Além de reverter esse cenário de pouco investimento e má qualidade, a articulação das demais esferas de governo também ajudaria a integrar os serviços de transportes entre as cidades, o que é impossível no cenário atual, onde os prefeitos cuidam de todo o setor praticamente sozinhos, mas cada um em sua cidade. Nas regiões metropolitanas pelo país é urgente a implantação de redes regionais de transporte, juntando ônibus, trens, metrôs e VLTs num serviço integrado, com tarifa única, ou gratuitos, evitando a maratona enfrentada diariamente por cidadãos que moram em uma cidade e trabalham em outra. Por outro lado, nas cidades muito pequenas as redes de ônibus não conseguem se manter com uma frequência adequada, e a criação de redes regionais no entorno das cidades pólo promoveria uma transformação na integração entre as cidades.
O Seminário do Conselho das Cidades debate estes e outros desafios, como a perspectiva apresentada por Annie Oviedo, da Coalizão Mobilidade Triplo Zero, de formar um sistema que articule projetos de amplitude nacional, ao mesmo tempo em que cuide das questões locais. Ou seja, atuando em projetos de uma rede ferroviária federal, mas também organizando o serviço no bairro, nas linhas locais, próximo ao dia-a-dia e à vida das pessoas, como o SUS faz na Saúde. Já Renato Boareto apontou os desafios da estruturação do Sistema, baseado num estudo que o MDT - Instituto Movimento pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade fez sobre os diferentes sistemas interfederativos de políticas públicas que o Brasil tem, incluindo na educação e no meio ambiente.
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A Deputada Luiza Erundina (Psol-SP), que elaborou a proposta de Emenda Constitucional 25 de 2023, que coloca o Sistema Único de Mobilidade na Constituição, bem como o ex-Secretário de Transportes Lúcio Gregori, autor da proposta inédita de Tarifa Zero em São Paulo no começo dos anos 90, também foram convidados, mas não puderam estar presentes.
O desafio é complexo, mas o Sistema Único de Mobilidade possibilita a criação de instrumentos robustos para combater a má qualidade do transporte coletivo no Brasil. A cooperação entre União, estados e municípios também permitiria a consolidar o transporte como um Direito Social, que está previsto na Constituição desde 2015, também por Emenda da Deputada Luiza Erundina, apesar de ainda não ter sido regulamentado, nem ter produzido impactos nas vidas das pessoas. Annie Oviedo apresentou também como o entendimento do transporte como um direito e o sistema único são essenciais para enfrentarmos o impacto crucial que a tarifa do transporte tem no orçamento das famílias e entendermos a urgência da adoção integral da Tarifa Zero.
A proposta está parada na Comissão de Constituição e Justiça, com parecer favorável do Deputado Kiko Celeguim (PT-SP) desde o final de 2023. Diante de tantas violações do direito ao transporte de todos os cidadãos e cidadãs que moram nas cidades brasileiras é urgente que a Câmara acelere a tramitação desta proposta. A PEC 25 pode ser um marco histórico, se o Congresso se atentar a essa demanda urgente para a qualidade de vida no país.