O Brasil clama por segurança pública e o governo Lula propôs ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) composta de medidas que desburocratizam, reformulam e integram o sistema nacional. A PEC foi elaborada depois de amplo diálogo federativo com governadores, prefeitos, juristas e especialistas, para enfrentar esse grande desafio nacional de assegurar a cidadãs e cidadãos seus direitos à ordem pública e à liberdade no Estado democrático de direito.
Para se ter uma ideia da gravidade do aumento da criminalidade, nas frentes de investigação do Ministério da Justiça já foram identificadas mais de 80 facções criminosas atuando no Brasil, algumas delas com ramificações internacionais. Diante disso, não é razoável politizar a questão da segurança pública nesse dramático momento que vive a sociedade brasileira.
A facilitação do acesso a armas é apontada por instituições que se dedicam à pesquisa sobre violência como a principal causa do crescimento da letalidade. Além disso, a aquisição de armas de grosso calibre por colecionadores criou condições para o acesso de grupos do crime organizado, que se estruturaram, têm códigos, comando e agem como um Estado dentro do Estado. Atuam no tráfico de drogas, de armas, na internet, em garimpos na Amazônia, em comunidades nos grandes centros urbanos, acossando famílias e causando insegurança generalizada, de norte a sul do país. Recentemente, investigações policiais descobriram que uma dessas facções criminosas mantinha um banco digital atuando clandestinamente, sem autorização do Banco Central, para lavar dinheiro do tráfico de drogas e de armas, com R$ 6 bilhões em caixa.
O avanço da criminalidade entrou na pauta de assuntos emergenciais do país e requer das autoridades governamentais, sobretudo união, reformular o arcabouço legal, equalizar políticas públicas para unificar ações de combate - desde os crimes de violência doméstica, roubo de celulares, assaltos - ao desmantelamento das organizações criminosas fortemente armadas, que ameaçam os poderes da República e a democracia.
A Segurança Pública local, constitucionalmente, é uma atribuição dos estados, e dos municípios como serviço complementar. Respeitada a autonomia dos entes federados, o governo federal trabalha em colaboração com os governos estaduais, quando solicitado. O governo federal cuida da política nacional de segurança pública, no que diz respeito ao combate aos crimes de alçada da justiça federal, às garantias da ordem constitucional e o Estado democrático de direito, de responsabilidade da Suprema Corte.
Acontece que os governos locais não estão dando conta de garantir a ordem pública e combater o aumento da criminalidade com a estrutura de segurança disponível. Tendo em vista a relevância e urgência da tomada de decisão, o presidente Lula propôs ampliar o regime de colaboração do governo federal com os estados e os municípios. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública apresentada por ele ao Congresso reúne um conjunto de medidas estruturantes, com o objetivo de desburocratizar a colaboração federativa das ações governamentais.
A PEC constitucionaliza o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário, que financiam o sistema nacional de segurança pública e ações dos governos federal, estaduais e do Distrito Federal, bem como o sistema penitenciário. Além disso, a constitucionalização impede o contingenciamento dos recursos da segurança pública, ou seja, não poderão ser cortados sob nenhuma hipótese. Isso possibilita o planejamento, execução de ações de longo prazo e maior eficiência no combate à criminalidade.
Um dos mais importantes pontos da PEC é a unificação dos sistemas de informação com o compartilhamento do serviço de inteligência e dos dados dos criminosos num sistema único, semelhante ao SUS. O Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado por lei, passa a integrar a Constituição e a promover ações coordenadas entre União, estados e municípios, sem interferir no comando das polícias estaduais.
Como o crime organizado atua em âmbito nacional e internacional, a integração de ações - padronização de dados como certidões, boletins de ocorrências e mandados de prisão - o compartilhamento de informações tornou-se fundamental para organização das ações em segurança pública. Os sistemas estaduais, como plataformas e gestão, serão mantidos. Assim como a autonomia das corregedorias e ouvidorias.
Na PEC, a Polícia Federal ganha novas atribuições, passa a atuar contra crimes ambientais, no combate ao crime organizado formado por milícias, e a Polícia Rodoviária Federal teve sua atuação ampliada para policiamento ostensivo. As guardas municipais foram incluídas na Constituição para atuar na segurança pública urbana.
Os estudos sociológicos, históricos, filosóficos, nos mostram que a violência no Brasil tem raízes profundas, remonta à nossa desumana colonização. Mas temos um fato novo, que nos ajuda reconhecer as causas do aumento da violência em nosso país. Recentemente, o porão da nossa história foi revirado e trazido à tona o ódio de classe ancestral, latente em nossa sociedade, amalgamado no conservadorismo e na repulsa à democracia.
O ódio dividiu famílias, pedalou as estatísticas da violência: contra mulheres, com aumento brutal do feminicídio, contra crianças e adolescentes, com a pedagogia autoritária, racista, machista, homofóbica, aporófoba, enfim, disseminada nas famílias, em escolas, principalmente nas militarizadas.
A violência recrudesceu, se alastrou pelo país, impulsionada pelo discurso de ódio nas redes sociais e pela facilitação do acesso a armas, transformado em bandeira ideológica. Violência que culminou nos ataques ao Estado democrático de direito, na tentativa de golpe de Estado, no dia 8 de janeiro de 2023.
A PEC da Segurança Pública foi elaborada com elevado espírito público e sentimento de comunhão democrática, a fim de criar condições para ações planejadas de longo prazo de combate à criminalidade. Trata-se de uma proposta de política de Estado, por colocar a segurança pública como questão de soberania compartilhada, para o resgate da harmonia da sociedade, de consolidação da democracia e do Estado democrático de direito.
*José Guimarães é advogado, deputado federal (PT-CE) e líder do governo na Câmara dos Deputados.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.